Brasil vai passar de pária a protagonista, projeta pesquisador de Relações Internacionais – Brasil de Fato RS
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Política
Doutor em Ciência Política e graduado em Geografia pela UFRGS, Diego Pautasso é professor convidado do curso de Especialização em Relações Internacionais-Geopolítica e Defesa, da mesma universidade. Autor do livro China e Rússia no Pós-Guerra Fria (2011), ele conversou com Brasil de Fato RS sobre as novas perspectivas que se abrem para o Brasil na arena internacional com a eleição de Lula e sua futura posse em janeiro de 2023.
Nesta entrevista, ele chama a atenção para a importância da política externa como alavanca do desenvolvimento nacional, as possibilidades oferecidas pela África, um continente – como repara – que cresce acima da média mundial, o fortalecimento dos BRICS e a China. Tudo sem descuidar da integração com os vizinhos sul-americanos.
Brasil de Fato RS – Como avalia a trajetória da política externa brasileira que foi de protagonista (PT) a subserviente (Temer) e a nenhuma (Bolsonaro)?
Diego Pautasso – A política externa do período lulista foi a culminância e o aprimoramento de uma política externa que vem se desenvolvendo desde a Era Vargas com a política da barganha. Torna-se mais robusta com a política externa independente que, mesmo durante o período do pragmatismo de (Ernesto) Geisel, preservou elementos estruturantes do multilateralismo, da defesa da soberania, do desenvolvimento, da integração regional, do não alinhamento.
E o que a gente viu a partir do golpe? Um desmonte da política externa, primeiro um baixo perfil durante o governo Temer, para culminar com uma ruptura completa com o padrão de política externa conduzida pelo Itamaraty durante o governo Bolsonaro, cujos desacertos foram muitos. Sobretudo rompendo aqueles padrões e aqueles princípios que citei, mas também criando zona de atritos com parceiros como a China, a União Europeia, vizinhos como Argentina, Venezuela, etc. Rompeu um padrão histórico.
BdF RS – Qual é o principal desafio para se retomar uma política externa independente e altiva?
Pautasso – O governo Bolsonaro e sua política externa foi um passo fora da cadência do Brasil. Vai demorar um certo tempo para compreendermos exatamente a dimensão e os fatores que levaram a um governo tão disfuncional do ponto de vista institucional, político e econômico, e que obviamente repercutiu na política externa.
Há elementos sociológicos por detrás disso. Há elementos internacionais por detrás do golpe, que produziu uma ruptura institucional e abriu brechas para isso. Fatores do próprio Estado e da grande mídia foram condescendentes com o nascimento dessa metástase de um comportamento abertamente fascista e, enfim, culminamos nesse padrão absolutamente difícil de entender e de explicar em toda a sua extensão.
BdF RS – Durante o governo atual, o maior parceiro comercial do Brasil, a China, foi agredido pelo então chanceler Ernesto Araújo e pelos filhos de Jair Bolsonaro. O que vai mudar com Lula? Os BRICS receberão um novo gás com o Brasil recuperando o protagonismo que teve no passado?
Pautasso – Acredito que o Brasil deve recuperar uma política externa altiva e ativa, como dizia o ex-ministro Celso Amorim. Acredito, aliás, que o Celso Amorim deve ser uma eminência parda da política externa. Em que sentido? No sentido de ajudar a escolher um nome no Itamaraty capaz de conduzir essa política, essa diplomacia e de instrumentalizar alguns elementos para sua execução. Isso inclui obviamente uma retomada do BRICS, das relações Sul-Sul, fortalecimento da integração Sul-americana, que foi desmontada, a Unasul e a CELAC, durante o governo Bolsonaro.
BdF RS – Qual seria a expectativa para o Brasil passar a integrar o projeto Cinturão e Rota, o mais ambicioso no plano internacional que a China está desenvolvendo?
Pautasso – O Brasil deveria se somar ao Cinturão e Rota. Trata-se mais do que um processo de integração da Eurásia. Trata-se de um projeto de globalização em clara oposição ao modelo neoliberal liderado pelos Estados Unidos. Mais importante do que isso, a estratégia do Cinturão e Rota pode impulsionar a integração física da América do Sul que é um desafio histórico, pelo menos desde a cúpula de Brasília em 2000.
A China tem expertise em obras de engenharia – e a base da política do Cinturão e a Rota é a infraestrutura – e o Brasil precisa recuperar as suas empreiteiras e os seus mecanismos de financiamento que foram fortemente atacados pela política antinacional da Lava Jato. Então é a oportunidade, o Cinturão e Rota, de alavancar a integração sul-americana, a partir de um estreitamento das relações do Brasil com a China, e de uma convergência de interesses que repercuta no âmbito regional.
BdF RS – A Noruega já manifestou sinalização positiva para retomar a contribuição ao fundo para a preservação da Amazônia. Com que mais apoios o Brasil poderá contar para o mesmo fim?
Pautasso – A política externa do governo Bolsonaro funcionou, em vários campos, entre eles no ambiental, como um patriotismo de goela que, no fundo, não representou defesa dos interesses nacionais. Ao contrário, abriu para todo tipo de desmatamento e garimpo ilegal sob a alegação de estar defendendo a Amazônia.
O governo Lula precisa retomar a política ambiental em convergência com a agenda internacional que obviamente represente os interesses brasileiros. O que não é possível permitir – e que por vezes ocorre – é que os organismos internacionais de grandes potências normatizem e tenham gerência sobre a soberania brasileira e as principais diretrizes da proteção ambiental. Não pode ser obviamente antagônica ao processo de desenvolvimento. Desenvolvimento e sustentabilidade podem andar juntos e é isso que o Brasil tem que priorizar.
BdF RS – Ao contrário do atual inquilino do Planalto, Lula transitará com desenvoltura pela cena internacional. Em que medida isto poderá ajudar o Brasil ?
Pautasso – A política externa tem que ser parte determinante do desenvolvimento nacional. Não há projeto nacional sem um projeto de inserção internacional. A política externa brasileira tem que abrir mercados, promover cooperação, estimular os investimentos do Brasil no exterior, e a captação de investimentos para setores específicos, enquadrados numa área constitucional que impulsione o desenvolvimento brasileiro. Tem que desenvolver parcerias, fazer grandes acordos internacionais que promovam o desenvolvimento.
A diplomacia é um dos pilares essenciais. Acredito que o Lula, que tem uma grande vocação para transitar na arena internacional, é extremamente habilidoso e tem uma ascendência muito importante, vai utilizar seu capital político nessa direção.
BdF RS – Esquecida durante os governos pós-golpe de 2016, a África será novamente alvo fundamental da diplomacia brasileira?
Pautasso – Um dos pontos altos da política externa no governo Lula foi o fortalecimento das relações com a África. O comércio dispara da casa de US$ 4 bilhões para quase US$ 28 bilhões no período Dilma – hoje despencou para US$ 8 bilhões. Além de cooperação em vários níveis, da agricultura até a ciência e tecnologia, passando por programas de ajuda ao desenvolvimento dos países africanos.
Acredito que o Brasil deva retomar com força sua presença na África até por uma identidade cultural e histórica que nos liga à região e também pelas oportunidades de um continente que cresce acima da média mundial. Lá, a presença da China revela muito bem que se trata de um espaço com enorme oportunidade de integração e desenvolvimento.
BdF RS – O Brasil foi de protagonista a pária com Bolsonaro. Agora, com Lula, a expectativa é que passe de pária a protagonista. Você é otimista quanto a isso?
Pautasso – Tanto pelo histórico da política externa do governo Lula, sob a gestão do Celso Amorim, quanto pela personalidade, característica e forma de fazer política do Lula, acredito que o Brasil vai ser alçado à protagonista da política internacional. Vai voltar a ser um agente determinante do BRICS, como foi desde a sua criação e, sem sombra de dúvida, assumirá a liderança da integração Sul-americana que é o seu destino.
É urgente que isso seja feito para que o Brasil possa garantir a integração e o desenvolvimento. Inclusive a segurança nacional passa pela capacidade de coesionar as relações com os vizinhos.
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Edição: Marcelo Ferreira
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