Antagonismo de Zema e Lula: cientista político projeta cenário em … – Brasil de Fato
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Política
Com a derrota de Bolsonaro, o governador mineiro Romeu Zema (Novo), aliado do ex-presidente, tenta se realocar frente ao governo Lula. Confuso entre como se manter antagonista à esquerda e ao mesmo tempo tirar partido do novo cenário eleitoral, Zema ainda tenta achar o tom do seu segundo mandato.
Para falar sobre os rumos da política no estado neste contexto, o Brasil de Fato MG entrevistou o professor de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Bruno Reis.
Confira a análise do pesquisador:
Brasil de Fato MG – Após inúmeras rusgas e ataques durante o processo eleitoral, na primeira semana de janeiro Romeu Zema (Novo) fez um aceno positivo à Lula. No entanto, agora os ataques foram retomados. Qual sua avaliação sobre essa relação e como isso pode impactar a política e o desenvolvimento no estado?
Bruno Reis – A oscilação recente do Zema dá impressão de que ele está buscando ainda a linha a seguir. Ele parece estar tateando, experimentando. Então às vezes se manifesta meio ao sabor da ocasião, da provocação. Lembrando que o Zema é um cara que se beneficia da desorganização do sistema político brasileiro em 2018 para tornar bem sucedida, espetacularmente bem sucedida, uma candidatura que parecia de um nanico qualquer.
Como teve esse efeito do eleitorado procurando quem seria o Bolsonaro entre os candidatos a governador, ele ganha essa projeção e dali em diante fica em posição relativamente confortável, de antagonizar tanto Pimentel, que permanecia impopular – tinha feito um mandato mal sucedido no ano anterior – quanto o Bolsonaro nos seus exageros. Zema se coloca soando como mais centrista, mais moderado, etc. Provavelmente ele ficará mais confortável se for numa direção como essa, mas ele deve estar atento para as perspectivas de eventualmente, caso o Bolsonaro fique em situação política muito fragilizada, dele ser seu herdeiro na liderança da direita.
Duvido que Zema banque uma antagonização plena com Lula
Nesse momento tem muita gente disputando essa posição, e isso obriga ele a exercer certa antagonização com o governo Lula. Mas isso é uma tarefa politicamente mais difícil, que requer mais tarimba, mais tirocínio, sutileza estratégica e respaldo político, certa blindagem e organização que ele não parece ter montado ainda. Haja vista inclusive as dificuldades que enfrentou nesta semana, na eleição do presidente da Assembleia Legislativa.
Eu acho que ele está em busca do tom certo da relação com o governo federal. Duvido que ele banque uma antagonização plena. E nesse momento, depois do 8 de janeiro, o governo federal está com a faca e o queijo na mão, encarnando a defesa da Constituição e das instituições. Então antagonizar o governo nesse momento é bem difícil. Ele ainda tem que achar o ponto de equilíbrio.
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Alguns temas que são pautas “caras” ao governador mineiro, como as privatizações e a mineração, podem ser impactadas por decisões na esfera federal, inclusive há essa expectativa por parte de movimentos populares, sindicais e do próprio Partido dos Trabalhadores. Qual sua expectativa com relação a estes temas?
É difícil enxergar inteiramente, cravar o que vai acontecer. No entanto, mesmo que o governo federal desencoraje e crie novas políticas, há espaço para o governo estadual implementar sua agenda quanto a isso. No primeiro mandato, Zema foi relativamente cauteloso no começo e foi aumentando a agressividade à medida que parecia ganhar confiança no exercício do cargo.
Ninguém tem tarefa fácil pela frente neste contexto de devastação que o país tem que enfrentar
No final do mandato teve toda celeuma em torno da Serra do Curral, em que apesar da reação forte da opinião pública em Belo Horizonte ele seguiu adiante de maneira agressiva. E acabou perdendo judicialmente. Mas nem por isso sofreu desgaste eleitoral na capital, tanto que ganhou eleição aqui contra o Kalil. Ou seja, a política nesses tempos no Brasil está bem atípica. Esse resultado pode ter encorajado ele a uma postura mais proativa nessa frente.
Eu acredito que alguns temas destes, Cemig sobretudo, tendem a virar moeda de troca em eventuais barganhas políticas de acomodação mútua entre o governo estadual e o governo federal.
Minas Gerais elegeu com a maior votação do país, o deputado Nikolas Ferreira (PL), um dos ícones atuais do conservadorismo e do fascismo no Brasil. Como você projeta a relação do executivo federal e o legislativo mineiro nesses próximos anos, tendo estas figuras à frente do Congresso? Você visualiza algum risco de uma movimentação golpista, como ocorreu com Dilma Rousseff?
Essas figuras mais radicalizadas não vão estar exatamente à frente do Congresso nos próximos quatro anos, vão estar no Congresso. Alguns desses protagonistas são inteiramente constituídos em cima de um tom desrespeitoso e intolerante com o adversário. Eles não fazem propriamente política, eles não estão lá em busca de compromissos mútuos, como é obrigação da representação política. Eles fazem apenas a mera confrontação, antagonização, desqualificação autoritária e intolerante de adversários. É disso que eles vivem. É isso que aproxima Nikolas de Bolsonaro.
Então Nikolas é outro que, mais do que Zema, vai ter um desafio exigente de ao mesmo tempo garantir a preservação do seu mandato contra eventual cassação por deslealdade institucional, por conspiração, etc. Porque ele vai ter que jogar dentro das quatro linhas e ao mesmo tempo não alienar, não perder, não se desmoralizar frente ao eleitorado que acabou votando nele eventualmente esperando exatamente a confrontação mais dura.
Eu não vejo o governo federal ameaçado de impeachment ou coisas assim
Ninguém tem tarefa fácil pela frente neste contexto de devastação que o país tem que enfrentar depois de ter um presidente como Bolsonaro. Isso vale para o governo federal, que tem que juntar os cacos e vale também para os seus antagonistas que não podem mais fazer política no mesmo tom de antes, de absoluta desqualificação dos adversários, sem correr risco de processos, inclusive criminais. Então é achar esse ponto.
Eu não vejo o governo federal ameaçado de impeachment ou coisas assim, até onde dá para ver, mas é claro que a variável crucial para essas coisas é sempre o desempenho da economia. Se a vida tiver melhorando, o governo é invulnerável, se a vida piora, se há uma deterioração das condições de vida, qualquer governo está à perigo. Mas em princípio acho que o governo tende a conseguir com relativa normalidade, estabelecer sua relação com o Congresso, não obstante da presença desse pessoal mais barulhento.
A distribuição de cargos e ministérios evidenciou um enfraquecimento do PT em Minas Gerais em sua influência a nível nacional. Qual sua avaliação da situação? Na sua opinião, as lideranças estaduais poderão se fortalecer no próximo período? Quem serão os nomes de destaque ou as apostas mineiras para retomar essa força?
Se tem uma coisa certa é que a gente sempre erra quando vamos dizer do futuro. A gente olha para as pessoas jovens, acha que elas levam jeito e, no entanto, outras pessoas se materializam do nada. Eu acho que o que está acontecendo nesse momento é mais ou menos claro. O campo político à esquerda em Minas está relativamente despovoado, o ex-governador Fernando Pimentel sequer conseguiu se reeleger deputado federal. Isso é uma façanha muito rara.
Aécio e Collor, por exemplo, até hoje conseguem se reeleger. E além do mais, a esquerda perde em Minas e chega a 1% em Belo Horizonte. Então o PT em Minas chega enfraquecido para compor o ministério do governo.
Todos os governos estão sendo chamados e mantendo diálogo com o governo federal
Eu não faço muito caso dos números dos ministérios, quando o presidente monta seu ministério ele está olhando muito mais para o Congresso do que para o mapa dos Estados. Minas acabou sendo contemplada, como outros estados, com uma pasta de peso que ficou com o candidato a Senador, que é do PSD, mas neste momento representa uma colisão local em torno do Lula. Então acho que para frente é natural que esse número tende a crescer ao sabor de circunstâncias variadas.
O PT em Minas juntando os cacos, o tempo se encarrega de fazer o pêndulo voltar. É provável ver nomes seus que estão ali pelo segundo, terceiro escalão, promovidos a interinos nos Ministérios, etc. e aí vai ficando.
Sabemos que Minas Gerais é vista por pesquisadores e estudiosos como uma amostra nacional dos rumos da política no país. Você vislumbra um enfraquecimento ou desgaste da gestão de Romeu Zema diante do governo Lula? E como isso poderá impactar as disputas e debates a nível nacional?
Claro que a ascensão do Lula à Presidência da República é um mega revés para a direita e não poderíamos nem imaginar qual seria o cenário se Bolsonaro tivesse ganho. Então o rumo que essa direita vai tomar é uma incógnita. Qual aventureiro vai se lançar ao mar e prevalecer? Ou vai ser o próprio Bolsonaro de novo?
Todos os governos estão sendo chamados e mantendo diálogo com o governo federal. Relações institucionais são relações institucionais. No entanto, muita gente que até anteontem estava bajulando Bolsonaro, nesse momento procura se reposicionar próximo a Lula.
O Zema é o candidato a tentar liderar essa direita, como governador eleito de Minas Gerais. Agora, eu não vejo ele muito forte nesse papel, pode ser que nos surpreenda, mas ainda mais depois da imensa atrapalhada que acabou se produzindo em 8 de janeiro. Nesse momento, a direita tenta se manter mais defensiva no plano nacional, mesmo que procure manter a retórica agressiva nas redes.
Vamos ver como evolui a economia para ver como as coisas vão se passar. As eleições para prefeitos em 2024 também vão nos ajudar a traçar melhor este cenário e como será a situação em 2026.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Elis Almeida
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