Amigo Lula, você nos devolve a esperança – UOL
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Advogado especializado em direito público, é sócio fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, membro do Sindicato dos Advogados de São Paulo e coordenador do Grupo Prerrogativas
Caro amigo,
Volto a escrever para você neste dezembro insólito, onde a paixão pelo futebol conectou todos os brasileiros, antes mesmo das tradições de fim de ano que nos levam a confraternizar, refletir e, principalmente, cultivar o direito, singelo, de ter esperança no novo ano.
Sobretudo aquela esperança de Paulo Freire, que ia além da espera. Nosso grande educador falava em “esperançar”, sentimento que não é passivo, mas “é o de se levantar, ir atrás e não desistir”.
Antes de voltar a falar da esperança, por um instante é preciso parar a ampulheta, reter as frações do tempo e reconhecer: amigo, o passado foi duro, rude. O passado recente escancarou que há mil maneiras de praticar injustiças. A certeza de combater o bom combate, entretanto, gerou força inabalável para resistir e não se dobrar —no seu caso— à perseguição implacável e criminosa que sofreu.
Foi com esta convicção que nos despedimos da cela em Curitiba, na última noite fria em que estivemos fisicamente juntos.
Tínhamos esperanças, mas, para quem sempre esbanjou fé na vida, como você, tudo aquilo doía na alma e no corpo.
O ato torpe perpetrado não era apenas “pessoal”, mas uma espécie de rejeição política, mesclada de espírito punitivo, urdida por segmentos sociais e por pessoas que se apoderaram do Estado incomodadas com as profundas transformações que você promoveu na sociedade brasileira. Sim, inconformadas com a colaboração efetiva que sua gestão presidencial trouxe em prol de um Estado mais inclusivo e responsável perante os mais vulneráveis. Sim, inconformadas porque sua visão sobre os problemas globais alcançou o mundo. Você, com a cabeça erguida, espantou o espírito de submissão e moveu o Brasil rumo à liderança internacional que cabe ao país, junto a outras nações.
Sei que não foi fácil a travessia. “Memória não morrerá”, como diz a canção. Mas o tempo, amigo, tecido com tantos mistérios e reviravoltas, sobretudo construído pelas decisões que tomamos, acabou por nos despertar da angustiante realidade. Não em forma de sonho ou pesadelo, mas como realidade de puro êxtase.
Às 19h56, do dia 30 de outubro de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou que você estava “matematicamente eleito”. A esperança, enfim, venceu um dos governantes mais nefastos à vida republicana brasileira.
O poeta Carlos Drummond escreveu que “chegou um tempo em que a vida é uma ordem”. Você, caro amigo, experiente de tantas batalhas, entendeu o recado da história e trouxe, para o seu lado, o ex-governador Geraldo Alckmin, em uma articulação invejável que tornou explícita, para todo o país, que a sua missão é liderar uma frente ampla contra o autoritarismo e o retrocesso social. Uma frente ampla para reconciliar o país.
Por fim, já me despedindo, quero comentar sobre suas lágrimas e palavras no discurso de diplomação no TSE. Aqui, repercutiram muito bem. Ao sentir as bênçãos que recaíram sobre sua vida, emocionado, você desabafou: “Quem passa pelo que passei nos últimos anos…”. Vou ficar neste pequeno trecho porque a frase diz tudo sobre o sofrimento, seu e de toda sua família, vítimas de inaceitável perseguição política vestida de toga e do espetáculo midiático que infelizmente fomos obrigados a assistir.
O Grupo Prerrogativas, do qual sou com muita alegria patrono, ao lado dos seus combativos e competentes advogados ( Zanin e Valeska), não abandonou o front. Fez a sua defesa como obrigação cívica e construiu na sociedade o espaço necessário para a reacreditação do nosso sistema de Justiça. Sim, como tudo em sua vida, nada é por acaso… Sua absolvição, com o reconhecimento de sua inocência, deixou o alerta de que precisamos combater com muita força e vigor a instrumentalização das carreiras de Estado a serviço de interesses políticos e eleitorais.
Você saberá extrair as melhores lições e, sem mágoas, vejo sua energia sendo canalizada para construir, reconstruir e desarmar heranças nefastas. Tempo de organizar o novo governo, de estabelecer pontes, de revigorar a democracia, de reconstruir estruturas e de restabelecer a ordem institucional. Com esse enorme esforço, não sei se ainda vai conseguir participar das peladas de futebol. Sei que o Prerrogativas e o Politheama têm sido protagonistas de belos espetáculos. Tomara que você tenha tempo para essas pausas necessárias.
Agora, de volta ao Planalto, derrotando seus algozes, fico emocionado ao vê-lo regressando a Brasília. Na capital federal, vivemos, juntos, momentos memoráveis e inesquecíveis. Da Constituinte à vitória em 2002. Da luta pela anistia à luta por um país sem fome.
Bem-vindo, amigo, novamente, seja muito bem-vindo nesta cidade que Niemeyer —que temos em alta conta e estima— predestinou a ser uma cidade onde homens e mulheres podem “compreender o valor das coisas simples e puras; um gesto, uma palavra de afeto e solidariedade”.
Aqui de cima, sigo comovido e confesso: estou com o coração doendo de tanta felicidade. Mas, não se preocupe comigo, não se morre duas vezes. No primeiro dia de janeiro de 2023 estarei aplaudindo você e a todo povo brasileiro.
Não se preocupe comigo, é tão somente alegria.
Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, o seu sempre amigo “Sig”.
* No dia 25 de dezembro de 2018, Sigmaringa nos deixou com um legado luminoso de significativas realizações. Partiu profundamente triste e inconformado com a prisão criminosa de seu amigo-irmão. Em seus últimos minutos de vida, ainda esboçava um sentimento de esperança com a possível reparação. Agora, poderá assistir, vivo no melhor de cada um de nós, o reencontro do Brasil com o maior líder popular de sua história. Poderá, também, com sua memória e seus exemplos edificantes, nos inspirar na árdua tarefa de derrotar o avanço do fascismo em nosso país.
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