Bolsonaro dá mais dinheiro para construir escola militar em SP do que para casas populares – UOL
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Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) propõe um corte de verbas em áreas sociais diante do aperto nas contas do Orçamento de 2023, o governo decidiu blindar recursos de projetos de interesse da base bolsonarista.
A proposta orçamentária enviada pelo chefe do Executivo prevê mais dinheiro para a construção do colégio militar de São Paulo —promessa de campanha desde 2018— do que para o programa Casa Verde e Amarela, voltado ao fornecimento de moradias para a população de baixa renda em todo o país.
O projeto de Orçamento também reserva mais recursos para facilitar a compra da casa própria por policiais, com subsídios do governo, do que para o programa social.
O Casa Verde e Amarela perde também para a quantia prevista para a construção de casas funcionais para militares da ativa.
Criado para ser a vitrine de Bolsonaro na área habitacional, o Casa Verde e Amarela substituiu o Minha Casa Minha Vida, marca associada às gestões petistas.
Na proposta de Orçamento de 2023, assinada por Bolsonaro, a construção de moradias subsidiadas para a baixa renda conta com uma reserva de apenas R$ 34,2 milhões —um corte de 95% em relação ao valor proposto para 2022, que já ficou bem abaixo do registrado no Minha Casa Minha Vida.
No mesmo documento, o presidente propôs garantir R$ 147 milhões em 2023 para continuar a construção do colégio militar de São Paulo.
A previsão de mais recursos para a obra indica uma estimativa de custo mais elevada que o valor informado pelo Exército, responsável pela construção.
No ano passado, o Exército afirmou que a previsão total de gasto era de cerca de R$ 130 milhões —o que já seria suficiente para inaugurar aproximadamente 65 novas creches no país.
No entanto, a obra prometida por Bolsonaro já teve R$ 38 milhões contratados em 2021 e conta com R$ 105,5 milhões reservados neste ano. Com os novos recursos prometidos para o ano que vem, o custo global poderia chegar a quase R$ 300 milhões. O governo prevê a conclusão da obra apenas em 2023.
A Folha pede desde o dia 11 de outubro esclarecimento ao Exército sobre qual é a nova estimativa de custo da construção do colégio. Mas o órgão não respondeu aos questionamentos. O Ministério da Defesa e o Palácio do Planalto também não se manifestaram.
O colégio militar de São Paulo será a 14ª unidade do tipo no Brasil e será inaugurado no Campo de Marte, situado na zona norte da capital paulista. Enquanto as obras estão em andamento, o colégio funcionará em local próximo.
As escolas militares ligadas ao Ministério da Defesa concentram alunos de alta renda porque o acesso ocorre por processo seletivo. Elas ainda priorizam vagas para filhos de militares.
As unidades militares apresentam bons resultados em avaliações, o que em parte é atribuído ao perfil socioeconômico dos estudantes e aos elevados investimentos. Cada aluno de colégio militar custa três vezes a média do que é gasto com um estudante da rede pública.
Na campanha presidencial, Bolsonaro, que é capitão da reserva, prometeu um colégio militar em todas as capitais. A pedra fundamental da unidade de São Paulo foi lançada no início de 2020.
O presidente também tem focado outros segmentos que compõem sua base de apoio político.
No ano passado, ele criou o programa de financiamento imobiliário subsidiado para agentes de segurança pública, chamado de Habite Seguro. A previsão para essa medida é de R$ 80 milhões no projeto de Orçamento de 2023 —valor próximo à verba de 2022, que é de R$ 100 milhões.
Os benefícios podem ser concedidos para agentes da ativa ou aposentados da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, das polícias civis estaduais, para agentes do sistema penitenciário, policiais militares, bombeiros, guardas municipais e agentes de institutos de criminalística.
Para justificar a medida, o governo argumentou, na época, que o objetivo é “auxiliar a superação das carências de natureza habitacional dos profissionais de segurança pública”.
O texto aprovado também estende os benefícios para cônjuges dos agentes mortos em razão do exercício de suas profissões.
Outra área privilegiada no projeto de Orçamento de Bolsonaro é a de construção e reforma de casas funcionais para militares da ativa, que obteve uma reserva de R$ 78,3 milhões para 2023. O valor é 160% maior que os R$ 30,1 milhões reservados inicialmente neste ano. Essas casas são chamadas de Próprios Nacionais Residenciais.
Atualmente, o déficit habitacional no Brasil é estimado em 5,8 milhões de moradias. O cálculo é da Fundação João Pinheiro e foi divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional.
“O Casa Verde e Amarela não decolou. Tanto é que Bolsonaro quase nem cita o programa na campanha eleitoral. O presidente preferiu focar as áreas que têm mais a marca dele, coisas que ele já prometeu e que garantem mais fidelidade ao eleitor. Esse é o estilo dele, ao privilegiar as áreas que são base eleitoral”, diz Leonardo Paz Neves, analista no Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV.
Procurado, o Ministério da Economia informou que a elaboração do projeto de lei “ocorreu em um contexto desafiador” e citou o “elevado nível de indexação e rigidez alocativa das despesas”. Entre os obstáculos, a pasta citou a necessidade de reservar R$ 19,4 bilhões para as chamadas emendas de relator, usadas com moeda de troca nas negociações políticas com o Congresso.
“Isso obrigou a uma alocação de recursos bastante conservadora, com pouco espaço para o atendimento de diversas ações sociais”, disse a Economia. “No caso específico do programa Casa Verde e Amarela, os recursos previstos ficaram muito aquém da necessidade e da vontade do governo federal.” Segundo a pasta, os parlamentares podem incrementar essas ações com os recursos das emendas de relator.
O ministério, porém, não explicou por que as áreas ligadas a interesses dos militares foram blindadas dos cortes.
Enquanto o governo privilegia esses segmentos, áreas ligadas ao atendimento da população em geral podem sofrer um apagão em 2023, caso não haja incremento nos recursos previstos na proposta de Orçamento.
Porta de entrada para benefícios sociais como o Auxílio Brasil, a rede de atendimento à população vulnerável nos municípios sofreu corte de 95% em suas verbas de manutenção no projeto.
O Suas (Sistema Único de Assistência Social), que inclui os centros de atendimento que fazem a gestão do Cadastro Único, deve receber uma verba de R$ 48,3 milhões em 2023.
O valor é menor que os R$ 967,3 milhões indicados na proposta inicial para 2022 —que foram aumentados depois pelo Congresso Nacional e pelo próprio governo durante a execução do Orçamento e, mesmo assim, têm se mostrado insuficientes para o funcionamento pleno dos centros de assistência.
O governo também cortou a previsão de recursos para o programa Farmácia Popular, que distribui medicamentos básicos gratuitamente ou com desconto de até 90% para hipertensão, diabetes, asma, entre outras doenças, por meio de farmácias privadas conveniadas.
A proposta orçamentária também ameaça a manutenção do Mais Médicos e a consolidação do programa criado para sucedê-lo, o Médicos pelo Brasil. A verba reservada para esses programas de formação e descentralização de profissionais de saúde pode cair de R$ 2,96 bilhões neste ano para R$ 1,46 bilhão em 2023.
VEJA QUANTO AS AÇÕES RECEBERAM EM RECURSOS
Colégio Militar de São Paulo
2021: R$ 38 milhões
2022: R$ 105 milhões
2023: R$ 147 milhões
Programa Habite Seguro – financiamento de casas para segurança pública
2021: R$ 20 milhões
2022: R$ 100 milhões
2023: R$ 80 milhões
Residências para militares da ativa
2021: sem previsão
2022: R$ 30 milhões
2023: R$ 78,3 milhões
Casa Verde e Amarela
2021: R$ 3,6 bilhões
2022: R$ 1,2 bilhão
2023: R$ 0,03 bilhão
Centros para cadastrar no Auxílio Brasil
2021: R$ 967,3 milhões
2022: R$ 967,3 milhões
2023: R$ 48,3 milhões
Fonte: Ministério da Economia
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