Choro de Bolsonaro é o início do fim de um autoritarismo em decadência – UOL Confere
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Jeferson Tenório
Colunista do UOL
19/12/2022 04h00
O poder e o ressentimento são duas rodas poderosas que movem o mundo. O ressentido não mede esforços para se vingar de uma injustiça que pensa ter sofrido. O ressentido tem certeza de que a sociedade lhe deve algo. Entretanto, na maioria das vezes, o ressentido se apega às coisas menores e mais mesquinhas para cobrar. Agora, quando este ressentido ganha poder, quando ele tem condições de decidir sobre a vida de outras pessoas, as consequências podem ser trágicas.
O ressentimento sempre passa pela mediocridade. Sempre passa por uma análise desonesta e equivocada da injustiça em relação a nós mesmos. Todos nós carregamos um certo ressentimento pela vida, a questão é o que fazemos com isso. Uns guardam para si, outros ficam deprimidos, outros vão se tratar em consultórios de psicanálise, outros decidem pela destruição da vida alheia. Caso do atual presidente.
Pululam nas redes sociais a desconfiança, o deboche e a crítica ao pranto de Bolsonaro: afinal, em nenhum momento se viu o futuro ex-presidente chorar pelas 700 mil vítimas da covid, nem chorar pelas mais de 30 milhões de pessoas passando fome no Brasil, por exemplo. A indiferença em relação ao sofrimento do outro foi a marca registrada de seu mandato, mais do que isso, foi um governo marcado pelo deboche, pelo riso e pelas piadas da tragédia que se abateu no Brasil.
Para um deputado do baixo clero, medíocre, que nunca teve grande relevância no cenário político e que sempre foi tratado como uma figura folclórica e sem importância, chegar ao poder nessas condições deram a Bolsonaro um sentimento de onipotência a ponto de acreditar que ele era “o escolhido”, “o messias”, “o predestinado”. Isto é, alguém muito próximo das divindades. Um rei. Um ser ungido que tudo pode. Que tudo pode dizer. Fazer o que quiser. Na hora que bem entender. Andar de jet ski, ou de moto sem capacete. Abandonar uma entrevista pela metade ou decidir sobre a vida dos outros. Ter um séquito de puxa-sacos ao seu redor, ou seja, um “pode tudo” sem receio de ser repreendido ou punido.
Neste contexto, para Bolsonaro, perder a eleição equivale a uma espécie de morte em vida. Porque, vejam, já não se trata apenas da humilhação da derrota, mas da perda de um poder que lhe escapa entre dedos. Para quem nunca teve tanto poder na vida, abrir mão dele é o sinônimo de fim. Junto a isso, o medo de ter que responder por seus supostos crimes durante o mandato.
Lembrei-me do livro “Morte e alteridade”, do filósofo coreano Byung-Chul Han, em que faz uma análise sobre a morte dos reis. Eis um trecho: “Se reis morrem, eles se agarram às paredes, às árvores, às fontes, à lua, eles se agarram… O rei moribundo tenta segurar o mundo inteiro em sua mão… O rei está indeciso… O que você tem aí na mão? Ele abre as mãos. Ele tem o seu reinado inteiro em sua mão… Eu comando, abra as mãos, solte as margens, solte as montanhas. Tudo isso é pó”.
Bolsonaro não era um rei, mas achava que era. Esqueceu-se que seu poder não era vitalício, que vivemos num ambiente democrático e que ele era um inquilino e deveria estar a serviço dos interesses do povo. Entender que tudo agora virou pó, que já não é mais onipotente, nem imbrochável, que já não é mais “o escolhido”, “o messias” ou “o mito”, faz de seu choro um símbolo do início do fim de um autoritarismo em decadência. Um pranto que marca o declínio de um ensaio trágico do que o Brasil poderia ter se tornado. O choro que secará rapidamente nas paredes das instituições democráticas, que sofreram duros golpes, mas se mantiverem, ainda que precariamente, de pé.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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