As Leoas do Vitória querem voltar a rugir – Última Divisão

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Imagem: Pietro Carpi/EC Vitória
No reino animal, as leoas são conhecidas por saírem à caça enquanto os machos ficam na retaguarda, com a responsabilidade de cuidar do bando. No Vitória, clube cujo mascote é um leão, 2019 foi um ano em que o time feminino perseguiu o protagonismo nacional e contrastou com a luta dos homens para evitar o rebaixamento à terceira divisão. Naquela temporada, as Leoas encerraram sua campanha na Série A1 do Brasileirão na nona  posição, apenas quatro pontos atrás do grupo das oitos melhores equipes do país, que passaram para a segunda fase do torneio. Desde então, no entanto, o clube entrou numa espiral de crises que resultou na sua ausência de torneios nacionais da modalidade em 2022, além de um cenário incerto para 2023.
A boa participação no Brasileirão de 2019 não foi suficiente para que o Vitória continuasse a honrar seus compromissos com o futebol feminino: a equipe profissional foi dissolvida ao final daquele ano. Como consequência, o time iniciou a disputa da Série A1 de 2020, em fevereiro, com um elenco sub-16. Já em
maio, durante a pandemia de Covid-19, as jogadoras denunciaram ao Globo Esporte atraso no recebimento dos seus salários, que variavam entre R$ 600 e R$ 1,3 mil. Os relatos ainda davam conta de que algumas atletas não recebiam desde agosto do ano anterior, quando a temporada da equipe havia terminado.
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A denúncia das atletas jogou luz ao fato de que, em abril, pouco após o início da pandemia, clubes da elite do Brasileirão Feminino receberam R$ 120 mil da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para bancar as despesas da modalidade. De acordo com a assessoria de imprensa do Vitória, o então presidente Paulo Carneiro teria utilizado a verba para quitar dívidas ainda existentes com jogadoras que passaram pela equipe no ano anterior. Foi sob essas condições que, em agosto de 2020, após o retorno das competições que estavam paralisadas em função da crise sanitária, as Leoas concluíram seu calendário na Série A1 com 15 derrotas em 15 jogos. O desempenho fez o time amargar a lanterna do campeonato e ser rebaixado para a segunda divisão.
Ao longo do ano de 2020, falas de Carneiro simbolizaram os rumos tomados pelo futebol feminino do Vitória. Em entrevista à Rádio Sociedade, quando questionado sobre as denúncias de atraso nos salários das atletas a despeito do auxílio financeiro enviado pela CBF, o então mandatário do clube respondeu que “faz com o dinheiro o que quiser e assume a responsabilidade pelos atos”. O tom da declaração ecoou mal nos ouvidos de torcedores preocupados com a situação da modalidade.
O Vitória tem um problema muito mais grave do que esse, que é conseguir equacionar esse saco de problemas que nós herdamos, e que ainda tenho que ouvir gente preocupada com o futebol feminino. Você vai dizer ‘Paulo, você não se preocupa com o futebol feminino?’. Sim, eu me preocupo com as prioridades do clube. O clube tem prioridades monstruosas, criminosas para absorver, e as pessoas estão preocupadas com o que é que o Vitória fez com os R$ 120 mil do futebol feminino. Eu quero dizer que os R$ 120 mil foram dados ao Vitória,
sabe?
Paulo Carneiro à Rádio Sociedade, em 15 de junho de 2020
Rafael Lucas, torcedor e conselheiro do Vitória, lembra que considerou a postura de Carneiro “autoritária e ultrapassada”. Ele também revela que a situação da modalidade nunca foi tratada como prioridade nas reuniões entre conselheiros do clube. “O Conselho se disponibilizava muito pouco para debater isso e se
preocupava muito mais com o futebol masculino, que seria o carro-chefe”, afirmou à reportagem.
Em abril de 2019, antes de ser eleito presidente do Vitória, Carneiro já havia virado notícia por uma resposta a respeito da forma como trataria a modalidade. Em sabatina ao canal BAR FC no Youtube, o então candidato afirmou que evitaria que os jogos da equipe feminina fossem mandados no Barradão, estádio do clube. “A primeira coisa que vou fazer [se eleito] é tirar o futebol feminino de lá, porque não é lugar. Ou joga futebol masculino ou joga futebol feminino. Tem que ser em lugares diferentes”, disse aos jornalistas.
Dados que detalham a situação financeira do Vitória nos últimos anos contribuem para o diagnóstico da crise no futebol feminino. Uma empresa de auditoria contratada pelo clube revelou que R$ 253 mil foram destinados ao
pagamento de jogadoras em 2019. No ano seguinte, apesar dos R$ 120 mil doados pela CBF, o valor executado com despesas da modalidade caiu para R$ 91 mil. Já em 2021, os gastos foram na ordem R$ 154 mil.
Os números evidenciam que, de 2019 para 2020, o valor investido pelo Vitória na modalidade foi reduzido em aproximadamente 64%. No ano de 2021, embora a quantia destinada represente um aumento em relação ao ano anterior, o clube ainda gastou cerca de R$ 100 mil a menos que no último ano pré-pandemia, quando as Leoas fizeram a sua melhor campanha na Série A1 do Campeonato Brasileiro.
O ano de 2021 marcou o retorno da equipe baiana à Série A2 do Brasileirão Feminino, após duas temporadas seguidas na primeira divisão. Mais uma vez sob dificuldades financeiras, o time terminou na quarta posição do grupo B, com quatro pontos em cinco partidas, e foi rebaixado para a Série A3. Só que, no final do ano, outro revés seria ainda mais impactante: com o rebaixamento da equipe masculina para a Série C e a consequente perda de receitas do clube, as atividades do futebol feminino foram suspensas.
A angústia, pelo menos, durou pouco. Após alguns meses de paralisação, em abril de 2022, o Vitória encontrou um patrocinador para investir na modalidade. A novidade, porém, não ocorreu em tempo hábil para permitir que a equipe fosse reativada e inscrita na terceira divisão do Campeonato Brasileiro, o que deixou as Leoas fora do calendário nacional em 2022. Assim, a única competição disputada pelo time neste ano foi o Campeonato Baiano, ocasião em que foi eliminado na semifinal, após derrota por 5 a 2 diante do Bahia.
O retorno da modalidade representou um alívio momentâneo para as atletas do clube, mas não põe fim às angústias relacionadas ao futuro. Contatada pela reportagem, uma jogadora do Vitória que prefere não se identificar disse que ainda não foi informada sobre um eventual retorno do elenco feminino em 2023.
A gente não tem previsão nenhuma, não tem nada programado. Não deram nenhuma previsão. Não sabemos se vamos ter esse convite, novamente, de disputar o Brasileiro A3. Então, estamos praticamente sem clube de novo, até eles entrarem em contato e avisarem alguma coisa para a gente se vão voltar os treinos, se vai voltar o time.
Jogadora do Vitória
A atleta também contou detalhes sobre o ano de 2022 no futebol feminino do Vitória. Segundo ela, as jogadoras receberam uma ajuda de custo paga diretamente pela empresa que passou a patrocinar o clube em abril, o que viabilizou o retorno das atividades da modalidade. “A empresa falou que só patrocinaria o time masculino se houvesse um time feminino. Foi quando eles [dirigentes do clube] correram atrás para reconstruir o time feminino”, afirmou.
Por enquanto, o calendário de 2023 para as competições femininas da CBF ainda não foi divulgado. Mas, com base no cronograma de 2022, é possível especular que a nova temporada da Série A3 começará apenas a partir do segundo semestre. Em 2022, a competição começou em julho e durou cerca de dois meses e meio. Desse modo, caso o calendário se repita, o Vitória ainda teria mais de seis meses para planejar e estruturar a modalidade antes de dar início às competições da temporada. Por ora, permanece o cenário de dúvidas e
incertezas.
Procurado pela reportagem, o vice-presidente do clube, Djalma Abreu, não se pronunciou sobre os planos que a atual gestão tem para a modalidade nos próximos anos.
Por João Pedro Neves
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