China, Terra do Meio: Xi construiu culto a sua imagem na China e terá que retomar equilíbrio na política interna – UOL
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Modesto, humilde, diligente, calado. As reportagens na China que perfilavam Xi Jinping antes de ele subir ao poder, em 2012, usavam esses adjetivos. Esperava-se que aquele tecnocrata eficiente e determinado a extirpar a corrupção do Partido Comunista seguisse trilhando o caminho de reformas econômicas e lenta abertura política iniciado por Deng Xiaoping 35 anos antes. Em 2022, a figura é diferente.
Em dez anos, Xi consolidou seu poder interno eliminando a oposição entre correligionários e promovendo uma ostensiva campanha contra valores ocidentais —que, na visão dele, colocam em risco a segurança e a estabilidade de Pequim. Ainda suprimiu a dissidência doméstica, restringindo a liberdade de expressão e reunião e revertendo a linha tênue que separava partido e Estado.
O culto à sua imagem está impregnado, em milhões de fotos suas pelo país e no “pensamento de Xi Jinping para o socialismo com características chinesas para a nova era”, filosofia de nome pomposo formalmente incluída na Constituição —feito alcançado antes só por Mao Tse-tung. Quando caminhar pelo Salão do Povo neste domingo (16) rumo a um controverso terceiro mandato, Xi será coroado sem herdeiro aparente para guiar a China ao menos por mais cinco anos em um cenário muito mais desafiador.
“Ele abandonou o conselho de Deng de que Pequim deveria manter um perfil discreto enquanto ascendia ao status de potência. Em vez disso, desempenhou um papel mais assertivo nos assuntos mundiais, que agravou as relações com vizinhos e com os EUA”, diz à Folha o ex-embaixador americano no país J. Stapleton Roy.
Insistindo na política de Covid zero, a China deve mostrar um crescimento de 3,5% em 2022, bem abaixo dos 5,5% projetados pelo próprio PC no início do ano e dos 8,1% de 2021, quando o país conseguiu lucrar ao manter o motor ligado enquanto o mundo desacelerava devido à pandemia.
A Bloomberg projeta que a desaceleração do setor imobiliário, em conjunção com a manutenção de restrições relativas à Covid, pode levar o PIB na próxima década a crescer abaixo dos 4% por ano, adiando para meados de 2030 o ponto em que a economia chinesa ultrapassaria a americana. Até lá, uma possível reunificação forçada com Taiwan levaria a um limbo difícil de prever, com repercussões globais.
Xi não parece ter pressa. Disse estar confortável em sacrificar o crescimento econômico a curto prazo para poupar vidas da Covid e declarou que não quer continuar adiando a tarefa da anexação de Taipé para a próxima geração de líderes.
Diretora do programa de estudos sobre a China no Stimson Center, a sinóloga Yun Sun vê a política chinesa como “um grande processo de equilíbrio, negociação e barganha”. Mesmo consolidando seu poder e elegendo oficiais leais na alta estrutura, o atual líder não poderá ignorar as reformas econômicas.
“O delicado equilíbrio está na dedicação à reforma contínua e, ao mesmo tempo, na busca da ideologia de Xi, que muitas vezes submete a praticidade econômica a considerações políticas”, afirma. “Isso não significa, porém, que todas as suas decisões priorizarão a reforma econômica acima de tudo.”
A pesquisadora diz ainda que o perfil dos promovidos neste Congresso Nacional deverá ser analisado com cuidado. Para ela, muitas vozes e facções opositoras na estrutura do PC levam à paralisia —”como visto na era de Hu Jintao e no primeiro mandato de Xi”. “Mas, quando uma voz domina todo o discurso, o partido corre o risco de se tornar só uma câmara de eco. Não é o melhor modelo de tomada de decisão, mas o desafio não é exclusivo da China.”
Ao ser apontado sucessor de Hu, o atual líder cumpria o roteiro esperado de alguém com pedigree político semelhante. Seu pai, Xi Zhongxun, foi um dos fundadores da China comunista e creditado como essencial à sobrevivência de Mao durante a Grande Marcha (1934-1935), quando esquadrões rebeldes do PC caminharam por 9.600 km fugindo das tropas nacionalistas, consolidando as bases do socialismo.
No lado vitorioso, Xi pai foi empossado chefe do Departamento de Propaganda, eleito membro do Comitê Central da legenda e vice-premiê responsável pelas funções legislativas do Conselho de Estado. No período, Xi Jinping desfrutou de uma vida abastada no coração da elite política. O pai, porém, cairia em desgraça em 1962, acusado de conspiração.
Rebaixado ao cargo de vice-gerente em uma fábrica de caminhões, perseguido e preso, Xi Zhongxun perdeu os títulos e o prestígio, sendo realocado com a família em Luoyang, na região central do país. Ele só seria libertado 13 anos depois e reabilitado em 1978, quando enfim assumiu postos de liderança em Guangzhou.
J. Stapleton Roy acompanhou de perto essas mudanças. Nascido em Nanjing em 1935, ele estudou na Escola Americana de Xangai até 1949, quando os comunistas venceram a guerra civil e fundaram a República Popular. Fora da China, continuou acompanhando a política local e por fim se tornou o quinto embaixador americano no país.
“Xi virou líder em um momento em que a enorme riqueza gerada pelo rápido desenvolvimento econômico corrompeu completamente o PC, tornando o país mais vulnerável ao facciosismo, e enfraqueceu o controle central”, diz, em referência a escândalos de corrupção que rondavam o centro do poder chinês à época. “Como herdeiro da tradição revolucionária do pai, via a tarefa de limpar o partido como prioritária, restaurando a autoridade nacional.”
Sob Xi, a China se estabeleceu como liderança, mas com um crescimento econômico inferior ao visto com seus antecessores. Seu programa de reformas econômicas encontrou uma oposição feroz na legenda —uma ala ideológica defendia que a liberalização corrompia os princípios marxistas estatais, e outra, ligada a companhias menos eficientes administradas pelo Estado, tentava interromper um ciclo de desemprego.
Para Roy, a escolha óbvia na cabeça de Xi foi priorizar o aumento do poder do PC Chinês e dele próprio, em detrimento do desenvolvimento econômico. O temor, diz, sempre foi evitar que as reformas levassem a China a um caminho semelhante ao de Mikhail Gorbatchov na União Soviética, no qual a perestroika enfraqueceu o comunismo e resultou em seu colapso.
Se a altivez da China sob Xi incomodou potências ocidentais, a relação com países em desenvolvimento (o “Sul Global”) é mais complexa. Segundo o sinólogo e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Maurício Santoro, várias nações na África, na América Latina e no Sudeste Asiático experimentaram volumes altos de investimento, aproximando Pequim desse bloco.
Então, embora a percepção predominantemente negativa quanto à China nos EUA e na Europa não tenha criado raízes na América do Sul, o Brasil é uma exceção pelo modo como o governo Jair Bolsonaro (PL) canalizou opiniões críticas.
Por ora, a China entrou no debate eleitoral brasileiro pelo viés da desindustrialização do país —tanto quanto os temas de política interna da Argentina e da Nicarágua, por exemplo. Para Santoro, porém, há ainda uma vulnerabilidade do regime que é ponto caro ao eleitorado conservador e a denominações evangélicas: a perseguição a grupos cristãos.
“A maioria do país é han [etnia majoritária], então isso é algo difuso, espalhado pelo território, mas o regime se preocupa com a associação a um poder estrangeiro, no caso o Vaticano.”
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