Ao desrespeitar Nossa Senhora, Bolsonaro inverte princípios cristãos – UOL Confere
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Chico Alves é jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro ‘Paraíso Armado’, sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho.
Colunista do UOL
13/10/2022 12h51
Nenhum presidenciável jamais usou tanto a religião em uma campanha eleitoral quanto Jair Bolsonaro (PL). Desde 2018, Deus tem sido assunto frequente em seus discursos e na atual campanha eleitoral ele repete a todo momento que defende os valores da fé cristã. Frequenta cultos evangélicos com assiduidade, está sempre em companhia dos pastores e bispos neopentecostais de maior destaque, apesar de ter sempre se identificado como católico.
A imagem de religiosidade construída desde que colocou em prática o plano de ocupar a Presidência da República não combina, porém, com o Bolsonaro real. Suas ações e declarações vão na contramão de um seguidor do ramo mais conservador do Cristianismo, como ele quer se mostrar.
Vocifera contra o aborto legal, mas cogitou abortar o filho 04, Jair Renan.
Contraria os princípios cristãos de busca pela paz ao pregar e facilitar o uso de armas.
Durante a pandemia que matou quase 700 mil brasileiros, não emitiu nenhum sinal pessoal de compaixão, sentimento tão valioso ao Cristianismo – pelo contrário, desdenhou das vítimas, dizendo que não era coveiro e que aqueles que tentavam se proteger eram maricas.
Não se mostra preocupado com os mais pobres, aqueles aos quais Jesus dedicou a vida, e chega a negar que haja fome no Brasil.
Se apresenta como conservador e defensor da família, mas para justificar o recebimento de auxílio-moradia apesar de ter residência em Brasília não teve pudor de admitir que usava o imóvel para “comer gente”.
Há muitos outros sinais, mas essa contradição entre o personagem religioso e o Bolsonaro real ficou mais clara ontem, na visita que o presidenciável fez à Basílica de Nossa Senhora Aparecida.
Não satisfeito com o alto nível de instrumentalização da religião em sua campanha, Bolsonaro foi à Basílica no dia da padroeira do Brasil pedir votos e participar da mobilização de eleitores.
Em nenhum momento exibiu a compostura esperada de alguém que participa de uma cerimônia religiosa. Acenou aos seguidores, encenou a participação na missa e recusou-se a receber a hóstia.
Inspirada no comportamento do líder, a trupe bolsonarista também quebrou todas as regras religiosas: levou para Aparecida, local dedicado à espiritualidade, o mesmo clima de ódio que dissemina país afora.
Vaiaram o arcebispo quando ele pediu que nenhuma criança brasileira passe fome, atacaram um funcionário da afiliada da TV Globo, assediaram um rapaz somente porque estava vestido de vermelho, abusaram dos palavrões. Muitos destes “patriotas” e “cristãos” estavam com latas de cerveja na mão em uma área de celebração religiosa.
Bolsonaro e os bolsonaristas desprezam, assim, os principais valores do Cristianismo.
Esses preceitos foram resumidos na famosa oração atribuída a São Francisco. No Brasil de hoje, a seita bolsonarista parece fazer uma releitura dessa prece.
Pelo comportamento da turba e do candidato, essa inversão de valores pode ser resumida assim:
Onde houver amor, que eu leve o ódio.
Onde houver perdão, que eu leve a ofensa.
Onde houver união, que eu leve a discórdia.
Onde houver fé, que eu leve a dúvida.
Onde houver verdade, que eu leve a mentira.
Onde houver esperança, que eu leve o desespero.
Onde houver alegria, que eu leve a tristeza.
Onde houver luz, que eu leve as trevas.
Resta saber se eleitor dirá “Amém” a essa proposta de barbárie.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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Chico Alves
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