Bolsonaro deve ser anistiado após deixar a Presidência? – UOL Confere

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Do UOL, em São Paulo
25/11/2022 04h00
Falta pouco mais de um mês para Jair Bolsonaro deixar a Presidência e perder o foro privilegiado, quando correrá o risco de ser julgado e preso por supostos crimes cometidos no cargo. Enquanto seus filhos pedem cidadania italiana, aliados do chefe do Executivo desejam emplacar uma emenda constitucional que converta ex-presidentes em senadores vitalícios, com foro privilegiado permanente.
Sobre uma possível anistia a Bolsonaro concedida pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Edinho Silva, um dos coordenadores da campanha do petista, já rechaçou a hipótese e declarou que “isso é da esfera do Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário”.

Enquanto o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello defendem a anistia para “pacificar o Brasil”, cientistas políticos ouvidos pelo UOL avaliam que a Justiça “não pode perder tempo” para julgar Bolsonaro sob pena de “fortalecer a extrema direita”.
Quais são os crimes atribuídos a Bolsonaro? A condução na pandemia lhe rendeu pedidos de indiciamento na CPI da Covid. Ele é suspeito de charlatanismo, prevaricação, emprego irregular de verba pública, epidemia com resultado de morte e infração de medida sanitária preventiva.
Em outro inquérito, Bolsonaro é investigado por interferir na Polícia Federal ao trocar a chefia da instituição para proteger os filhos.
O presidente também é investigado por vazar uma investigação sigilosa da PF sobre um suposto ataque hacker ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e por divulgar notícias falsas sobre o processo eleitoral.
O principal inquérito na Corte é o das “milícias digitais”, uma organização criminosa supostamente criada para ameaçar a democracia.
No TSE, um inquérito investiga se Bolsonaro usou a máquina pública para tentar se reeleger ao criar e ampliar programas sociais para atrair o voto de famílias pobres —um pacote estimado em R$ 273 bilhões.
Nesta semana, em uma articulação golpista, o PL entrou com uma ação no TSE para anular parte dos votos do segundo turno. O presidente da corte, Alexandre de Moraes, negou o pedido e multou a coligação de Bolsonaro. Segundo a colunista do UOL Thaís Oyama, o mandatário participou da articulação do relatório golpista, mas ele não foi citado nas punições.
Se Bolsonaro cometeu crimes, por que não caiu? Embora dezenas de pedidos de impeachment tenham sido apresentados, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não deu prosseguimento a nenhum deles.
“Bolsonaro já tem crimes comuns e de responsabilidade cometidos no cargo que são mais do que suficientes para impeachment”, afirma o cientista político da FGV (Fundação Getulio Vargas) Eduardo Grin.
Bolsonaro deve ser anistiado? A partir de janeiro, ele ficará sem foro, e poderá ser julgado como cidadão comum. Sua anistia é defendida pelo ex-presidente Michel Temer, que a oito dias do primeiro turno afirmou que “o ideal seria fazer um grande pacto nacional”.
“Quem for eleito, chama a oposição, os 27 governadores, os chefes de Poderes e a sociedade civil para trabalhar até a posse”, disse.
Quero ver quem se oporia a isso. As pessoas respirariam aliviadas. E o mundo inteiro saberia que o país está caminhando para um grande pacto. Isso seria o ideal dos ideais.”
Michel Temer, ex-presidente da República

Ao UOL, o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles disse que “anistiar sob o fundamento de pacificação nacional não tem base”.
“A anistia é motivada para a pacificação de confrontos políticos”, diz. “É diferente de fatos imputados a Bolsonaro, que dizem respeitos a crimes comuns.”
Ele cita a conduta do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, que pediu demissão após revelação de que ele citou Bolsonaro durante negociações com pastores para direcionamento de verba pública.
A conduta de qualquer agente público contra a administração não pode ser apagada pela anistia. Essas condutas hão de ser amplamente apuradas.
Cláudio Fonteles, ex-PGR

Ex-ministro do STF, Marco Aurélio Mello diz que, no campo político, “sempre fui da tese de que se deve virar a página”.
“O vencedor [Lula] venceu por margem pequena, abrindo a necessidade de entendimento para combater as mazelas do Brasil”, disse ao UOL. “Não vejo com bons olhos que Bolsonaro seja fustigado ao deixar o cargo. Sou favorável a respeitar a cadeira que ele ocupou.”
Mello lembra que o presidente da República tem a prerrogativa de conceder o chamado indulto da graça —o perdão a condenados judicialmente por crime comum, a exemplo do que Bolsonaro fez ao deputado cassado Daniel Silveira, condenado à prisão pelo STF.
Lula poderia fazer isso. Seria de bom tom para buscar o entendimento e temperança acima de tudo.”
Marco Aurélio Mello, ex-STF

Cientista político da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Cláudio Couto diz não acreditar “que vão jogar tudo para debaixo do tapete em nome de uma suposta pacificação”.
Sem punição, ele sairia mais forte e investiria novamente contra a democracia. A trajetória dele é uma expressão disso: sempre protegido pela imunidade parlamentar.”
Cláudio Couto, cientista político

Se condenado, Bolsonaro vira mártir? “Talvez”, diz Couto. “Vão dizer que ele é perseguindo por ser patriota. Isso também aconteceu ao Lula na Lava Jato. A questão é saber se o discurso de mártir vai tumultuar a sociedade.”
“Os filhos do presidente estão tentando tirar a cidadania italiana, o que reforça a falta de movimentação pela anistia”, afirma.
Já o ex-PGR Fonteles diz que, “apesar da propagação de fake news”, Bolsonaro não “se tornará mártir se o acusador público apresentar denúncias calcadas em fatos objetivos”.
Para Grin, da FGV, a chance de Bolsonaro virar um mártir “é real”. “Ainda que ele fique inelegível, o bolsonarismo terá candidato em 2026, talvez um dos filhos. Vão insistir no discurso antissistema, que são perseguidos.”
Não acho que isso vá meter medo na Justiça porque, mesmo com ele no poder, o STF se manteve firme.”
Eduardo Grin, cientista político

E se ele for anistiado? “O extremismo se fortalece”, diz Couto. “Seria um sinal emitido pela Justiça de que não há problema em desrespeitar a ordem institucional.”
É melhor mostrar que isso não é aceitável e investigar. Se provar o crime, que seja condenado e sirva de exemplo.”
Cláudio Couto, cientista político

“Condenação rápida.” Grin evita comparar o perdão a Bolsonaro à anistia aos militares após a ditadura militar (1964-85) porque o oficialato “impôs a anistia como condição para sair”.
O Brasil perdeu a chance de colocar aqueles militares na cadeia. Agora é importante não perder tempo para condenar Bolsonaro.”
Eduardo Grin, cientista político

Professora de Direito Penal da FGV, Heloisa Estellita explica que as investigações de crimes comuns podem continuar no STF ou ir à primeira instância.
“Se entenderem que há conexão entre os fatos envolvendo Bolsonaro e outros suspeitos com foro, ele pode manter o inquérito no STF”, explica. “Os outros vão para a primeira instância.”
Para o ex-ministro Marco Aurélio Mello, o STF deveria desmembrar os inquéritos nos quais Bolsonaro é investigado com outros políticos com foro e, em janeiro, “baixar imediatamente” para a primeira instância.
“Mas eu não acredito em Papai Noel. Conheço bem o ministro Alexandre de Moraes e penso que vão encontrar uma conexão para deixar os inquéritos no Supremo”, diz.
É primordial a pacificação do país para pensar grande e nos reais problemas do Brasil.”
Marco Aurélio Mello, ex-STF

Bolsonaro pode ser preso ao deixar o cargo? A professora acha difícil que isso ocorra porque não se sabe de inquérito em fase tão avançada. Ela explica, no entanto, que o STF pode decretar prisão preventiva, uma decisão que seria mantida em sigilo até a última hora para não frustrar as investigações.
E o que acontece com os pedidos de impeachment? Eles perdem a validade “por que vão tirar quem do cargo?”, questiona Estellita. “Isso não impede que a argumentação desses pedidos seja utilizada em uma ação penal ou civil.”
Ela lembra que Bolsonaro ainda pode ficar inelegível nos inquéritos do TSE. “Se ele for condenado por corrupção, por exemplo, pode ficar inelegível.”
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