Análise | Mais política e menos ciência na cobertura das mudanças climáticas pela mídia espanhola – MediaTalks

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A mudança climática se instalou entre as prioridades da imprensa na Espanha, mas a vinculação do noticiário ambiental ao universo político na maioria dos veículos mostra que o viés científico ainda não conseguiu se impor. 
Uma análise das reportagens publicadas nos meios principais revela um peso desproporcional dado aos líderes que estiveram na COP27, incluindo o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez.
A presença dos mandatários e fofocas a respeito deles dominaram a cobertura.
Em veículos conservadores, como Libertad Digital e El Español, o encontro entre o venezuelano Nicolás Maduro e o francês Emmanuel Macron ganhou insólita atenção, com reportagens críticas e até fotogalerias.
Já na segunda semana do evento, quando avançaram as negociações, a cúpula foi relegada a um segundo plano.
Nos sites de jornais conservadores como El Mundo e La Razón, o clima praticamente desapareceu da capa.
As manchetes passaram a ser dominadas pelas reuniões do G20.
A rede pública RTVE, responsável pelo Canal 1, um dos mais importantes do país, foi a única que manteve o meio ambiente entre os destaque do seu principal telejornal.
Em emissoras privadas como Telecinco e Antena 3, de maior audiência, a COP27 foi parar no segmento final. Os espaços dedicados ao meio ambiente, mesmo no canal público, deixam evidente a perda de interesse de uma semana para a outra.
Na primeira, com os líderes ainda em Sharm El-Sheikh, foram mais de 20 minutos de cobertura no Telediario. Na última, a redução foi de quase 50%.
O tempo não inclui o notável espaço dedicado à previsão do tempo no Canal 1, com frequentes menções ao efeito das mudanças climáticas. A previsão, apresentada por meteorologistas e não por jornalistas, chega a passar de cinco minutos.
 
Nenhuma das emissoras, porém, tem uma seção fixa diária sobre meio ambiente, diferentemente de importantes jornais e sites de notícias.
É o caso do online de linha progressista El Diario e do maior jornal espanhol, o madrilenho El País.
O primeiro definiu a cobertura ambiental como uma de suas prioridades editoriais, compromisso expresso em uma declaração de princípios. Já o El País criou, em 2020, a editoria Clima & Meio Ambiente.
Por outro lado, veículos ligados ao partido de extrema direita Vox, como o Libertad Digital e o OkDiario, abrem espaço a negacionistas das mudanças climáticas.
As duas publicações apoiam a governadora de Madri, a populista da direita Isabel Díaz Ayuso, e tiveram reações diferentes quando ela disse, minimizando a importância da COP27, que “mudança climática sempre existiu” e que “o resto é barulho que beneficia os comunistas”.
O Libertad Digital ironizou a ministra da Transição Ecológica, Teresa Ribeira, que criticara a governadora pelas declarações. Já o OkDiario preferiu ignorar o episódio, assim como praticamente qualquer outro relacionado à conferência do clima.

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Vinícius de Carvalho King's College London acadêmico brasileiro COP27 imagem Brasil
Um dos personagens mais importantes na cobertura das mudanças climáticas na Espanha é Miguel Ángel Medina, editor e redator de Clima & Meio Ambiente no El País.
Ao MediaTalks, ele falou sobre como o tema é acompanhado pelo jornal e pela mídia espanhola e sobre as expectativas a respeito do Brasil em relação ao meio ambiente.
“Somos três jornalistas na editoria. Publicamos muito conteúdo específico, além de usarmos matérias ligadas às mudanças climáticas produzidas por outras seções do El País. Nossa newsletter semanal chega a milhares de assinantes”.
“Com a emergência climática, esses temas se tornaram transversais e ocupam a manchete principal do jornal sempre que há fenômenos extremos, como nevascas, incêndios ou secas, além de se estenderem a outras editorias”.
“O El Diario, o La Vanguarda, de Barcelona, e a revista mensal e site online La Mareal, de Madri, são exemplos de boa cobertura ambiental na mídia espanhola. Todos têm seções especializadas”.
“Quanto às TVs, o Canal 1 é o  que presta maior atenção ao assunto, enquanto emissoras privadas chegam a fazer reportagens minimizando o aquecimento global, algumas até em tom festivo do tipo ‘o enorme calor em novembro, que delícia!’”
“Temos grandes expectativas em relação ao governo Lula. Esperamos que ele ponha freio ao selvagem desmatamento da Amazônia produzido durante o período de Jair Bolsonaro”.
Este artigo faz parte do MediaTalks Especial COP27

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Antonio Guterres ONU COP27 mudança climática

Luciana Gurgel,
de Londres
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