Após quatro anos, Bolsonaro se lembra que o Brasil também tem católicos – UOL Confere

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em países como Timor Leste e Angola e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). Diretor da ONG Repórter Brasil, foi conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão (2014-2020) e comissário da Liechtenstein Initiative – Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos (2018-2019). É autor de “Pequenos Contos Para Começar o Dia” (2012), “O que Aprendi Sendo Xingado na Internet” (2016), ?Escravidão Contemporânea? (2020), entre outros livros.
Colunista do UOL
12/10/2022 14h02
De olho em sua reeleição, Jair Bolsonaro estreitou laços com líderes de igrejas evangélicas durante seu governo, prometeu e entregou um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal, usou a estrutura do Poder Executivo para cultos religiosos. E, na ânsia eleitoral, até afirmou a um grupo de bispos e pastores: “Eu dirijo a nação para o lado que os senhores assim desejarem“.
Foi tão longe que pediu ao então ministro da Educação, Milton Ribeiro, “atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”. O religioso e o pastor Arilton Moura são acusados de cobrar propina em bíblias e barras de ouro para liberar o caixa do ministério a prefeitos.

Agora, após quatro anos, em uma nova campanha, Bolsonaro se lembra que o Brasil também tem católicos – e que eles formam um eleitorado numeroso. Atrás do voto deles, foi ao Círio de Nazaré – a familiaridade dele era tamanha que conseguiu a façanha de errar o nome da festa religiosa nas redes sociais. E, neste 12 de outubro de Nossa Senhora, se reafirma católico e caça voto no Santuário de Aparecida (SP).
“Ah, mas Bolsonaro já foi outras vezes em Aparecida”, dizem uns. Sim, mas sempre em uma lógica eleitoral. “Ah, mas Jair é tão amado pelos católicos que é defendido pelo padre Kelmon”, dizem outros. Como informou a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Kelmon “não é sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana, sem qualquer vínculo com a Igreja sob o magistério do papa Francisco”.
Se entre os evangélicos, o presidente lidera por 62% a 31% neste segundo turno (votos totais), junto aos católicos, Lula está à frente, com 55% a 38%, de acordo com o último Datafolha. O atraso no Censo dificulta saber qual a proporção exata de cada grupo na sociedade, mas o instituto trabalha com 53% do eleitorado sendo católico e 27%, evangélico. Apesar de minoria, o segundo grupo consegue se engajar mais fortemente que o primeiro.
Claro que católicos ultraconservadores sempre estiveram na base do bolsonarismo-raiz da mesma forma que há evangélicos que repudiam a hiperpolitização de púlpitos e a instrumentalização de Deus em prol das necessidades políticas do presidente da República. Mas, de uma maneira geral, Bolsonaro se esforçou para convencer que governava para os evangélicos, que – não sem razão – sentem-se esquecidos por governantes. E deu atenção a pautas de comportamento e costumes, importantes para parte desse eleitorado.
Contudo, evangélicos também comem – e a inflação insistente que jogou o preço dos alimentos nas alturas levou carestia para 33 milhões de evangélicos, católicos, espíritas, praticantes de religiões de matriz africana, ateus. Sim, a fome é laica. E isso repercute no voto. Afinal, para muita gente, mais importante que um presidente que seja ombudsman de bloco de carnaval é um que garanta comida na mesa.
Em nota divulgada nesta terça (11), a CNBB lamentou “a intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos no segundo turno”. E criticou o sequestro de eventos religiosos para esse fim, dizendo que “não podem ser usados por candidatos para apresentarem suas propostas de campanha e demais assuntos relacionados às eleições”.
A nota pede “um país mais justo, fraterno e solidário”. Para traduzir o que isso significa, nada como uma citação atribuída a um gigante, Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, que também lutou contra a ditadura e esteve sempre ao lado dos mais pobres – opção preferencial da Igreja Católica posta pelo Concílio Vaticano II, convocado pelo papa João 23.
“Se falo dos famintos, todos me chamam de cristão, mas se falo das causas da fome, me chamam de comunista”, disse Câmara. Notam alguma semelhança com o que vivemos hoje?
Ele e o também já falecido Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT), ensinaram que ser solidário não é praticar uma forma distorcida de caridade, como uma política de distribuição de sobras – o que consola mais a alma dos ricos do que o corpo dos pobres.
Mas que solidariedade passa por reconhecer no outro e na outra seus semelhantes e caminhar junto a eles. Ou seja, não é doar migalhas, mas compartilhar o pão, produzido com diálogo e respeito. “Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar”, assumiu Pedro como lema de vida.
“Nada matar.” Tão simples e tão poderoso é o sexto mandamento presente em Êxodo, capítulo 20, versículo 13. O presidente precisou ir a Aparecida para mostrar que se importa. Bastaria, na verdade, ter abraçado a vida em seu governo. Mas essa conversão já seria um milagre.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
Leonardo Sakamoto
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