Bolsonaro deixa rombo, e Brasil pode perder direito de voto na FAO – UOL Confere

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Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Com passagens por mais de 70 países, o jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparência Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Vivendo na Suíça desde o ano 2000, Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti. Entre os prêmios recebidos, o jornalista foi eleito duas vezes como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se.
Colunista do UOL
05/11/2022 04h00
Um dos maiores produtores agrícolas do mundo e, até pouco tempo, líder na luta contra a fome, o Brasil vive uma situação constrangedora na FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). Sem completar o pagamento de sua contribuição obrigatória, o governo brasileiro pode perder seu direito ao voto na instituição em 2023.
Dados da FAO obtidos pela coluna revelam que a última vez em que o Brasil pagou de forma plena sua contribuição foi em 2019, o primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro. Desde então, os repasses foram suspensos.

A regra na entidade estabelece que, ao completar dois anos sem fazer depósitos completos, um governo perde seu direito ao voto nas decisões da instituição. Hoje, o Brasil contribui com cerca de 3% do orçamento da FAO e, se pagasse o que lhe corresponde, seria o oitavo maior contribuinte para o orçamento da instituição.
Procurado pela reportagem para comentar a situação, o Itamaraty explicou que os “repasses referentes a contribuições a organismos internacionais são de competência do Ministério da Economia”.
“As dívidas do Brasil junto à FAO incluem valores em dólares norte-americanos e em euros, e seu pagamento, assim como as demais ações orçamentárias, está sujeito a restrições fiscais que se impõem ao orçamento federal, dentro dos montantes previstos na Lei Orçamentária Anual”, disse.
“Atualmente, os valores devidos pelo Brasil, até 30/06/22, discriminados conforme a moeda (USD [dólar] e EUR [euro]), são, respectivamente, de USD 23.563.897,70 e EUR 16.651.071,42”, completou. No orçamento da FAO, parte dos pagamentos é na moeda americana e uma segunda parcela é feira em euro, como forma de amenizar o impacto da variação cambial para o orçamento da instituição.
O UOL pediu um posicionamento do Ministério da Economia. Assim que a resposta for dada, ela será incluída na reportagem. Para a FAO, porém, o interlocutor é o Itamaraty.
Em 2023, o Conselho da FAO se reúne para definir os rumos do combate à fome no mundo. Mas, se não pagar sua dívida até o final do ano, o Brasil sem poder dar sua voz nas decisões. Situações de dívidas foram vividas pelo Brasil, principalmente durante o segundo mandato de Dilma Rousseff. Mas, pelo menos na FAO, o país nunca perdeu o direito de voto.
Agora, mesmo se acabar evitando a perda de seus direitos, a situação na qual o governo brasileiro se encontra é descrita por funcionários da agência como “vexame” e “reveladora” da atual política externa. Para manter seus direitos plenos na FAO, o Brasil precisava pagar os valores pelo menos relativos ao ano de 2020. Isso envolveria o desembolso de US$ 7,6 milhões e 5,5 milhões de euros, para pelo menos salvar seu direito ao voto. Ameaçados de perder o voto também estão países como a Venezuela, Irã ou Líbia.
A crise de pagamentos do Brasil não se limita à situação na FAO. Na ONU, o governo também sofre para pagar. Mas, tendo sido eleito para o Conselho de Segurança da instituição, o governo teve de encontrar recursos para garantir a transferência de dinheiro para a ONU, antes do final do ano.
A dívida do Brasil com a entidade de alimentos gerou indignação do brasileiro José Graziano da Silva, que liderou a instituição entre 2012 e 2019. Graziano foi ministro do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e considerado como pai do programa Fome Zero.
“O Brasil não paga sua cota de contribuição obrigatória da FAO desde 2019 e corre o risco de ser excluído das decisões da entidade”, explicou. “Ele perde o direito de voto se não pagar pelo menos uma parte da dívida”, afirmou.
“Essa é uma situação inaceitável. Neste momento em que o Brasil busca se reinserir no mundo, a FAO tem um valor simbólico. É ali que vai se debater as medidas de combate à fome no mundo. O Brasil terá muito a contribuir e muito a receber”, disse Graziano.
Ele lembrou que, em 2002, a FAO mandou uma missão especial que permaneceu por semanas no Brasil, ajudando a montar o Fome Zero.
Graziano destacou ainda como Lula voltou a colocar como sua prioridade a retirada do Brasil do mapa da fome. Para ele, portanto, é importante que se faça um movimento para pagar essa conta. O ex-chefe da FAO ainda destacou como, enquanto a dívida se acumula no exterior, Bolsonaro distribuiu benesses a vários setores antes das eleições, inclusive aos caminhoneiros que fizeram parte dos atos golpsistas nos últimos dias.
Para a senadora Kátia Abreu, “a falta de apreço do governo Bolsonaro pelos organismos internacionais é notório, e por todos”.
A ex-ministra da Agricultura no governo de Dilma Rousseff ainda cita a incoerência entre o discurso do presidente e suas ações no exterior. “A FAO, em especial, trata de alimentação e produção de alimentos. Portanto, deveria ser a prioridade número 1, mas Bolsonaro disse que no Brasil ninguém passa fome”, disse a ex-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado.

“Tenho a convicção que em janeiro de 2023 governo Lula quitara as dívidas do Brasil junto a FAO e demais organismos”, disse. “Brasil deve ser protagonista e não coadjuvante frente ao mundo”, insistiu. “Credibilidade se alcança nos detalhes », destacou a senadora.
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