Bolsonaro busca sedimentar conservadorismo, agora sem a imagem de outsider – Política Livre
30 outubro 2022
As recepções em aeroportos aos gritos de “mito” deram lugar às motociatas. O candidato que se apresentava como inimigo do centrão hoje se cerca de expoentes do fisiologismo. O antipetismo difuso agora é mais estruturado em uma receita conservadora de Deus, pátria, família e liberdade.
O período na Presidência deixou marcas sobre Jair Bolsonaro (PL) que afloraram na atual campanha.
Quatro anos atrás, ele liderou uma ruptura política e social para se tornar um presidente assumidamente de direita num país que, não faz muito tempo, encarava o termo como palavrão. Em 2022, sem ter mais a marca de outsider e após uma gestão tumultuada, busca, caso reeleito, sedimentar o conservadorismo no Brasil, pisando no acelerador da pauta de costumes e do discurso da redução do Estado.
“Se Bolsonaro vencer, teremos um cenário em que o país ruma para mudanças estruturais. Haverá um período de maior tranquilidade para que ideias conservadoras sejam absorvidas com mais calma”, diz Sérgio Sant’Ana, diretor-executivo do Instituto Conservador-Liberal (ICL), criado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do atual chefe do Executivo.
A pauta imaginada pelos bolsonaristas para um eventual segundo mandato é ambiciosa. Na economia, inclui a privatização de joias da coroa como Banco do Brasil e Petrobras, desvinculação de despesas orçamentárias e uma nova tentativa de aprovar as reformas trabalhista e administrativa.
Em outras áreas, há a promessa de redução da maioridade penal, mais investidas para aumentar o acesso às armas e a aprovação de mineração em terras indígenas, por exemplo. Deverá ganhar força também uma agenda de enfrentamento a decisões do Poder Judiciário, apontado por Bolsonaro como o grande responsável por seu primeiro mandato não ter sido como ele imaginava ao subir a rampa em 2018.
Com o Congresso dominado por parlamentares que vão do bolsonarismo fiel ao centrão cooptável, a chance de o presidente imprimir uma marca conservadora ao país é real. Somam-se a isso o apoio de governadores dos principais estados (especialmente se Tarcísio de Freitas vencer em São Paulo) e a chance de mudar parcialmente o perfil do STF, com a nomeação de mais dois ministros já em 2023.
E se Bolsonaro perder? O cenário não é algo facilmente digerido por aliados do presidente, nem como exercício hipotético. Mas o discurso prevalente é que a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não significará o fim da ascensão conservadora no Brasil, que na verdade até precede a eleição do capitão.
“As pautas conservadora e liberal amadureceram muito no Brasil, é um caminho sem volta”, diz o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Eleito deputado federal, Salles (PL-SP) acompanhou de perto as transformações na direita brasileira ao longo das últimas décadas. Em 2006, criou o Endireita Brasil, um movimento para defender ideias que futuramente iriam ser abraçadas por Bolsonaro.
“A gente mal sabia da existência dele [Bolsonaro], era um político local. Os liberais eram acadêmicos, sem expressão política, faziam conversa de laboratório. Já os conservadores estavam no armário”, lembra ele.
Nesse cenário, Bolsonaro surgiu como um “sonho de consumo”, diz o ex-ministro. “Era o único cara que trazia estes conceitos e viabilidade eleitoral. Não adianta ter alguém superqualificado como liberal ou conservador, mas sem expressividade política”, afirma. Isso explica o tamanho de Bolsonaro na direita, que se mantém enorme apesar de toda a turbulência recente. Crises, rompimentos, dissidências, nada foi capaz de ameaçar a indiscutível dominância do presidente neste segmento do eleitorado.
Em pequenos grupos pelo Brasil, Bolsonaro desperta fidelidade absoluta, e é difícil encontrar concorrentes à altura. Protagonistas do impeachment de Dilma Rousseff (PT), como o MBL, tentaram ocupar esse espaço, sem sucesso. Ex-campeãs de voto, Joice Hasselmann e Janaína Paschoal derreteram ao se afastar do capitão. João Doria e o Partido Novo tentaram cultivar um direitismo ilustrado e fracassaram.
Coordenador do Aliança Nacional, grupo atuante na região do ABC paulista, o engenheiro e empresário Giovani Falcone diz que o conservadorismo não existe sem Bolsonaro.
“O PSDB em certo momento representava para mim a direita, mas nunca teve a força para representar os meus ideais como Bolsonaro tem. Se for reeleito, espero que reduza a maioria penal, defenda a liberdade e ajude os CACs [categoria de pessoas com acesso a armas].” Um exemplo desta lealdade canina é a escolha que o ativista fará para governador, seguindo 100% as ordens do presidente. “Voto em Tarcísio [de Freitas] para o governo porque o Bolsonaro falou. Senão, iria com outra pessoa. Nenhuma dúvida”, diz.
Na base bolsonarista, há um consenso de que o primeiro mandato entregou menos do que se esperava na pauta conservadora. Foram ficando pelo caminho temas que um dia já foram quentes, como Escola Sem Partido e o ensino domiciliar. Na economia, privatizações e desregulamentação também ficaram aquém do planejado. Assim, o segundo mandato seria importante para dar prosseguimento a essa agenda.
Para Sant’Ana, do ICL, a implementação de temas conservadores é um processo gradativo, que não tinha como ser esgotado no primeiro mandato, ainda mais num ambiente de pandemia e Guerra da Ucrânia.
“A democracia é uma evolução lenta, gradual, pela construção de consensos. Se a gente quiser atropelar, a gente vira uma esquerda de polo invertido”, afirma ele. Em parte, as dificuldades enfrentadas pelo presidente são reflexo da forma como ele construiu sua vitoriosa candidatura em 2018, como representante de uma coalizão informal de liberais econômicos e conservadores ideológicos.
Sob seu guarda-chuva, Bolsonaro reuniu segmentos que vão dos monarquistas aos militares, passando por evangélicos, ruralistas, lava-jatistas, armamentistas e garimpeiros, entre outros.
Essa heterogeneidade foi fundamental para levá-lo ao Planalto, mas se mostrou um foco de tensão durante o mandato presidencial. Um exemplo foram as intermináveis rusgas entre os núcleos militar e ideológico, formado por seguidores do escritor Olavo de Carvalho, morto em janeiro deste ano.
Para o cineasta Josias Teófilo, autor de documentários sobre Olavo, essas tensões eram até certo ponto esperadas, já que Bolsonaro é representante de um tipo peculiar de conservadorismo, que congrega uma nova linguagem e novos símbolos culturais. “Ele tem uma visão de mundo que mistura militarismo, Império, memes, clubes de tiro, o universo sertanejo e uma cultura de Brasil profundo”, afirma.
O fato de Bolsonaro não ser um conservador convencional é irrelevante, afirma Teófilo. “Tem quem diga que ele não é conservador pois não segue [Edmund] Burke. Isso é frescura, não precisa ser algo abstrato, e sim algo prático”, diz, em referência ao irlandês considerado pai do conservadorismo moderno (1729-97).
Ainda que a aposta seja a de que a força do conservadorismo brasileiro independe do resultado deste domingo, há incertezas sobre a sobrevivência política de Bolsonaro. Aliados dizem que, fora do cargo, ele imediatamente se tornaria o líder da oposição e iniciaria o projeto para 2026, espelhando Donald Trump.
“Bolsonaro tem uma conexão com o povo que não se extingue facilmente. E ele não terá mais o ônus do erro, porque quem erra é sempre o governo, nunca a oposição”, diz Sant’Ana, que já imagina o presidente rodando o país em 2024 para pedir votos a candidatos aliados. “Imagina o estrago que ele faria”.
Ao mesmo tempo, será inevitável que cresçam à sua sombra expoentes da direita com mandatos, recursos, cargos e ambição, como o governador reeleito de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), ou Tarcísio, se vitorioso em São Paulo. Mesmo o senador eleito Sergio Moro (União Brasil-PR), agora reconciliado com o bolsonarismo, pode se aventurar a uma candidatura representando esse campo.
“Há espaço para uma direita mais tecnocrática, com o discurso da eficiência, uma coisa que inegavelmente faltou no governo Bolsonaro”, diz Teófilo. Para Salles, esse debate é confortável para a direita, porque mostra a existência de alternativas a Bolsonaro, diferentemente da esquerda, que há décadas orbita em torno da figura de Lula. “Se o presidente perder, ele continuará a ser um player importante, mas pode surgir alguém com mais bagagem liberal ou conservadora”, afirma o ex-ministro.
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