Conheça a aldeia hippie na Bahia que, em plena ditadura militar, atraiu de Janis Joplin aos Novos Baianos – Extra

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Num país que ignora boa parte de sua história, não surpreende que muitas pessoas desconheçam Arembepe, região do litoral norte da Bahia que, em plena ditadura militar no Brasil, tornou-se o centro do mundo atraindo gente de todos os cantos do planeta num oásis de liberdade e de resistência ao regime. Colhendo uma infinidade de informações e entrevistas curiosas, Claudia Giudice, Luiz Afonso e Sérgio Siqueira revisitam esse lugar e compartilham o melhor dele em “Arembepe — Aldeia do mundo’’ (Máquina de Livros, R$ 58), livro recém-lançado.
Nesse paraíso, uma comunidade hippie se formou entre o fim da década de 60 e início dos anos 70 e virou o destino dos sonhos de cidadãos dos quais todo mundo já ouviu falar. A roqueira americana Janis Joplin foi uma delas, assim como os brasileiríssimos Novos Baianos. Ou os atores Claudio Marzo e Jack Nicholson, só para citar alguns. Mick Jagger não morou, mas ali também deu as caras.
— Tínhamos três lugares que reuniam todas as tribos nesse fenômeno mundial que foi o movimento hippie. Goa, na Índia; Machu Picchu, no Peru, e Arembepe — destaca o publicitário e produtor cultural baiano Sérgio Siqueira que, ao lado de Luiz Afonso Costa, já tinha escrito “Anos 70 Bahia’’, com um capítulo dedicado ao vilarejo.
O galã Richard Gere protagoniza um dos incontáveis relatos pitorescos descritos nas páginas. Hospedado na Pousada do Missival, figura lendária que até hoje vive no local, o par bonitão de Julia Roberts no filme “Uma linda mulher’’ foi visto nu tentando matar mosquitos em plena madrugada e não aguentou muitos dias por lá.

A liberdade de corpos, inclusive, com todo mundo tomando banho pelado nos rios, caminhava de mãos dadas com as mentes abertas em viagens regadas a maconha e LSD. Muito antes de Varginha, em Minas Gerais, era em Arembepe que a galera dizia avistar discos voadores, que deixavam marcas roxas nos troncos dos coqueiros por causa da energia que emitiam. A vibe dessa turma que ia crescendo numa mistura de línguas e nacionalidades convivia pacificamente com a população nativa, quase que totalmente formada por pescadores, e atraia curiosos, que chegavam nos fins de semana com a intenção de observar corpos desnudos pelas águas e areias.

Mas nem só de paz e amor essa história se fez. Eventualmente, a polícia baixava por lá e, numa dessas ocasiões, a sorte foi que entre os ripongas estava Paulo Montoro, filho de senador, que interviu junto ao então governador da Bahia Antonio Carlos Magalhães e, a partir daí, eles não foram mais importunados. Naquela época, também para muita gente da esquerda, os hippies eram vistos como os inimigos da revolução, visão compartilhada, inclusive, por Claudia Giudice no passado.
— Quando jovem, eu era comunista, não via a menor graça nos hippies, considerados um bando de alienados — recorda com bom humor a jornalista, paulistana que hoje é uma das proprietárias de uma concorrida pousada em Arembepe, lugar que fisgou seu coração.
Era esse olhar torto que fazia Jorge Amado desgostar da aldeia. A pedidos, o escritor precisou ir até lá vez ou outra tentar resgatar filhas de amigos como Fernando Sabino e Samuel Wainer. Essas passagens renderam, inclusive, um capítulo inédito para o livro.
— Nos surpreendemos ao descobrir que Bóris, o Vermelho, de uma obra inacabada de Jorge Amado, não era comunista, mas sim um arembepiano que curtia até fumar um baseado — conta Sérgio, frisando como a comunidade despertava o interesse do escritor.

A histórica falta de interesse das autoridades em resgatar e manter viva toda essa história, por sua vez, é o que torna a obra, além de uma leitura saborosa, um documento de um período marcante do Brasil.
— O descaso de governos sucessivos fez com que eu me mexesse. Fui colecionando histórias e achando tudo fantástico. Pensava que todo mundo ia querer ver. Com o livro, conseguimos registrar um pouco desse passado, o significado da aldeia para a contracultura — pontua Claudia, ao lembrar que o modo de vida praticado pelos hippies lá atrás é o que atualmente se entende como sustentabilidade: — Hoje olho mais para o futuro do que para o passado. Uso de tijolo ecológico, da energia solar, recolher água da chuva… A gente está fazendo o que a contracultura propôs lá atrás. Passou todo esse tempo pra eu desistir de ser comunista (risos) e para aquilo que eles defendiam fazer sentido. Hoje vejo tudo isso com respeito e admiração.
Sérgio acrescenta:
— Atualmente, está tudo bem diferente, mas as cabanas continuam lá, num território que, se pensarmos, vale milhões, perto do mar e do rio. Ninguém consegue tirá-los, o que não deixa de ser uma vitória contra o sistema, um símbolo de resistência.
A publicação, toda ilustrada pelo artista plástico John Chien Lee, que viveu na vila na década de 70, tem lançamento nesta quarta-feira em São Paulo, na Livraria da Travessa Shopping Iguatemi, às 19h.

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