Bolsonaro minou combate à corrupção e Brasil é rebaixado em ranking mundial – UOL Confere

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Com passagens por mais de 70 países, o jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparência Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Vivendo na Suíça desde o ano 2000, Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti. Entre os prêmios recebidos, o jornalista foi eleito duas vezes como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se.
Colunista do UOL
11/10/2022 05h00
Sob a gestão de Jair Bolsonaro, que prometeu acabar com a corrupção, o Brasil foi rebaixado na avaliação que monitora como governos estão implementando um dos principais tratados internacionais de combate à corrupção criado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Entre os inúmeros retrocessos, o exame cita a interferência política nos órgãos de combate à corrupção no país por parte do Executivo, a perda de independência da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal, o fim das Forças Tarefas e a falta de transparência. O Brasil foi um dos nove casos de países que viram as piores quedas em suas avaliações nos últimos anos.

A adesão à OCDE é um dos principais focos da política externa do bolsonarismo. Mas, para ser aceito, o país terá de dar provas de que está adotando medidas para cumprir a Convenção contra o Suborno de Agentes Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da OCDE. Trata-se de um dos instrumentos mais importantes da legislação internacional contra a corrupção.
Mas uma avaliação independente feita pela Transparência Internacional e publicada nesta terça-feira revela uma deterioração na implementação do acordo por parte do Brasil, que assinou o tratado ainda em 2002.
“As principais fraquezas são a inadequação dos mecanismos de reclamação e proteção de denunciantes, especialmente no setor privado; a definição inadequada de suborno estrangeiro, que não responde pela corrupção privada; e a interferência política no trabalho das agências de aplicação da lei, que continua sendo uma marca registrada do governo do presidente Jair Bolsonaro, com sérias consequências para os esforços anticorrupção”, declarou o informe.
A interferência de Bolsonaro, de fato, chama a atenção internacional. “Bolsonaro mudou o comando da Polícia Federal quatro vezes desde que assumiu o poder, alegadamente com o objetivo de exercer mais controle sobre a agência de aplicação da lei. Em todos, pelo menos 18 funcionários em funções-chave na Polícia Federal têm sido o alvo do governo entre 2019 e 2022”, destaca.
Por isso, de acordo com o relatório global de avaliação, o Brasil passou de uma implementação “moderada”, na avaliação divulgada em 2020, para uma implementação “limitada” de mecanismos contra o suborno transnacional.
O relatório abarca o período de 2018 a 2021 e avaliou os 43 países signatários da Convenção, além de China, Índia, Hong Kong e Singapura, que não fazem parte do tratado, mas são responsáveis por parcela significativa do comércio internacional.
A meta do tratado é a de combate um tipo específico de corrupção, altamente lesivo ao comércio internacional e ao desenvolvimento econômico: o pagamento de propinas, por parte de empresas multinacionais ou exportadoras, a funcionários públicos estrangeiros para favorecer seus negócios no mercado global.
De acordo com a avaliação, a situação atual mostra uma reviravolta no combate à corrupção no país. “O Brasil vinha em uma trajetória de melhoria significativa na classificação do relatório de 2018 (saltando duas categorias, de “nenhuma aplicação” para “aplicação moderada”), estabilização no de 2020 (se manteve como “moderado”) e agora um retrocesso no relatório de 2022 (aplicação limitada)”, afirma a avaliação, publicada em Berlim.
“A queda na classificação no relatório atual se deve à redução no número de investigações abertas, de processos iniciados e de condenações em casos de suborno transnacional. No período analisado, o Brasil iniciou apenas 5 investigações, começou um processo, e concluiu apenas dois casos com aplicação de sanções relacionados ao suborno transnacional”, alertou.
Entre os fatores principais que levaram ao rebaixamento do Brasil estão:
(1) perda de independência de instituições que atuam no controle da corrupção internacional, em especial a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI, vinculado ao Ministério da Justiça);
(2) descontinuação do modelo das Forças Tarefas (essencial para investigações de casos complexos de corrupção internacional), sem sua substituição por estruturas adequadas de trabalho em equipe e cooperação interinstitucional;
(3) transferência da competência de investigação de casos de corrupção e lavagem de dinheiro quando associados a crimes eleitorais (como caixa dois) para a Justiça Eleitoral, com menos estrutura e especialização para processar crimes complexos;
(4) insegurança jurídica e deficiências legais sobre instrumentos vitais para o enfrentamento à corrupção transnacional, como os acordos de leniência, a recuperação de ativos e compensação de vítimas e a proteção aos denunciantes de boa fé (whistleblowers);
(5) Pouca transparência de dados sobre investigações contra o suborno transnacional e sobre as sanções aplicadas pela Controladoria-Geral da União (CGU), especialmente no caso de acordos de leniência.

“Os inúmeros retrocessos para o combate à corrupção nos últimos cinco anos resultaram em uma piora na capacidade das instituições brasileiras de punir casos de suborno transnacional, o que, sem dúvida, impactará negativamente o processo de adesão do país à OCDE”, disse Guilherme France, consultor da Transparência Internacional Brasil.
“Esperamos que o Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE estabeleça, entre as condições indispensáveis para esta adesão, a recuperação da autonomia das instituições de controle do Brasil, incluindo a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, e o fortalecimento dos mecanismos de investigação e persecução criminal de casos complexos de corrupção que ultrapassam fronteiras”, afirma

O informe deixa clara a frustração em relação ao procurador-geral, Augusto Aras. Segundo a entidade, seu mandato “foi manchado por omissões contrárias às alegações de corrupção dentro do governo do Presidente Jair Bolsonaro” e pela “falta de vontade de investigar funcionários de alto nível do governo federal”.
As acusações ainda apontam que Aras “desmontou o modelo da força tarefa no Ministério Público Federal (MPF), o que levou a um forte declínio nas investigações de corrupção em todo o país”. Se as forças tarefas foram desfeitas, a entidade destaca que estruturas de substituição planejadas não foram adequadamente implantadas em muitos estados.
“Também são motivo de grande preocupação os numerosos e processos judiciais abertos tanto pelo Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Federal Tribunal de Contas contra os promotores do MPF que eram membros do grupo de trabalho Lava Jato e agora enfrentar penalidades sem precedentes e desproporcionais”, disse. “Isto tem tido um efeito arrepiante sobre as ações de acusação”, alerta.
O relatório está sendo lançado no momento em que o Grupo de Trabalho Antissuborno (WGB) da OCDE se reúne, em Paris. “Caberá a esse comitê, entre outros grupos temáticos da organização, emitir pareceres para chancelar ou colocar ressalvas à adesão do Brasil à entidade”, explicou a Transparência.
“Em 2019, preocupado com os retrocessos do Brasil no cumprimento da Convenção, o WGB enviou uma missão especial de alto nível ao país para verificar in loco a situação. O cenário continuou se deteriorando e, no final de 2020, o organismo criou, pela primeira vez em sua história, um subgrupo para monitorar especificamente a situação do Brasil, que continua sendo acompanhado como um caso crítico”, destaca.
Na última quinta-feira, 6, o governo Bolsonaro promoveu uma coletiva de imprensa para anunciar o envio, à OCDE, do memorando inicial para a adesão ao bloco, uma autoavaliação sobre quais dos requisitos estabelecidos pela entidade o Brasil já cumpre e quais ainda não cumpre.
Segundo o governo, o Brasil aderiu a 108 e dos 230 principais instrumentos normativos da instituição e já solicitou adesão a outros 45 instrumentos.
Mas a Transparência Internacional lamenta que o documento de autoavaliação esteja sendo mantido sob sigilo, “o que significa que a sociedade brasileira não pode verificar qual é o retrato de país que seu governo está apresentando à OCDE”.
“É importante ressaltar, no entanto, que a avaliação da OCDE levará em conta não apenas a existência de normas alinhadas à organização, mas também sua efetividade. O que mostra o relatório é que, em relação ao suborno transnacional, o Brasil tem falhado justamente em garantir a correta implementação dessas medidas”, completa.
“As principais fraquezas são a inadequação dos mecanismos de reclamação e proteção de denunciantes, especialmente no setor privado; a definição inadequada de suborno estrangeiro, que não responde pela corrupção privada; e a interferência política no trabalho das agências de aplicação da lei, que continua sendo uma marca registrada do governo do Presidente Jair Bolsonaro, com sérias consequências para os esforços anticorrupção.
O Brasil foi um dos nove países a piorar de classificação nesta edição do relatório, junto com Reino Unido, Israel (ambos da categoria “ativo” para “moderado”), Itália, Espanha, Suécia, Portugal (de “moderado” para “limitado”), Dinamarca e Lituânia (de “limitado” para “pouco ou não cumprimento”).
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