Como fica o 'efeito bumerONG', criado sob Bolsonaro, com Lula? – UOL

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Coordenador da ONG Projeto Saúde & Alegria, é membro da coordenação do Observatório do Clima e integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais
Ao contrário do que se imagina, o mundo das ONGs e dos movimentos socioambientais nunca foi uma coisa única e homogênea. Sempre esteve mais para Maria que amava Joaquim, que amava Lili, que não amava ninguém.
Nos últimos anos de gestão PT, havia os dissidentes do PSOL, que não amavam os dissidentes marinistas, que não amavam os grupos mais petistas, que não amavam os que batiam no governo. Sem falar nas resistências à usina de Belo Monte, PAC e outros.
Não simpatizar com ONGs faz parte, encará-las como pedra no sapato também, mas quando Bolsonaro resolveu tratá-las de forma generalizada como inimigas, conseguiu o grande feito de uni-las. Ninguém solta a mão de ninguém!
De mãos dadas, elas nunca estiveram tão fortes como nos últimos quatro anos. As tentativas para enfraquecer, difamar e até criminalizá-las se voltaram contra, como um bumerangue, ou melhor, “bumerONG”.
Diante de um presidente que acordava e dormia falando de ONGs, confessou-se uma força que nem elas sabiam.
Com a atenção que alavancou na mídia, o país teve a chance de conhecê-las melhor, bem como sua importância na proteção de nossos ativos naturais, na construção de propostas, nas vozes dos povos indígenas, na denúncia de ilegalidades —inclusive de multinacionais e entes estrangeiros na Amazônia, contrariando aqueles adeptos à teoria da internacionalização.
Elas também fizeram o que o governo que as atacava deveria fazer e não fez, seja no enfrentamento da pandemia, na queda de barragens ou nos incêndios florestais, deixando claro que o país poderia estar ainda pior sem elas.

De forma articulada, ONGs foram determinantes para dificultar a aprovação de boa parte dos projetos bolsonaristas —de mudanças eleitorais à mineração em terras indígenas— e se colocar como mobilização contínua para reduzir danos e não deixar toda a boiada passar.
Só que, até então, os desafios da sociedade civil organizada permaneciam externos, todos unidos contra Bolsonaro, pela democracia, pelo meio ambiente, entre outras causas.
Com a eleição de Lula, eles voltam a ser também internos, em como manter essa unidade que faz a força entre Marinas, PTs, ecologistas, indígenas, acadêmicos, empresas responsáveis e outros.
Sociedade unida e vigilante não interessa aos eleitos que têm que lidar com ela, com as pressões contra a corrupção, o desmatamento, os 20 centavos.

Sem ilusões de que assim continuará no governo Lula, a começar pelas disputas por cargos, vagas em conselhos, interesses que se opõem numa frente ampla que reúne de azeite a vinagre com o desafio de não tornar a salada indigesta.
Às ONGs, cabe aproveitar esse período imune sob efeito “BumerONG” próximo da validade para tratar de como seguirem juntas por mais tempo.
Discordar é saudável, construir consensos dá trabalho, o que não ajuda é cancelar entes apenas por divergir.
A partir de uma lógica anticíclica, seria oportuno pactuar desde já as regras de convivência para os momentos de tensão que virão pela desunião nesses tempos ainda de união.
Para isso, ao invés de voltarem todas as fichas para pautar o governo, será importante continuarem dialogando com a sociedade, pautando-a para que se aproprie cada vez mais das agendas socioambientais e climáticas, como desafios que não são exclusivos dos ecochatos, e que devem ser tratados como políticas de Estado, acima de direitas e esquerdas.

Ao presidente eleito, caberá entender que sem a sociedade mobilizada, tanto a organizada como a desorganizada, será muito difícil fazer frente ao forte lobby dos setores mais arcaicos do ruralismo, da mineração, dos centrões da vida, caso queira cumprir suas promessas como desmatamento zero ou o fim dos garimpos em terras indígenas.
Entre outras urgências ambientais, longe de ser questões meramente ideológicas, como sociedade soberana não podemos seguir permitindo que metade da contribuição brasileira para o aquecimento global venha do crime, das emissões causadas pelo desmatamento ilegal.
Essas condições beneficiam alguns poucos que se apropriam indevidamente de bens públicos, nos deixando mais pobres e ainda com a conta para todos nós pagarmos, inclusive filhos e netos.
Não é hora de soltar as mãos…
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