Autoritarismo militar e fanatismo evangélico: pesquisador analisa vitória de Bolsonaro em Parnamirim – Agência SAIBA MAIS

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Parnamirim foi a única das 167 cidades potiguares que deu vitória a Bolsonaro (PL) nas Eleições 2022, no Rio Grande do Norte. O candidato da extrema direita venceu com 53,67% dos votos, contra 46,33% de Lula (PT), presidente eleito para o terceiro mandato no Brasil.
Anteriormente, no 1º turno, a vitória do bolsonarismo no município da Grande Natal já havia se confirmado, mas com uma diferença menor: 48,69% contra 43,74%. Entre o 1º e o 2º turnos, Bolsonaro consolidou e ampliou sua votação em mais de 50%, subindo de 5.446 para 8.253 votos em Parnamirim. 
Essa foi a quarta vez consecutiva em que o bolsonarismo venceu na cidade. Isso porque, nos pleitos de 2018, o candidato – até então do PSL – também foi o presidenciável mais votado. Além disso, foi em Parnamirim, na altura do Km 104 da BR 101, onde aconteceu o ato antidemocrático mais expressivo de obstrução de rodovias no RN, pós-segundo turno.
Para entender esse fenômeno, suas raízes históricas e consequências sociais, a SAIBA MAIS conversou com José Rolfran Tavares, mestre e doutorando em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Rolfran pesquisa as relações raciais na formação do Estado brasileiro e, nos últimos anos, concentrou sua atenção no estudo das dinâmicas da insegurança pública em periferias da região Oeste de Parnamirim. É, também, autor do artigo “Parnamirim, entre aviões e pregações: Duas chaves para entender a última cidade bolsonarista do RN”.
De acordo com o pesquisador, a combinação de dois elementos sociais presentes na dinâmica do município, desde que ele se configurou como tal, podem explicar o avanço do bolsonarismo em terras parnamirinenses: “o fetiche pelo autoritarismo militar e o delírio fanático evangélico”.
Analisando profundamente, se descobre que existem configurações socioantropológicas muito complexas que viabilizam o crescimento de ideias fascistas no município, tal qual as bolsonaristas. Quem já andou em Parnamirim, sabe que é fácil se deparar com símbolos que remetem a aviões e foguetes. Isso porque a narrativa oficial e popular sobre o surgimento do município tenta sustentar que foram as iniciativas de aviadores e militares que garantiram sua fundação”, infere Rolfran.
Ele explica que o próprio “Trampolim da Vitória” é parte desse mito de origem da cidade, que, através da glamourização de guerras, impôs a narrativa de que os militares são heróis fundadores de Parnamirim, enquanto que os trabalhadores pobres são “quase indigentes históricos”. 
Isso gera uma séria distorção na compreensão de quem está dando viabilidade para que o município exista, e sustenta uma série de desigualdades urbanas. Entendo que é por isso que, em Parnamirim, tudo começa a ser distribuído, e com maior qualidade, pelo Centro e a Cohabinal, lugares onde estão a maioria das vilas militares”, analisa o estudioso.
Um outro ponto que o doutorando utiliza para explicar a ascenção do bolsonarismo em Parnamirim é o “delírio fanático evangélico” que, segundo ele, “leva às últimas consequências a sacralização do sofrimento em nome de uma vida melhor no pós-morte”.
Para Rolfran, o fato do município ter poucas opções acessíveis de cultura, esporte e lazer faz com que a população, sobretudo a periférica, encontre na sua comunidade religiosa a única oportunidade de construir vínculos para além do trabalho e da família. “Some a isso a grande relevância que tem a rede de apoio disponibilizada pela maioria dessas igrejas para pessoas em extrema pobreza”, complementa.
Também é preciso pontuar que, em uma cidade com sérias limitações no sistema de saúde, pessoas com problemas mentais e/ou fazendo uso problemático de drogas, muitas vezes só encontram acolhimento naquelas instituições religiosas”, relata, ponderando que é importante grifar que nem todo parnamirinense evangélico é fanático e esses, inclusive, são alvos de constantes perseguições.
Com 267.036 habitantes, segundo o último censo do IBGE (2020), Parnamirim é o terceiro município mais populoso do RN. Nesse sentido, Rolfran ressalta as consequências do forte adensamento populacional, que traz consigo uma série de demandas urbanas.
As gestões municipais em Parnamirim não vêm investindo proporcionalmente e nem considerando a complexidade de cada região. Por isso, a maioria da população do município mora em bairros com sérios problemas de saúde, educação, segurança pública, lazer, cultura, esporte e etc”, pontua.
Apesar de escolher Bolsonaro (PL) para presidência do Brasil, Parnamirim elegeu a governadora Fátima Bezerra (PT) com ampla votação (41,5%), mais de 12 pontos percentuais à frente do segundo colocado, Capitão Styvenson (29,03%). Uma contradição em números que, segundo Rolfran, pode ser explicada pela base de apoio da chapa comandada por Fátima.
O papel de Carlos Eduardo Alves, filho da principal figura pública de Parnamirim, Agnelo Alves, é uma hipótese válida. Além disso, o investimento de Fátima em efetivo policial aumentou o número de PMs nas ruas do município, e isso pode ter agradado às pessoas que acreditam que a segurança pública se resolve apenas com mais policiais na rua, principalmente em uma cidade onde o apelo ao autoritarismo militar é tão forte”, explica o doutorando.
Além disso, para ele, há um reconhecimento ao trabalho da governadora Fátima, “mesmo que não seja uma devoção, como há ao Bolsonaro”. Em articulação com o Executivo municipal, ainda como deputada e senadora, Fátima viabilizou obras como o Cine Teatro Municipal de Parnamirim e o campus do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, um dos primeiros entre as 19 unidades do IFRN que ela trouxe para o estado.
Não podemos deixar de lembrar, também, que não houve, a nível estadual, uma candidatura que conseguisse canalizar, sozinha, grande parte da energia fascista do bolsonarismo. Caso tivéssemos, provavelmente Fátima teria mais dificuldade de vencer em Parnamirim”, conclui Rolfran Tavares.

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