Bolsonaro atropela transição de Lula e rejeita compromissos na ONU – UOL Confere

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Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Com passagens por mais de 70 países, o jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparência Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Vivendo na Suíça desde o ano 2000, Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti. Entre os prêmios recebidos, o jornalista foi eleito duas vezes como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se.
Colunista do UOL
17/11/2022 08h45
A diplomacia de Jair Bolsonaro atropelou a transição no país, assumiu posições e rejeitou compromissos na ONU (Organização das Nações Unidas), faltando menos de dois meses para o final do governo. O gesto foi recebido com irritação por parte parte de ativistas, indígenas e mesmo membros da equipe de transição. Entre as medidas rejeitadas pela atual gestão está uma proposta da Noruega, que acaba de anunciar a volta do financiamento ao combate ao desmatamento durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Nesta semana, o Brasil passou por uma sabatina no Conselho de Direitos Humanos da ONU, um exercício no qual todos os países são submetidos. Durante três horas, o governo Bolsonaro foi alvo de duras cobranças por parte de mais de centenas de governos. Oficialmente chamada de Revisão Periódica Universal (RPU), o encontro teve a presença da ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Cristiane Britto.

No total, os governos apresentaram mais de 300 recomendações sobre temas como violência policial, indígenas, situação de mulheres, meio ambiente e dezenas de outros assuntos. Mas o governo Bolsonaro teria até fevereiro de 2023 para dar uma resposta e, nos bastidores, o pedido da equipe de transição foi para que nada fosse assumido pelo atual governo. Foi alertado ainda que tal gesto poderia não ser visto como uma “atitude republicana”.
Apesar do alerta, o Itamaraty submeteu nesta quinta-feira sua resposta para a ONU e, de fato, indicou que iria estudar a situação de mais de 250 recomendações.
Entre os temas que o governo prometeu avaliar está a proposta da Rússia e do Egito de se defender a “família tradicional”, um posicionamento considerado como ultra-reacionário ao não reconhecer a existência de outras formas de família e apenas dar atenção ao modelo com um homem e uma mulher.
Surpreendeu ainda o fato de que o governo deixou de fora da lista 17 itens recomendados, entre eles a questão da demarcação de terras e a garantia de saúde sexual e reprodutiva para mulheres e meninas. Também ficou de fora a proposta de descriminalizar o aborto.
Um dos pontos rejeitados pelo governo foi a proposta da Noruega para que o país “complete processos pendentes de demarcação de terras, rejeitar tese “marco temporal” e assegurar que os Povos Indígenas sejam protegidos de ameaças, ataques e expulsões forçadas”.
Na linguagem diplomática, o governo Bolsonaro indicou que “toma nota” de propostas, uma forma de dizer que não vai considerar a seguinte lista de recomendações internacionais:
Aprovar legislação para assegurar a plena implementação da decisão da Suprema Corte Federal que criminaliza a homofobia e a transfobia (Islândia);
Tomar medidas para aprovar a legislação para garantir a plena implementação da decisão da Suprema Corte Federal relativa à criminalização da homofobia e da transfobia, prevendo medidas de proteção e investimentos em instalações públicas para cuidados e proteção abrangentes
(Malta);

Garantir o acesso efetivo aos direitos de saúde sexual e saúde reprodutiva (França);
Garantir o acesso de todos à atenção à saúde sexual e reprodutiva, inclusive para HIV/AIDS, atenção pré-natal, contracepção e aborto seguro, sem discriminação ou necessidade de autorização judicial, e assegurar protocolos de atenção ao aborto sensíveis à idade (Nova Zelândia);
Aborto e saúde sexual
Assegurar o acesso à saúde sexual e reprodutiva e direitos para todos, descriminalizar o aborto e introduzir legislação para proporcionar acesso ao aborto seguro (Noruega);
Assegurar o direito à educação e à saúde, assegurando um currículo adequado à idade sobre gênero e educação sexual nas escolas, visando prevenir infecções sexualmente transmissíveis, gravidezes indesejadas, bem como violência e desigualdade baseadas no gênero (Dinamarca);
Assegurar, sem discriminação e levando em conta os desafios estruturais das populações mais vulneráveis, acesso efetivo a cuidados e serviços de saúde sexual e reprodutiva de qualidade, inclusive ao aborto, e a informações cientificamente fundamentadas (Suíça);
Intensificar os esforços para garantir uma aplicação correta, efetiva e abrangente das políticas de direitos sexuais e reprodutivos (Argentina);
Garantir o direito das mulheres a ter livre acesso a abortos seguros e legais, sem obstáculos burocráticos ou discriminação, e em condições que satisfaçam a necessidade de privacidade, respeito e apoio (Austrália);
Descriminalizar o aborto, introduzir legislação para proporcionar acesso ao aborto seguro e garantir o acesso à saúde e direitos sexuais e reprodutivos para todos (Islândia);
Completar processos pendentes de demarcação de terras, rejeitar tese “marco temporal” e assegurar que os Povos Indígenas sejam protegidos de ameaças, ataques e expulsões forçadas (Noruega);
Fortalecer o Conselho Nacional de Direitos Humanos e alinhá-lo com os Princípios de Paris (África do Sul);
Assegurar a conformidade do Conselho Nacional de Direitos Humanos com os Princípios de Paris (Iraque);
Alinhar o funcionamento do Conselho Nacional de Direitos Humanos com os Princípios de Paris (Benin);
Intensificar os esforços para assegurar que o Conselho Nacional de Direitos Humanos se torne totalmente conforme com os Princípios de Paris, em particular através do fortalecimento de sua independência administrativa (Djibuti);
Alinhar o Conselho Nacional de Direitos Humanos com os Princípios de Paris (Zâmbia);
Tomar outras medidas para fortalecer a independência administrativa do Conselho Nacional de Direitos Humanos (Geórgia);
Consultado, o governo indicou que tal medida foi tomada por conta de “questões legais” e de “valor”. Mas a decisão por parte do governo Bolsonaro deixou a sociedade civil e deputados contrariados.
O deputado Helder Salomão (PT-ES) classificou a medida de “escandalosa”. Para ele, é “muito grave” o governo ter rejeitado a proposta de fortalecimento do Conselho Nacional de Direitos Humanos. “O governo demonstra mais uma vez o desprezo pelos direitos humanos”, disse. “Vamos ter de discutir agora, diante de posições autoritárias por parte do governo”, insistiu.
“Tudo indica que o Estado Brasileiro resolveu ir contra as orientações do próprio Alto Comissariado de Direitos Humanos, e da prática dos Estados quando sob revisão na RPU, que é não se manifestar sobre as recomendações recebidas no momento da revisão, mas na sessão seguinte do Conselho de Direitos Humanos”, disse Fernanda Lapa, diretora do IDDH e coordenação do Coletivo RPU Brasil.
“Como dizendo o óbvio: “melhor levar para casa e pensar um pouco”. Ainda mais, quando se trata de um governo em transição que, por respeito aos princípios democrático e republicano, teria sido mais adequado não terem se manifestado neste momento e deixado para o próximo governo adotar ou tomar notas em 2023″, completou.
O Conselho Indigenista Missionário também protestou. A entidade “deplorou a rejeição precoce” por parte do governo diante da proposta da Noruega para completar o processo de demarcação de terras indígenas. “Esperamos que o governo reverta isso”, completou. .
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