Alto escalão bolsonarista se esforça para manter discurso golpista – UOL Confere
Do UOL, em São Paulo
21/11/2022 20h29
Aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado há três semanas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa presidencial, têm dado declarações de apoio às manifestações antidemocráticas que ocorrem desde o resultado do segundo turno e seguem levantando, sem provas, dúvidas sobre a lisura das eleições.
Diferentemente do presidente, em silêncio há dias, integrantes do alto escalão bolsonarista —como o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Augusto Nardes e o general Braga Netto, que foi candidato a vice na chapa de Bolsonaro— vêm empregando esforços publicamente para manter o discurso golpista.
Invalidar votos. Em vídeo divulgado nas redes sociais no fim de semana, Costa Neto afirmou que o PL vai buscar o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para tentar invalidar votos registrados em urnas produzidas até 2020. “Pelo estudo que nós fizemos, tem várias urnas que não podem ser consideradas”, disse ele no sábado (19).
Costa Neto garantiu que o PL vai apresentar essa análise à Corte eleitoral até amanhã (22). O dirigente negou, no entanto, que a sigla queira rever o pleito. “Não queremos nova eleição, não queremos agitar a vida do país, mas eles [TSE] têm que decidir o que vão fazer”, alegou.
Até o momento, foi divulgada apenas uma versão preliminar desse relatório. Após o texto vir à tona, o IVL (Instituto Voto Legal), contratado pelo PL para examinar o assunto, informou que a versão publicada até o momento, pelo site O Antagonista, é “obsoleta” e não foi validada pelos autores.
Com base nesse texto, especialistas em tecnologia da informação consultados pelo UOL Notícias afirmam que a queixa do partido não é relevante para determinar o resultado das eleições (leia mais abaixo).
Segundo apuração de Thaís Oyama, colunista do UOL Notícias, Bolsonaro continua inconformado com a derrota nas urnas e telefona praticamente todos os dias para Valdemar pressionando-o para que tome uma medida judicial contestando o resultado da eleição presidencial.
Não há qualquer indício de fraude ou problema técnico no pleito, conforme já atestaram o TCU e as próprias Forças Armadas. Três missões internacionais de observação eleitoral também emitiram relatórios preliminares atestando a segurança das urnas eletrônicas, logo depois do primeiro turno.
Braga Netto enigmático. Na sexta-feira (18), o ex-ministro da Defesa atendeu apoiadores de Bolsonaro no Palácio da Alvorada, em Brasília, e disse que o “presidente está bem, está recebendo gente, não tem problema nenhum”. Em seguida, declarou ao grupo: “vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar para vocês agora”.
Uma das interlocutoras de Braga Netto, aparentemente chorando, diz nas imagens que os apoiadores estão “na chuva, no sol” em atos pró-Bolsonaro. Em resposta, o general a consola: “Eu sei. Tem que dar um tempo, tá bom?”
‘Movimento forte’ nas casernas. Próximo a Bolsonaro, Augusto Nardes afirmou, em um áudio enviado a amigos do agronegócio, por meio do WhatsApp, que “está acontecendo um movimento muito forte nas casernas” brasileiras.
Segundo afirmou o ministro do TCU, “é questão de horas, dias, no máximo, uma semana, duas, talvez menos do que isso”, para um “desenlace bastante forte na nação, [de consequências] imprevisíveis, imprevisíveis”. A informação foi publicada pela coluna de Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo.
No mesmo áudio, Nardes afirma que ainda não pode falar tudo o que sabe sobre o “desenlace”. Segundo a colunista, partidos aliados de Lula estudam acionar a corregedoria do TCU, para que Nardes preste esclarecimentos, e devem apresentar uma interpelação no STF (Supremo Tribunal Federal) para que ele explique suas falas.
Após o mal-estar, Nardes divulgou uma nota em que afirma que “lamenta profundamente a interpretação que foi dada sobre um áudio despretensioso gravado apressadamente e dirigido a um grupo de amigos”.
“Para que não pairem dúvidas, esclarece que repudia peremptoriamente manifestações de natureza antidemocrática e golpistas, e reitera sua defesa da legalidade e das Instituições republicanas”, diz a nota.
Hoje, após a divulgação do áudio e a retratação, Nardes informou a colegas que tirou um período de licença médica. O TCU foi questionado sobre os motivos do afastamento por licença médica e por quanto tempo o ministro ficará afastado, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
Alegações irrelevantes. Segundo explicam especialistas consultados pelo UOL Notícias, o relatório que o PL deve apresentar amanhã não aponta nada que possa influenciar o resultado das eleições.
Divulgada pelo site O Antagonista, a versão preliminar do documento que será levado ao TSE revelaria um problema técnico nas urnas de modelo antigo, anteriores a 2020. Os equipamentos contêm um erro em seus “arquivos de log” —registros com dados das urnas, que podem ser consultados por qualquer pessoa no site do TSE.
O relatório do PL mostra que há um erro no campo “ID_UE” destes arquivos, uma incongruência que o partido usa para defender a invalidação dos resultados gerados em todas as urnas do modelo antigo. Com um arquivo de log inválido, o equipamento apresentaria uma “falha de funcionamento”, segundo alega o PL.
Especialistas, no entanto, descartam esse argumento. Segundo eles, esse erro técnico no campo “ID_UE” não impede que as urnas sejam identificadas. Em uma eventual auditoria, bastaria somar os votos de todos os equipamentos novamente para se chegar ao mesmo resultado.
“Estando incorreta [a informação no campo ID_UE], não torna o cálculo dos votos errado”, explica o professor Ivar Hartman, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e doutor em Direito Público pela Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
O campo ID_UE, conforme explicam os analistas, não é a única marca que permite identificar uma urna. Vários outros campos no arquivo de log, como município, zona, seção e local de votação, podem ser usados para rastrear as máquinas.
Além disso, cada urna é equipada fisicamente com um certificado digital, inserido na placa-mãe. A partir dele, é possível identificar o equipamento.
“Os ‘logs’ são assinados por cada urna eletrônica com seus respectivos certificados digitais. Isso os identifica de forma irrefutável”, explica Giuseppe Gianino, ex-diretor de Tecnologia da Informação do TSE e um dos criadores do projeto de engenharia da urna eletrônica, na década de 1990.
Como consultar Log de Urnas no site do TSE
No site de Resultados, do TSE, é necessário selecionar a opção "dados de urna" e as informações sobre estado, município, zona e seção eleitoral da consulta.
Em seguida, é necessário selecionar a opção "Log de Urna" e seguir as instruções para download.
Após baixar o arquivo, é necessário descompactar, como indicado no site.
O arquivo descompactado deve ser extraído. Tem-se então um arquivo do tipo DAT (.dat), que pode ser aberto em qualquer leitor de texto, como por exemplo, o bloco de notas
Após extrair o arquivo, é possível visualizar o Log de Urna, que mostra todo o histórico de atividade da urna eletrônica. Como exemplo, a urna utilizada na Zona 001, Seção 0003 de Belém, do Pará, é do modelo UE 2020. É possível ver que o código em questão é diferente para urnas do modelo UE 2020.
Na seção 0010, da zona eleitoral 0004 no Rio de Janeiro (RJ) também foi utilizada uma urna do modelo 2020. Veja que os códigos diferem entre urnas deste modelo, como a mostrada anteriormente.
Na seção 0001 da zona eleitoral 001 de São Paulo, o modelo utilizado foi a UE 2015. Ela possui o mesmo código da urna de modelo 2013 utilizada na cidade de Vilhena, em Rondônia. Confira a seguir.
Na seção 0001, da zona 004, em Vilhena (Rondônia) foi utilizada uma urna do modelo 2013 (UE 2013). O Log de Urna mostra que ela possui o mesmo código identificador que a urna do modelo 2015 utilizada em São Paulo. As seções foram escolhidas aleatoriamente.
Atos golpistas. Logo após a derrota de Bolsonaro, caminhoneiros bolsonaristas fecharam trechos de rodovias em todos os estados e no Distrito Federal para contestar o resultado das eleições e pedir intervenção militar. No total, mais de 400 pontos de interdição foram registrados desde 30 de outubro.
Os bloqueios foram diminuindo após decisão o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinar que os responsáveis podiam ser multados e presos em flagrante. No último dia 16, a PRF chegou a anunciar que já não havia nenhum trecho de rodovia fechado pelos bolsonaristas.
Nos últimos dias, porém, as paralisações voltaram a subir. Ontem (20), segundo o último balanço divulgado pela PRF (Polícia Rodoviária Federal), 12 interdições e nove bloqueios foram registrados, todos nos estados da Bahia e do Mato Grosso.
No sábado (19), a concessionária que administra a BR-163 entre Nova Mutum e Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, foi atacada em meio às novas paralisações em atos golpistas nas rodovias federais. Imagens obtidas pelo UOL Notícias mostram um grupo de dez homens armados atirando e colocando fogo em caminhões no local.
O colunista do UOL Notícias Tales Faria apurou que Bolsonaro pretende estimular bolsonaristas a protestarem, mas também afirmou que a tática dificilmente terá o resultado desejado pelo atual presidente.
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