Cientistas debatem se a obesidade de políticos é sinal de corrupção – Gazeta do Povo

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Flávio Dino, ministro da justiça, na semana passada pediu retratação à Rádio Guaíba por ter sido chamado de “comunista obeso” em um programa que foi ao ar na terça (17). Agora no Partido Socialista Brasileiro, pelo qual foi eleito senador em 2022, o ministro governou o Maranhão por dois mandatos quando membro do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Ele chamou os adjetivos de “comentários agressivos, preconceituosos e criminosos” e deu a entender que acionará a justiça contra a rádio.
Apesar da merecida fama dos regimes socialistas de causar fome na população com políticas econômicas desastrosas, no entanto, estudos propõem uma associação entre mandatários de países pós-soviéticos do Leste europeu com a falta de regime —a obesidade, especialmente se forem corruptos. Foi isso o que analisou Pavlo Blavatskyy, da Universidade de Montpellier, na França, em um estudo publicado em 2020.
Pavlo analisou 299 fotos frontais de rosto de ministros de 15 Estados pós-soviéticos, entre eles Armênia, Belarus, Lituânia, Rússia e Ucrânia. A partir do rosto, usando um programa de computador, ele estimou o índice de massa corporal (IMC), que normalmente é medido pela massa dividida pela altura ao quadrado, mas realmente tem correlação com características da face. Finalmente, ele testou se a variação do IMC acompanhava três índices de corrupção, entre eles um da Transparência Internacional e outro do Banco Mundial. “O resultado sugere que as características físicas dos políticos, tais como seu índice de massa corporal, podem ser usadas como substitutas de variáveis indicadoras da corrupção política, quando as últimas não estiverem disponíveis”, concluiu o pesquisador.
O resultado de Pavlo deve ser tomado com cautela, no entanto, pois a amostra não é grande e, além disso, a relação não é perfeita. Um dos índices de corrupção trata da corrupção “percebida” pela população, que por sua vez não tem relação perfeita com corrupção real. Além disso, são resultados mais aplicáveis a grupos de políticos, em vez de políticos individuais. De fato, o estudo recebeu a crítica do cientista de dados húngaro György Márk Kis, da Universidade Eötvös Loránd, em 2021.
György reclamou que “o autor formulou uma questão de pesquisa dúbia”, apontou que métodos fundamentais de análise não foram feitos, como comparações com um grupo controle e o uso de margem de erro. As falhas metodológicas e Pavlo, na opinião do crítico, evitaram que ele “se aprofundasse no tópico”. A crítica foi além, pois a análise foi refeita com um agrupamento geográfico diferente, obtendo um resultado inverso: índice de corrupção mais altos acompanhados de IMCs mais baixos.
Pavlo, contudo, não se deu por satisfeito e publicou uma réplica. Dessa vez, ele refez a análise com 469 rostos de ministros somente da Ucrânia (o país ocupa a 122ª posição entre 180 países do ranking de percepção de corrupção da Transparência Internacional —quanto mais próximo da 180ª posição, mais percebido como corrupto pela população é o país) nas primeiras duas décadas do século. A corpulência estimada dos ministros dessa vez pareceu caminhar junto com duas medidas de corrupção: o indicador de controle de corrupção do Banco Mundial e a diferença entre a quantidade de relógios de pulso luxuosos exportados da Suíça para a Ucrânia, segundo a Suíça, e a quantidade desses itens importada para a Ucrânia da Suíça, segundo a Ucrânia. A Suíça costuma ser mais honesta em suas estatísticas, então a diferença, propõem estudos anteriores, indica corrupção. O cientista descobriu que, de fato, o número de relógios “desaparecidos” das estatísticas ucranianas segue relativamente de perto, a uma taxa moderada, o IMC dos ministros.
Em vez de uma batida do martelo a favor de Pavlo e contra György, os estudos são ao menos uma tentativa de encontrar formas criativas de investigar a questão, o último tendo razão em insistir que métodos mais rigorosos e amostras maiores sejam usadas. Pavlo, contudo, é citado como mau exemplo na tese de doutorado de Roberto Kukutschka pela Faculdade de Governança Hertie, na Alemanha. Para ele, o estudo “é apenas o exemplo mais recente de como métodos inapropriados são aplicados para descobrir e justificar relações entre variáveis com pouca atenção a qualquer insight teórico e valor limitado para políticas”, critica Roberto, agora funcionário da Transparência Internacional.
Para a filósofa Susan Haack, autora do livro ‘Defendendo a Ciência — Dentro do Razoável’(Stentor Books, 2023), a ciência tem origem no senso comum, acrescido de auxílios à investigação como instrumentos e métodos estatísticos. É do senso comum a ideia de que pessoas mais abastadas às custas de outras são mais gordas: a comparação foi feita repetidamente pelos próprios comunistas, que usaram a figura do “porco capitalista” com frequência na história. O debate explicado brevemente acima é uma etapa intermediária desse processo de evolução entre senso comum e ciência.
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