ConJur – Alencar e Marques: Interposição fraudulenta por pessoa … – Consultor Jurídico

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Por Luciano Bushatsky Andrade de Alencar e Daniela da Rocha Marques
A Receita Federal do Brasil, até pouco tempo, possuía o entendimento de que, em face de limitações existentes em seu sistema, não seria possível a vinculação de uma pessoa física às modalidades alternativas de importação, conhecidas como Importação por Conta e Ordem de Terceiros e Importação por Encomenda.
No entanto, com a publicação da Instrução Normativa RFB nº 2.101/2022 [1], que alterou dispositivos da Instrução Normativa RFB nº 1.861/2018, as pessoas físicas passaram a poder figurar como adquirentes ou encomendantes nas operações de importação indiretas.
Essas mudanças, em que pese a reduzida repercussão, passam a produzir efeitos importantes nas operações de comércio exterior, em especial quanto à necessidade de cuidados por parte da pessoa física importadora em relação à sua capacidade econômico-financeira.
A preocupação que deve nortear o planejamento das importações indiretas pelas pessoas físicas é a sua capacidade econômico-financeira, que terá como principal documento de comprovação a Declaração do Imposto de Renda da pessoa física adquirente/encomendante. Uma pessoa física que não tenha, em sua DIRPF, demonstrada a capacidade financeira para arcar com o valor da importação indireta realizada por meio de uma empresa comercial importadora correrá sério risco de ver a operação de importação ser objeto de revisão aduaneira, ou mesmo de ter a declaração de importação parametrizada para o canal vermelho ou cinza de conferência aduaneira.
O ato de verificar a capacidade econômico-financeira do destinatário final da operação de comércio exterior tem como um dos seus objetivos evitar o uso de interpostas pessoas nas importações.
Anteriormente, até por impedimento expresso, a pessoa física não precisava se expor para o controle aduaneiro, o que, decerto, possibilitou a ocorrência de diversas operações à margem do controle do seu real destinatário. Isso porque, quando diante de uma operação de aquisição, por uma pessoa física, de um bem de consumo importado, de alto valor, por meio de uma empresa comercial importadora, a Receita Federal, ao exercer o controle aduaneiro, não conseguia visualizar o efetivo destinatário daquela operação. Por óbvio, o controle restaria limitado às informações expostas nos documentos que substanciam essa importação, ou seja, de que a mercadoria teria por destinatário a pessoa jurídica importadora, ainda que para posterior revenda.
No entanto, a partir da publicação da Instrução Normativa RFB nº 2.101/2022, Receita Federal, em sua atividade de controle do comércio exterior, passa a enxergar a pessoa física que será destinatária da mercadoria importada, o que ampliará o alcance das atividades de fiscalização, que poderá, a partir de agora, mapear informações também da pessoa física relacionada ao processo de importação.
É importante destacar que, ainda que tenha se tornado possível a inclusão da pessoa física na condição de adquirente ou encomendante da mercadoria importada, a limitação para as operações de comércio exterior para as pessoas físicas permanece. Ou seja, estas apenas poderão importar produtos destinados às suas atividades profissionais, para o seu uso e consumo, ou para suas coleções pessoais [2]. A vedação a atos de mercancia continua vigente, portanto.
Um segundo ponto que merece relevo quanto ao presente assunto faz referência à habilitação da pessoa física no Radar. Quando estiverem na condição de adquirente ou encomendante da mercadoria importada, as pessoas físicas não precisarão de prévia habilitação no Radar, ao contrário das pessoas jurídicas, conforme disposto no artigo 4º, parágrafo único da Instrução Normativa RFB nº 1.861/2018[3], alterado pela Instrução Normativa RFB nº 2.101/2022.
Esse dispositivo apenas reforça a percepção de que a averiguação quanto à capacidade econômico-financeira da pessoa física importadora pela Receita Federal deverá ocorrer no curso do procedimento de despacho aduaneiro de importação, o que reforça a necessidade de cuidados específicos por parte da pessoa jurídica importadora.
A pessoa jurídica importadora deverá, ainda, ajustar o contrato de importação por conta e ordem ou encomenda diretamente com a pessoa física e, tão importante quanto, realizar uma espécie de due diligence do indivíduo que irá figurar como adquirente ou encomendante do produto importado, uma vez que a Instrução Normativa deixou clara a possibilidade de apontamento da ocorrência de interposição fraudulenta de terceiros em operações nas quais o destinatário das mercadorias seja pessoa física, com a consequente incidência das penalidades legalmente previstas.
[1] Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=126058#:~:text=IN%20RFB%20n%C2%BA%202101%2F2022&text=Altera%20a%20Instru%C3%A7%C3%A3o%20Normativa%20RFB,de%20terceiro%20e%20por%20encomenda.
[2] Artigo 4º, § 3º, da Instrução Normativa RFB nº 1.984, de 27 de outubro de 2020.
[3] Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=97727#2374511.
 é advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e em Direito Penal e Processual Penal pelo Instituto de Direito Público (IDP), mestre em Direito pela Escola de Direito de SP da FGV, autor do livro Subfaturamento e Subvaloração na Importação e sócio do escritório Bushatsky & Marques Advogados.
Daniela da Rocha Marques é advogada, especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo da FGV e em tributação internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e sócia do escritório Bushatsky & Marques Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 12 de janeiro de 2023, 19h16
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