As eleições, a picaretagem empresarial e a economia política do fascismo (por Marcelo Milan) – Sul21

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Marcelo Milan (*)
Pelo segundo mês consecutivo esta coluna é publicada a dias das eleições. E logo tem suas preocupações voltadas para o lado político substantivo da economia política. O pleito, principalmente no nível nacional, envolve aspectos maiores e muito mais importantes que a economia, como a manutenção da parca democracia e a rejeição da retrocessos ainda maiores nos aspectos civilizatórios. E é o fascismo que deve ser encarado nesta disputa. Não há espaço para desconversar, visando negociatas futuras para assumir posições no aparato burocrático burguês e acomodações movidas por intere$$es. O momento histórico dispensa floreios e vanidades.
A situação é tão delicada que mesmo alguns economistas pró-liberdade para o capital (travestida de liberdade para o consumidor) não se acovardaram. A coragem desta malta em declarar voto em Lula surpreendeu, já que Lula representa o respeito pelo trabalho e pelos trabalhadores, e levou alguns intelectuais a se indagar as razões para esta profunda mudança de posicionamento. Por óbvio, Lula é a única opção civilizada e democrática. Mas isto geralmente não é suficiente para convencer os economistas dos ricos e poderosos. Há também referências ao fato de que o liberalismo foi um completo malogro, desde Joaquim Levy até o  Chicago “Boy” Guedes, e que Lula não confrontou a ortodoxia. Contudo, outras razões precisam ser consideradas: a possível ausência de convites para uma boquinha no governo federal, a vergonha de assumir publicamente o voto no fascismo e uma tendência do tipo magister dixit, isto é, se Armínio Naufraga declara voto contrariado no Lula, então é preciso declarar voto contrariado no Lula também, apesar da enorme tentação de sempre votar contra os interesses da classe que vive do próprio trabalho. 
Considerando a organização dos interesses econômicos, o fascismo tradicionalmente se apoiou no corporativismo. Mas quais grupos foram favorecidos pelo populismo autoritário na Bananilga? Os ruralistas, os extrativistas, o banditismo miliciano e os militares. Com um regime de acumulação financeirizado, os grupos financistas são sempre favorecidos, independente do modelo político adotado. Contudo, a organização corporativista no Brasil tem peculiaridades. A destruição do Estado em curso (exceto para os instrumentos de redirecionamento os fluxos de renda e riqueza na direção de alguns dos grupos acima) pelo liberalismo impede uma regulação estatal típica do corporativismo. As corporações políticas populistas acabaram por controlar um aspecto da intervenção econômica por meio do orçamento secreto. O corporativismo fascista no Brasil, portanto, aponta para um passado oligárquico, não para um futuro de grandeza nacional. Até porque a destruição do presente impede a construção do futuro. É importante notar que o autoritarismo de corte fascista não está apenas no poder executivo. Está no legislativo, na bancada BBB, e não apenas na bancada da bala, e principalmente no judiciário. Basta considerar o exemplo do marreco de Maringá. Ou o picareta afastado do governo do Rio de Janeiro em 2020.
Outra diferença importante com o fascismo clássico guarda relação com esta predisposição destrutiva. A destruição dos sindicatos de trabalhadores, iniciada durante a transição transilvânica, impede a coordenação completa de todas as corporações. E aqui se explica o apoio irrestrito da burguesia ao fascismo tupiniquim: se não há construção nacional, apenas destruição, mas ela se direciona, além do meio ambiente, para o trabalho, então mesmo alguns grupos alijados do comando político direto apoiam o projeto. O caso icônico, mas não único, é o do fabricante de produtos de limpeza cujo proprietário doou mais de R$ 1 milhão para a campanha fascista. E aqui se nota outra diferença: um Estado institucionalmente fraco (exceto pelas instituições de repressão). A lei eleitoral muda e proíbe as empresas de comprarem candidatos e partidos. Mas permite aos capitalistas proprietários das mesmas empresas continuarem comprando candidatos e partidos. Os gênios trocaram seis por meia dúzia. Aí depois vêm os bovinos esbravejar (em seu conhecido jogo de cena) contra a ‘corrupissaum’. Resta ao consumidor-cidadão o boicote geral contra essas empresas, assim como a todas as empresas que ridicularizaram as medidas de contenção do coronavírus e fizeram desfeita aos mortos pela pandemia. Um exemplo de organização importante nesta luta é o do sleeping giants. 
Mas a picaretagem empresarial que desfigura o corporativismo fascista na Bananilga não pára aí. Outra ação que aponta no sentido da destruição do futuro nacional é o louro José pedindo para atrasar salário de professor e demitir. Típico. E outros exemplos do lado econômico da economia política já foram tratados no caso da reduflação. É importante ressaltar o aspecto político da atuação dos capitalistas, pois ele também os define. O autoritarismo empresarial é um traço intrínseco do capitalismo. Marx já identificava as fábricas como ambientes despóticos. E hoje este traço se generaliza para todos os setores da vida do trabalhador, e o braço longo e político do capital abusa do desespero de quem vive do próprio trabalho para manter seu sustento e alcança até a urna eletrônica. Para quê? Para manter a guerra aberta aos salários e aos poucos direitos trabalhistas remanescentes promovida pelo fascismo distorcido. Nesta guerra se insere o plano do Chicago “Boy” Guedes de eliminar a correção do salário mínimo e dos vencimentos vinculados a este piso pela inflação, evidência de um desgoverno para a maioria, que apenas beneficia no curto prazo os patrões e os altos executivos, além das corporações. Os capitalistas brasileiros fornecem provas em abundância deste despotismo. O Ministério Público do Trabalho (parte do Estado ainda não completamente destruída pelo autoritarismo) reporta um número recorde de casos de assédio eleitoral capitalista, com mais de mil empresários picaretas assediando e tentando comprar votos dos trabalhadores. O assédio é a medida da sua própria moral: tudo tem um preço, até a democracia e as parcas liberdades individuais. O capitalismo sempre teve problemas com a democracia. Em países com reduzidas garantias democráticas, como a Bananilga, o resultado da picaretagem empresarial tem um efeito ainda mais destrutivo sobre o futuro nacional. 
Do lado econômico, a surpresa fica por conta da síndrome de Estocolmo que tomou conta de parte dos próprios trabalhadores, principalmente aqueles que fazem parte da classe mérdia, mas por uma profunda distorção, se veem como ricos, lembrando o paradoxo do pobre de direita do genial Tim Maia. Apesar da pobreza acachapante, cujo crescimento se inicia com o golpe de 2016 e segue em expansão, o miliciano ainda consegue adesão importante no andar de baixo (até por tentar se aproveitar da situação de miséria criada pela própria incompetência – ou intencionalidade). Impossível não lembrar de outro gênio, Gonzaguinha, cuja música, composta durante a ditadura civil e militar, quando o carnaval era, apesar deles, devidamente mais valorizado que o culto, e a alegria, mesmo sob censura e tortura, era maior que o ódio:
Você deve notar que não tem mais tutu
E dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
E dizer que está recompensado
 
Você deve estampar sempre um ar de alegria
E dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
E esquecer que está desempregado
 
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, Seu Zé
Se acabarem teu carnaval?
 
Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre muito obrigado
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
 
Deve, pois, só fazer pelo bem da nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado
 
Mas você merece, você merece
 
Tudo vai bem, tudo legal
Que maravilha…
Em um quadro de destruição acelerada, apenas ilusões religiosas e prestidigitações morais entre aqueles duramente prejudicados durante mais de três anos de autoritarismo explicam um psicopata ter mais de 15% dos votos (esta seria a parcela de orcs incorrigíveis). Na província de São Pedro, o processo de destruição agropastoril está ainda mais avançado. O fascismo de ferradura e o semi-fascismo pseudo-bom mocista de sapatênis se digladiam na segunda volta. Entre o pau mandado de Bolsonaro e o “Juan Guiadó dos Pampas”, que só vislumbra a Presidência da República (sic) em 2026 (o Estado é mero trampolim para sua obsessão desmedida em subir a rampa do Planalto), mas que eleitoralmente não consegue passar de Torres, não há alternativa ao voto nulo. Qual a alternativa? Voto nulo. Não está clara a alternativa. A alternativa é o voto nulo. Poderia apresentar sua alternativa? Sim. É o voto nulo. Mas… e a alternativa?! V-O-T-O N-U-L-O.
É claro, o fascismo não tem apreço por eleições, mesmo tendo um plantel ruminante considerável, e uma máquina poderosa de circulação de mentiras. No quadro eleitoral provável, resta às forças do atraso, no plano federal, a armação e o golpe. Como ele pode vir no fim de semana? Apagão? Tiroteios a la Tarcísio em Paraisópolis? Assassinatos chocantes com decapitações? Quarteladas? E se este quadro não se confirmar? Considerando uma hoje improvável vitória ou um provável golpe fascista no plano federal e também no estadual, somada à composição do Senado e da Câmara Federal, e principalmente a sua franja oligárquica, atrasada e carcomida em Porto Alegre, só resta à juventude gaúcha, e principalmente a da capital, elaborar um plano de fuga do país. Não haveria muita esperança de vida com esta configuração necropolítica, e o processo de destruição nos planos econômico, ambiental, cultural e político se aprofundaria de forma irremediável. Não seria surpresa se acabassem com o festival da carne. Sendo otimista e logo mal-informado, seriam pelo menos alguns lustros até a restauração de padrões civilizatórios mínimos. Tempo suficiente para destruir os anos dourados da juventude. Não há esperança nos agrupamentos corporativistas ruralistas do agronegócio e sua projeção política fascista. Cursos de pós-graduação seguirão fechando massivamente, e o movimento de redução de vagas no ensino universitário deve se ampliar para a graduação e mesmo para os cursos técnicos. A destruição geral e irrestrita requer também destruição da inteligência e do trabalho especializado. Um estado envelhecido demograficamente e apodrecido politicamente não tem como manter uma juventude cheia de vida sem frustrá-la. A destruição do futuro se mostra neste caso com toda a sua força. 
O fascismo de ferradura representa de fato a volta de uma configuração sociopolítica parecida com aquela da ditadura civil e militar, que nunca foi totalmente morta de fato e que, portanto, tem seu status de zumbi prejudicado. Está mais para bela adormecida cujo príncipe foi a Lava Jato, tendo a mídia venal como alcoviteira. Os tucanos azuis e amarelos, pelo contrário, morreram de “morte morrida”, lenta e gradual. O mesmo acontece com os tucanos laranjas. O tucanato só pode ressurgir eleitoralmente como zumbi. A cara barbada do morto-vivo, se não quiser ser despedaçado pelos corvos do fascismo de ferradura, despertos pelo mesmo cheiro de mais trabalho, terá de se juntar às suas hordas, aos seus orcs, como já hesitantemente ensaiado no primeiro mandato de Guaidó. Salvo uma incorporação dos tucanos remanescentes pelo União Brasil. Politicamente, as duas opções se igualam pelos condicionantes estruturais do agro-atraso. Portanto, para que não reste dúvida sobre a alternativa eleitoral, entre o zumbi a um passo do fascismo e o não tão belo e não mais adormecido fascista que nunca morreu, melhor anular o voto.
(*) Bacharel, Mestre e Doutor em Economia
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