ConJur – Campos e Mazon: Corrupção entre particulares e caso Neymar – Consultor Jurídico

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Por Rafael Garcia Campos e Kelry D. Mazon
O crime de corrupção entre particulares, ou corrupção privada, se caracteriza, em uma breve síntese, pelo ato de dar, oferecer, prometer, receber ou solicitar vantagens indevidas no âmbito privado, em relações firmadas exclusivamente entre particulares — sem qualquer participação do ente público. Enquanto os crimes de corrupção (ativa/passiva) tipificados no ordenamento jurídico brasileiro punem condutas ímprobas praticadas no âmbito da administração pública, o crime de corrupção entre particulares busca abarcar os mesmos atos, porém, quando praticados na esfera privada.
Ao contrário do Brasil, na Europa, a conduta de corrupção entre particulares já encontra tutela jurídico-penal em diversos países, tais quais na Alemanha, Itália, França e Espanha (entre outros), que, embora com previsões diferentes, possuem o objetivo comum de inibir condutas desleais praticadas no âmbito das relações privadas.
Em síntese, na Alemanha, o crime de corrupção entre particulares encontra tutela no atual Código Penal Alemão por meio do artigo §299, que tutela o bem jurídico da livre concorrência econômica, punindo a conduta de empregados ou encarregados de estabelecimento comercial — crime próprio — que exigirem, solicitarem ou aceitarem vantagem indevida, para, no exercício de suas atividades profissionais, adotar comportamentos que causem prejuízo à livre e leal concorrência [1].
Na Itália, a conduta em questão encontra respaldo jurídico por meio do Artigo 2.635 do Código Civil italiano, que pune a conduta de determinado sujeito que, em posse de algum cargo que lhe fora outorgado, atua de modo diverso (ou se omite) aos seus deveres ou ao que lhe era esperado em razão de sua função, em virtude de recebimento ou promessa de vantagem indevida, de modo a falhar com a probidade inerente ao ato e efetivamente causar dano.
Já na França, a corrupção entre particulares, anteriormente tutelada pelo Código do Trabalho, foi inclusa ao Código Penal francês em 2005, em capítulo intitulado "corrupção de pessoas no exercício de funções não públicas" [2]. Embora mais abrangente, o principal objetivo da norma penal francesa permanece sendo a tutela da lealdade nas relações de trabalho.
Por derradeiro, na Espanha, foi inserido o tipo penal de corrupção entre particulares no Código Penal Espanhol (CPE) em 2010, cujo Artigo 286, bis, inserido no Título XIII, pune a conduta de oferecer/solicitar, prometer, dar e receber vantagem indevida no âmbito empresarial, sem que haja justificativa plausível, com o objetivo de favorecer "a si mesmo ou a terceiro, perante outros, faltando com suas obrigações na aquisição ou venda de mercadorias ou na contratação de serviços profissionais" [3].
Foi com base neste tipo penal que Neymar foi denunciado pela Fiscalía da Audiência Nacional da Espanha, juntamente com seus pais, a empresa de sua família N&N, o ex-presidente do Barcelona, Rosell, e o próprio clube catalão.
Segundo a acusação, no ano de 2011 o clube de futebol Barcelona teria adiantado um pagamento de 40 milhões de euros para garantir a posterior contratação de Neymar. Porém, na ocasião deste pagamento o jogador ainda não estaria livre ao mercado. A contrapartida deste pagamento antecipado era o compromisso do atacante em formalmente efetivar o contrato com o clube quando fosse possível, a partir de 2013, o que de fato ocorreu.
Ocorre que toda essa transação, segundo consta da acusação, foi realizada sem a participação do empresário Delcir Sonda, dono do Grupo DIS. O empresário afirma que era o dono de parte dos direitos econômicos do atacante quando eles foram vendidos pelo Santos ao Barcelona, em 2013. O DIS fez denúncia à Justiça espanhola de que teria havido fraude no valor declarado da negociação [4].
Por outro lado, a tese defendida pelos advogados de Neymar é a de que o atacante não cometeu nenhum crime, pois segundo os defensores, os 40 milhões de euros corresponderam a um "bônus de contratação legal e habitual no mercado do futebol". A defesa também questiona competência da Espanha para processar o caso.
Na terça-feira da semana passada (18/10), "o atacante do PSG declarou que não se lembra de assinar um contrato em 2011, quando estava no Santos, que o vinculava ao Barcelona. Neymar ainda ressaltou que toda a condução da negociação com o time espanhol foi feita pelo pai e que o jogador 'só assina tudo que ele manda'" [5].
Após participar da sessão de julgamento de segunda e terça-feira passadas, Neymar retornou a Paris. O jogador poderá participar das demais sessões por meio de videoconferência, mas é esperado para o último dia de julgamento previsto para 31/10/2022, ocasião em que terá o direito de fazer suas últimas declarações, caso julgue necessárias.
Referências bibliográficas:
[1] O CRIME DE CORRUPÇÃO NO SETOR PRIVADO: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO E A NECESSIDADE DE TIPIFICAÇÃO DO DELITO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Autor: CONRADO ALMEIDA CORRÊA CONTIJO Ano: 2015. p. 105. Acessado através do site: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-09112015-142533/publico/Versao_Completa_Conrado_Almeida_Correa_Gontijo.pdf
[2] https://www.ibccrim.org.br/noticias/exibir/7388/
[3] A corrupção privada no Brasil. Private corruption in Brazil. Anna Cecília Santos Chaves. P. 242.
[4] https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2022/10/entenda-as-acusacoes-e-o-julgamento-de-neymar-na-espanha.shtml
[5] https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2022/10/18/juiz-nega-favorecimento-a-neymar-apos-dispensa-de-julgamento.ghtml
 é advogado criminalista, especialista em garantías constitucionales de la investigación y la prueba en el proceso pela Universidad de Castilla-La Mancha, em Toledo (Espanha), e especialista em crimen organizado, corrupción y terrorismo pela Universidade de Salamanca (Espanha).
Kelry D. Mazon é advogada criminalista, especialista em Direito Penal e Processo Penal Econômico pela PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico, 25 de outubro de 2022, 7h05
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