As vozes de Bolsonaro: presidente atiçou povo, mas o abandonou pós-eleição – UOL Confere
Do UOL, em São Paulo
15/12/2022 04h00
Nunca antes na história do Brasil um presidente em exercício perdeu a disputa pela reeleição. O feito coube a Jair Messias Bolsonaro (PL) que, durante a campanha eleitoral, arrastou uma multidão de apoiadores pelo país, mas acabou sendo derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ativo nas ruas e nas redes sociais, após a derrota, Bolsonaro optou pela reclusão e pelo silêncio. Isso não significa, porém, que suas ideias ficarão para trás.
O documentário “As Vozes de Bolsonaro”, produzido por UOL Notícias e MOV, a produtora de vídeos do UOL, mostra um pouco deste universo bolsonarista e de como, mesmo sem o líder no poder, a mobilização da chamada direita ou ultradireita tende a continuar no Brasil.
O UOL acompanhou in loco atos das campanhas de 2022 por todo o país. No caso de Bolsonaro, viajamos por mais de 2.000 quilômetros em 14 estados. Entrevistamos mais de 100 apoiadores. Nas viagens de campanha, tive o apoio e a colaboração do colega Felipe Pereira, repórter do UOL. Junto com cinegrafistas, conseguimos registrar o comportamento de uma parcela significativa dos eleitores do presidente que foram às ruas, os chamados bolsonaristas.
Como repórter em Brasília desde 2015, focada na cobertura do Palácio do Planalto, acompanhei de perto o governo de Bolsonaro desde o início. O presidente, que começou o seu mandato dizendo que não tentaria a reeleição, mostrou durante a campanha a certeza de que sairia vitorioso. E talvez por isso esteja inconformado até agora com a derrota, assim como parte de seus apoiadores.
Os seguidores foram fiéis ao “mito” ou ao “messias”, uma vez que na campanha de 2022 a religião ocupou espaço significativo na disputa. Inclusive no slogan adotado por Bolsonaro: Deus, Pátria, Família e Liberdade. A expressão tem origem fascista.
Muitos vestiram literalmente a camisa, seja a com o rosto ou frases de apoio a Bolsonaro ou a da seleção brasileira de futebol que, assim como a bandeira nacional, foi sequestrada pelo presidente na campanha.
Foi preciso publicidade para tentar fazer com que os brasileiros usassem a camisa da seleção na Copa do Mundo sem que houvesse associação com o apoio a Bolsonaro. E é certo que muitos deixaram de usar.
O bolsonarismo é um fenômeno que começou antes mesmo de 2018, mas, depois de quase quatro anos de governo e da derrota nas urnas, mostrou vigor nas ruas.
Bolsonaro teve (e possivelmente ainda tem) a capacidade de mobilizar e de levar pessoas às praças e avenidas. E mesmo derrotado deixou sementes de seu discurso em aliados eleitos nos governos estaduais e no Congresso Nacional.
Muitos dos apoiadores estão acampados nas portas de quartéis e até mesmo entoando gritos golpistas de intervenção. Outros, em episódios mais recentes, participando de atos de vandalismo e violência.
Após a derrota, Bolsonaro ficou recluso no Palácio da Alvorada por mais de 20 dias. Faltando 16 dias para o fim do mandato, o presidente tem feito rápidas aparições, sem muitas palavras, mas voltou a receber apoiadores em sua residência oficial.
País dividido
Além do ineditismo de um presidente em exercício não ser reeleito, as eleições de 2022 registram um outro feito: a menor distância de votos na disputa. Lula foi eleito com 50,9% e Bolsonaro teve 49,1%, com uma diferença de pouco mais de dois milhões de votos.
Por isso, tratar do fenômeno do bolsonarismo é uma tarefa difícil para historiadores, estudiosos e para a sociedade como um todo.
Não se tem respostas claras sobre o futuro dessa camada de apoiadores mais radicais, como mostram alguns personagens de “As Vozes de Bolsonaro”, ao salientarem, por exemplo, que poderiam até ser metralhados pelo presidente.
Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, o professor da UERJ e autor de “Guerra Cultural e Retórica do Ódio (Crônicas de um Brasil Pós-Político)”, João Cezar de Castro Rocha, propõe um conceito de “dissonância cognitiva coletiva”, que seria uma espécie de “alucinação geral que despreza fatos e argumentos” para explicar os votos em Jair Bolsonaro.
Na avaliação do professor, o cenário atual é resultado de uma chamada “midiosfera extremista, poderosa engrenagem de fake news e teorias conspiratórias”.
Uma visão diferente tem o professor de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP, Pablo Ortellado, que também estuda o comportamento da chamada extrema direita no país, representada em boa parte por esses bolsonaristas.
“Eu destoo de muitos colegas que estão estudando isso na academia. Politicamente, eu acho equivocado tratar como irracionalidade, mas sociologicamente precisamos escutar quais são as demandas. Precisamos estudar sem odiar o objeto de estudo”, disse, em entrevista ao UOL.
Na avaliação de Ortellado, o fato de o país estar literalmente dividido entre duas vertentes políticas exige uma postura de “empatia crítica” para entender o fanatismo dos bolsonaristas.
“Todo mundo tem uma tia, um pai, um vizinho que é. A gente tem que abordar esse fenômeno social, que envolve pautas contra as elites progressistas, para entender como um grupo está conseguindo fazer uma exploração política ao reunir essas pessoas”.
O professor diz que esse fenômeno social não se restringe ao Brasil e cita o exemplo do ex-presidente dos EUA Donald Trump, que inspira o brasileiro e também rachou politicamente o seu país, culminando em episódios como a invasão do Capitólio.
“A polarização na política separa a sociedade, mas ela também une aqueles que estão do mesmo lado, ou seja, essa polarização é importante para a manutenção da dinâmica, seja no Brasil ou nos EUA”, diz.
Para Ortellado, é difícil prever o futuro do movimento criado por Bolsonaro, mas também não se pode acreditar que a derrota nas urnas vai acabar com ele.
“É um fenômeno muito novo. É muito difícil dizer para onde vai. Ele me parece persistente e não só uma ondinha. Mas quanto tempo vai durar? Acho que ninguém tem essa resposta”.
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