Combate à corrupção sofreu desmanche sob Bolsonaro, diz ONG – DW (Brasil)
Transparência Internacional destaca orçamento secreto como "maior esquema de corrupção institucionalizada conhecido no Brasil" e "degradação sem precedentes do regime democrático" do país nos últimos quatro anos.
A combinação de “corrupção com autoritarismo e crise econômica” fez com que o Brasil enfrentasse sob o ex-presidente Jair Bolsonaro um “desmantelamento sem precedentes” de marcos legais e institucionais contra a corrupção adotados em governos anteriores, segundo avalia a Transparência Internacional em seu Índice de Percepção da Corrupção divulgado nesta terça-feira (31/01), com dados sobre o ano de 2022.
Segundo a organização não governamental, o mandato de Bolsonaro (2019-2022) foi marcado pelo desmanche de arcabouços anticorrupção, “pelo uso de esquemas corruptos para favorecer aliados políticos e acumular apoio político na legislatura, por desinformação e ataques ao espaço cívico”, com “intimidação, difamação, notícias falsas e ataques diretos contra organizações da sociedade civil, jornalistas e ativistas”.
Esse “movimento antidemocrático”, diz o texto, culminou na invasão da Praça dos Três Poderes por bolsonaristas no dia 8 de janeiro, uma semana após a posse do petista Luiz Inácio Lula da Silva. O Brasil sofreu uma “degradação sem precedentes do regime democrático” nos últimos quatro anos, aponta a ONG.
Com um índice de 38 – a ONG usa uma escala de 0 (muito corrupto) a 100 (sem corrupção) – e abaixo da média da América Latina (43) e também mundial (43), o Brasil ficou em 94° lugar no ranking de 180 países e indica estar estagnado no combate à corrupção. O país repetiu a pontuação da escala de 2021, a terceira pior nota da série histórica, e de 2020.
Na avaliação por região, o Brasil mereceu destaque negativo como “país a ser observado”. “Apesar das repetidas alegações de que conduzia um governo livre de corrupção, o ex-presidente Jair Bolsonaro, ministros de seu gabinete, aliados e até familiares foram sujeitos a investigações de corrupção”, menciona o texto, atribuindo ao governo de extrema direita a criação do “maior esquema de corrupção institucionalizada conhecido no Brasil, o ‘orçamento secreto‘”, com o qual “milhões de reais foram destinados a favorecer aliados políticos, com sérios impactos nas políticas de saúde, educação e infraestrutura”.
A Transparência Internacional apontou que o Brasil teve “uma década perdida no combate à corrupção”. Entre 2012 e 2022, o Brasil perdeu 5 pontos no Índice de Percepção da Corrupção e caiu 25 posições, saindo da 69ª para a 94ª colocação, aponta a ONG.
Para a organização o mau desempenho do Brasil seria resultado do desmanche promovido por Bolsonaro. No entanto, o índice já sofreu uma queda acentuada em 2015, sob o governo Dilma Rousseff, voltou a subir levemente em 2016, e caiu novamente em 2017 e 2018, sob Michel Temer. Em 2019, quando Bolsonaro assumiu a presidência, o Brasil manteve o índice de 35 do ano anterior, depois estagnando em 38 ente 2020 e 2022.
A Transparência Internacional apela ao governo Lula para que encontre formas de “abordar os atuais obstáculos à luta contra a corrupção”, lembrando o envolvimento do PT em escândalos de corrupção, a consequente Operação Lava Jato e a prisão do próprio Lula até a anulação de sua condenação pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Por outro lado, a ONG aponta que “foi também durante as gestões de Lula e da sua sucessora, Dilma Rousseff, que o Brasil fez progressos significativos no combate à corrupção”.
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Ao mesmo tempo, “Lula e o seu partido ainda não ofereceram um plano concreto de combate à corrupção para o futuro, nem definiram como irão restabelecer a autonomia de instituições-chave, tais como o Ministério Público, a Polícia Federal e as agências ambientais”. “Ao adotar padrões transparentes e éticos, e ao reabrir o governo para a participação e escrutínio social, o novo governo poderá ter um impacto positivo na região e além dela, especialmente no Sul Global”, diz o texto.
Na América Latina, o tráfico de drogas levou violência aos territórios ancestrais indígenas e de populações afrodescendentes na Amazônia, em áreas que abrigam alta biodiversidade, diz o texto da organização.
Além disso, em 2021, foram os países latino-americanos que registraram os maiores índices mundiais de assassinatos de defensores dos direitos humanos. A Colômbia teve o maior número de mortes do tipo, com 138, seguida pelo México (42 assassinatos) e pelo Brasil (27).
“Com frequência excessiva, assassinos de ambientalistas e de ativistas anticorrupção ficam impunes devido à infiltração de redes criminosas nos governos locais e no sistema Judiciário”, denuncia a TI.
Na América Latina, instituições públicas também foram responsáveis por abrir caminho para o florescimento de redes criminosas organizadas, alimentando “violência e insegurança”. A Transparência Internacional sublinha que essas estão entre as maiores preocupações das populações em países latinos, juntamente com a corrupção e a economia. “Em muitos países, agentes de segurança e oficiais corruptos colaboram com gangues criminosas ou aceitam propinas em troca de fecharem os olhos para as atividades ilícitas [desses grupos]”, aponta o texto.
Em Honduras, na Guatemala e no Peru, “provas sugerem que criminosos organizados possuem forte influência sobre candidatos e políticos, financiando campanhas eleitorais ou mesmo concorrendo a cargos públicos”.
“Os impactos do entrelaçamento desses interesses criminais e políticos são sentidos particularmente pelos grupos mais marginalizados da sociedade e testemunhados com a destruição de recursos naturais”, diz o documento.
Além de grupos populacionais indígenas e afrodescendentes, a espiral de violência afeta outros setores sociais também já marginalizados, como a comunidade LGBTQ, mulheres e meninas. No Brasil, o mandato de Bolsonaro foi “terrível para o ambiente e os direitos dos povos indígenas, das mulheres e da comunidade LGBTQ+”, cita o relatório da TI.
Em toda a região, mulheres, meninas e imigrantes são vítimas de tráfico humano e de extorsão sexual, “normalmente envolvendo agentes públicos que pedem atos sexuais em troca de serviços como a emissão de passaportes ou a passagem por postos de controle de fronteira. Redes criminosas também alimentam o tráfico de animais silvestres, exploração madeireira ilegal, garimpo ilegal e obtenção de terras por queimadas”, lembra a organização.
A Transparência Internacional avalia 180 países e territórios, analisando os níveis de percepção da corrupção no setor público dessas regiões, com base na análise de dados, pesquisas e avaliações de especialistas. O índice é elaborado desde 1995 e passou por uma revisão metodológica em 2012, que permitiu traçar uma comparação histórica a cada ano.
A Dinamarca, por exemplo, obteve uma pontuação de 90, acima dos 88 do ano passado, o que coloca o país no topo do ranking. Finlândia e Nova Zelândia, com 87 pontos, tiveram queda de um ponto em relação à edição anterior, mas continuam em 2° lugar. A Alemanha aparece em 9° lugar, com uma nota de 79.
O relatório destaca que a pandemia de covid-19, o aquecimento global e o aumento de ameaças à segurança no mundo, como a guerra na Ucrânia, alimentam uma nova onda de insegurança que “piora os efeitos da corrupção em países que já têm dificuldades para lidar com o problema, além de contribuir para o declínio democrático e empoderar” regimes autoritários.
A escala mostra que mais de dois terços dos países avaliados tiveram uma nota abaixo de 50. A média mundial foi de 43, e o índice revela que 124 países têm níveis de corrupção estagnados, enquanto o número de países em declínio no índice está aumentando.
Entre os países com pior desempenho no ranking, estão Venezuela (14 pontos), Sudão do Sul e Síria (13), Síria (13) e Somália (12).
“Não é de se surpreender que a maioria dos países no pé do índice esteja atualmente passando por conflitos armados, ou viveram conflitos recentemente. Por outro lado, até em sociedades pacíficas, a corrupção e a impunidade podem transbordar para a violência ao alimentar rancores sociais”, diz o relatório.
rk/lf (ots)