Com Lula, país terá chance única de barrar extremismo da vitrine política – UOL Confere

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Esta é uma coluna coletiva que pretende contribuir, sob diversos olhares ? da comunicação à psicanálise, da ciência política à sociologia, do direito à economia ?, para explicar o fenômeno da nova política. O “Entendendo Bolsonaro” do título indica um referencial, mas não restringe o escopo analítico. Toda semana, pesquisadoras e pesquisadores serão convidados a trazer suas reflexões. O compromisso é com um conteúdo acadêmico traduzido para o público amplo, num tom sereno que favoreça o debate de ideias. Convidamos você a nos acompanhar e a interagir conosco.
Colunista do UOL
03/11/2022 22h46
* Cesar Calejon
Nesta semana, ao não aceitarem a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas, centenas de bolsonaristas foram flagrados fazendo uma saudação nazista em plena luz do dia, na cidade de São Miguel do Oeste, em Santa Catarina. Com os braços estendidos e cantando o hino nacional, eles reivindicavam atos antidemocráticos, como uma intervenção militar e a anulação da soberania do voto popular, que elegeu Lula no último domingo.

Os golpistas da cidade catarinense não estão sozinhos: ao longo do seu mandato, Bolsonaro utilizou inúmeros símbolos e discursos explicitamente nazifascistas. Ainda assim, recebeu 58.206.354 votos no último domingo, 49,1% do total válido. Nesse contexto, a eleição de Lula não significa o fim do bolsonarismo, mas uma boa janela de oportunidade na luta contra o nazifascismo brasileiro.
Com a eleição de Bolsonaro, em 2018, o Brasil foi mergulhado em uma verdadeira guerra cultural, que se vale de diferentes ideologias para avançar o ímpeto teocrático, miliciano, ultraliberal e autocrático do bolsonarismo. Vale salientar que, pelo conceito de ideologia, entende-se “um ideário histórico, social e político que é utilizado para ocultar a realidade material dos fatos a fim de conquistar e garantir a exploração econômica, a desigualdade social e a dominação política”, segundo a filósofa Marilena Chaui.
Desta forma, a guerra cultural bolsonarista, ou seja, o nazifascismo brasileiro, tem como base quatro ideologias centrais que precisam ser bem compreendidas e combatidas ao longo dos próximos anos, a fim de barrarmos o extremismo de direita da nossa vitrine política: (1) o nacionalismo cristão, (2) o ultraliberalismo, (3) o anticomunismo e (4) o antiglobalismo.
Essas ideologias formam um substrato extremamente eficaz no que diz respeito a catalisar a aderência de grandes massas populacionais no Brasil durante o começo do século XXI porque estão intrinsecamente relacionadas ao desenvolvimento histórico e cultural do país ao longo dos últimos quinhentos anos.
O nacionalismo cristão, que é uma ideologia político-religiosa, remete aos valores do Brasil colonial e imperial, quando o modelo escravocrata regulava a vida social e as “famílias tradicionais” eram “virtuosamente” organizadas com base no dogma religioso católico e patriarcal, em torno do homem, branco e heterossexual.
O ultraliberalismo, que é uma ideologia político-econômica, surge a partir da evolução dos fundamentos intelectuais do neoliberalismo, que se originam em resposta às transformações do capitalismo mundial e ao acúmulo de tensões a ele associadas desde a virada do século XIX. Desde então, passando pelo Colóquio Walter Lippmann (1938), pela fundação da Sociedade Mont Pèlerin (1947) e seus encontros regulares, pela Escola de Chicago e sua influência no debate político e econômico nas décadas de 1970 e 1980, entre outros menos relevantes, o pensamento neoliberal foi sendo forjado ao longo dos séculos XX e XXI.
O anticomunismo conforma a ideologia político-social mais forte do bolsonarismo, porque produz o antipetismo, que é sua expressão contemporânea. Ele remete às ideias fomentadas durante a Guerra Fria, na segunda metade do século XX, quando, a partir da Doutrina Truman, os Estados Unidos passam a organizar toda a sua produção cultural, científica e econômica para combater a antiga União Soviética.
Nesse sentido, muitas gerações de brasileiros foram expostas a intermináveis sessões de filmes, novelas, livros, músicas e todas as formas de expressão cultural que caracterizaram os Estados Unidos como a “terra da liberdade” e das “oportunidades” em comparação com os regimes “opressores” soviéticos.
Por fim, o combate ao “globalismo”, outra ideologia político-social, surge como a “soma de todos os medos” do governo Bolsonaro: uma força onipresente que, supostamente, operaria nas sombras, por meio de uma vasta rede de influência, para destruir o tripé da civilização judaico-cristã ocidental: Deus, a família e a nação.
Com a popularização da internet, o acentuado processo de globalização e os resultados pífios do neoliberalismo nos anos 1990, sobretudo no que diz respeito a questões nevrálgicas como emprego, nível salarial e bem-estar social, surgiram os primeiros movimentos antiglobalistas na busca de alternativas práticas e teóricas ao discurso dominante.
Nesse sentido, o antiglobalismo, de forma mais ampla, surgiu como uma força antissistema para contestar a racionalidade neoliberal que se intensificou entre as décadas de 1970 e 1980, com os governos Augusto Pinochet (Chile, 1973-1990), Giscard d’Estaing (França, 1974 – 1981), Margaret Thatcher (Inglaterra, 1979 – 1990), Ronald Reagan (Estados Unidos, 1981 – 1984) e Helmut Kohl (Alemanha, 1982 – 1998).
Apesar de conservar os traços desta dimensão antissistema, o conceito de antiglobalismo adotado pelo bolsonarismo traz características absolutamente idiossincráticas, conforme citado.
Assim, a vitória de Lula no último domingo caracteriza um interregno importante na ascensão do nazifascismo brasileiro, que vinha se consolidando a todo vapor após o golpe jurídico, midiático e parlamentar contra Dilma Rousseff. Contudo, ela representa apenas mais uma batalha contra a guerra cultural promovida pelo bolsonarismo e a sua consequente nazifasticização do Brasil.
* Cesar Calejon é jornalista, mestre em Mudança Social e Participação Política pela USP com especialização (MBA) em Relações Internacionais pela FGV. Autor de Sobre Perdas e Danos: negacionismo, lawfare e neofascismo no Brasil, além de outras obras sobre o bolsonarismo.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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