ConJur – Mário Spinelli: Eleições, corrupção e gestão pública – conjur.com.br

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Por Mário Spinelli
O Brasil viverá em 2022 uma das eleições presidenciais mais conturbadas de sua história. No centro do debate político, embora em menor intensidade em relação a 2018, estará a corrupção e suas consequências. E não poderia ser diferente. Há evidências científicas consistentes de que a corrupção, entre outros efeitos devastadores, piora a qualidade dos serviços públicos, amplia a vulnerabilidade social e inibe o desenvolvimento econômico. Mas, talvez, o mais grave de seus danos seja justamente ampliar a desconfiança da sociedade nas instituições democráticas e nos agentes do Estado.
Esse cenário tem reflexos na própria atuação dos órgãos de controle da administração pública. Muitas vezes, acaba por se criar uma espécie de assimetria de forças entre controladores e gestores, em que os primeiros fundamentam sua atuação nessa desconfiança  resultante da alta percepção à corrupção  enquanto aos últimos resta tentar provar, quando for o caso, sua boa-fé no exercício da função pública.
Não se pode obviamente menosprezar os efeitos da corrupção. Muito pelo contrário. Em uma nação com níveis alarmantes de desigualdade como o Brasil, ela ainda é mais cruel, impossibilitando aos mais pobres terem acesso a serviços públicos de qualidade.
Justamente por isso também é necessário fortalecer as regras do jogo político e as instituições de controle, aprimorando sua atuação e diminuindo as oportunidades para que gestores mal-intencionados possam se beneficiar indevidamente do dinheiro público.
Também é preciso fortalecer a transparência e garantir o acesso a informações públicas, de modo a permitir que a sociedade se consolide como um ator relevante, monitorando a atuação dos gestores e a forma pela qual o recurso proveniente dos impostos é utilizado.
Sendo assim, o controle adequado é essencial à boa gestão, porém, seja ele interno ou externo, quando aplicado de forma exagerada e desproporcional sobre o gestor público de boa-fé, traz como resultado direto, no mínimo, três fatores prejudiciais à eficiência administrativa.
Em primeiro lugar, tem crescido nos órgãos públicos o fenômeno conhecido como o "apagão das canetas". Ninguém quer decidir ou inovar com medo de ter sua decisão contestada no futuro e vir a sofrer as consequências disso.
Outro ponto importante é o afastamento de bons quadros e de gente honesta dos cargos de chefia e de confiança devido ao medo de eventuais responsabilizações por atos praticados, abrindo espaço para oportunistas de plantão – esses sim destemidos, justamente pelo fato de não terem nada a perder.
Por fim, a terceira e não menos danosa consequência é uma tendência de gestores passarem a decidir não conforme o que consideram a melhor para atender ao interesse público, mas sim pelo que acham que o controle julgará ser o mais adequado. É o gestor decidindo não em acordo com a boa técnica ou com informações qualificadas, mas sim com a cabeça do controlador.
De certo modo, as alterações ocorridas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e, mais recentemente, na Lei de Improbidade Administrativa, assim como os mecanismos administrativos, como é o caso dos termos de ajustamento de gestão, refletiram o desconforto existente, na medida em que estabeleceram, por exemplo, do dolo e do erro grosseiro como elementos subjetivos necessários à responsabilização pessoal do agente público.
Ou seja, parece bem claro que essa preocupação, além do Poder Legislativo, também chegou a muitos dos órgãos de controle, o que pode ser, sim, um bom sinal. Mas ainda é pouco. É preciso restabelecer o protagonismo que cabe à gestão pública e delimitar o papel do controle. Cada um dentro do papel institucional que lhe cabe.
Além disso, é necessário aprimorar a própria ação do controle para enfocar a prevenção e torná-la cada vez mais capaz de “separar o joio do trigo”. Ou seja, buscar dar ao controle a capacidade de detectar e punir severamente os que desviam recursos públicos para que a impunidade se torne um incentivo a tais práticas, e tratar com a devida cautela gestores que eventualmente cometem erros não intencionais e inerentes ao processo decisório, para os quais, muitas vezes, uma simples orientação ou recomendação pode ser o melhor caminho.
Em outras palavras, jogar em um mesmo balaio corruptos e gestores públicos de boa-fé que eventualmente cometem falhas não dolosas só serve para atender ao interesse dos primeiros, tão acostumados a se beneficiar impunemente da corrupção.
Não se quer aqui defender que gestores que falham não sejam punidos. Em certos casos, mesmo os erros não intencionais, diante de sua gravidade, demandam sim a devida atividade disciplinar. O que se precisa evitar são eventuais punições desproporcionais a erros que muitas vezes são inerentes ao processo decisório, àqueles que não produzem grandes prejuízos e que dos quais não decorre qualquer benefício pessoal aos envolvidos ou lesão grave ao interesse público.
O necessário fortalecimento do controle e, por conseguinte, dos mecanismos de combate à corrupção precisam ser ajustados, calibrados e repensados para que não se transformem em um obstáculo a uma gestão pública eficiente, transparente, inovadora e atenta às demandas sociais. Ou seja, a melhoria do setor público brasileiro e o próprio combate efetivo à corrupção passam obrigatoriamente pelo fortalecimento da gestão e uma ressignificação de sua relação com o controle público. E esse tema precisa fazer parte do debate político.
 é professor da Escola de Administração de Empresa de São Paulo da FGV e atual diretor executivo de Compliance Regulatório na ICTS Protiviti (empresa especializada em soluções para compliance, investigação, gestão de riscos, proteção e privacidade de dados), ex-ouvidor-geral da Petrobras, ex-controlador-geral do município de São Paulo e ex-controlador-geral de Minas Gerais.
Revista Consultor Jurídico, 13 de setembro de 2022, 15h04
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