ConJur – Ronan Ramos Jr.: Polarização política e o Direito – Consultor Jurídico

0
25

Por Ronan Ramos Júnior
O que você, operador do Direito, diria a uma pessoa que está vivenciando um conflito surgido da polarização política? Qual a sua explicação sobre o aparecimento repetitivo dessa contenda e qual a sua recomendação para lidar com a situação? É isto o que o artigo pretende responder.
O país urge pela transformação do ambiente carregado, e por vezes até mesmo hostil, da polarização. Há de surgir alguém ou alguma instituição a assumir a responsabilidade em alterar o quadro. Meu palpite é o de que os operadores do Direito não podem se furtar da missão. Os americanos têm falado em civil disagreement, uma espécie de etiqueta social para conversas difíceis sobre temas importantes entre pessoas que pensam diferente. E como os brasileiros têm pensado em lidar com o fenômeno?
Feita a provocação inicial, cumpre salientar que não há receita fácil para evitar briga quando o assunto é política. Mas há de ser feito algo diferente para impedir rupturas abruptas em relações interpessoais entre entes queridos e há de se fazer algo urgente para evitar a violência.
A título de comparação, podemos rememorar os Estados Unidos, que depois de dificuldades econômicas e sociais, como a grande depressão em 1929 e a segunda guerra mundial, 1939-1945, passaram a acreditar na insuficiência das instituições formais, doutrinas e leis para lidar com os problemas sociais, econômicos e políticos. E então, a corrente de pensamento conhecida como realismo legal começou a compreender de forma sistemática como as controvérsias surgiam e como eram tratadas para, a partir daí, desenvolver a teoria e a prática que complementariam as respostas dadas pelas instituições [1].
No Brasil, impulsionadas pela Resolução nº 5, de 2017, do Ministério da Educação, que tornou obrigatória a oferta de disciplinas consensuais de solução de conflitos, as escolas de Direito vêm se dedicando com afinco ao estudo da teoria do conflito e negociação, assim como ocorreu décadas atrás nos Estados Unidos. E como resultado, o que se vê atualmente no nosso país é o crescente desenvolvimento da negociação e da mediação no cotidiano do profissional do Direito.
Baseado na efervescência brasileira em relação aos métodos de solução de controvérsias, apresento abaixo uma espécie de roteiro simplificado para o operador do Direito entender como surge e o que pode ser feito frente a um conflito oriundo da polarização política. E para ficarmos na mesma página, destaco que uma relação será conflituosa quando os envolvidos buscarem metas e objetivos incompatíveis ou algum deles assim o perceber. Importante notar que a percepção é chave na conformação do conflito. Independentemente do certo ou errado, da certeza ou não em relação a algum evento, o que conta para a configuração do conflito é a percepção dos envolvidos em relação à existência de uma incompatibilidade entre eles [2].
Dito isto, até mesmo uma despretensiosa conversa sobre ideologia política pode vir a configurar uma desavença. E há quem recomende nestas circunstâncias, que o melhor a fazer é pensar em termos de lidar com a controvérsia, ao invés de resolvê-la; pois se alguém critica valor fundamental de determinada pessoa, é como se essa crítica fosse sentida pelo indivíduo como algo pessoal [3]. E com a identidade e a autovalorização em risco, restariam poucas opções: defender-se ou atacar.
Não é de outra maneira que a polarização política se inicia:
(a) Uma crença arraigada é ridicularizada, o indivíduo percebe o abalo em sua própria identidade e se sente ameaçado;
(b) de modo a manter o sistema de crenças, a pessoa pode distorcer acontecimentos e negar fatos;
(c) também para manter a integridade das crenças e do próprio senso de identidade, explicações rígidas são utilizadas para justificar as ações próprias e dos outros indivíduos, e surgem os estereótipos;
(d) geralmente o que a pessoa não gosta nela, projeta no outro;
(e) a outra parte é desumanizada, tratada como inimigo, e
(f) a manutenção do conflito se torna central para a identidade de cada lado  antagonista. E, de modo a manter os próprios valores, as pessoas mantêm acesa a disputa [4].
Alguma semelhança com a vida real? Bem, não será mera coincidência. Trata-se de padrão no surgimento e escalada de conflito envolvendo choque de valores. E o que fazer ao ser constatado esse tipo de conflito?
(1) Pondere o melhor momento para conversar e evite culpar o outro;
(2) assuma que a outra pessoa é racional;
(3) escute verdadeiramente o outro lado;
(4) não reaja;
(5) trate o outro com respeito e diferencie a ideia da pessoa;
(6) havendo hostilidade, tente acordo para aliviar a tensão;
(7) tente acordo sobre como se relacionarão;
(8) pergunte para entender o outro ponto de vista;
(9) encontre e use valor comum entre vocês, e
(10) reflita e mantenha o olhar prospectivo para eventual reconciliação — pode ser que alguma ideia seja revista.
Inspirado por Victor Hugo e a ideia de que "seja como for o hoje, a paz será o amanhã", espero que galguemos passos na compreensão dos fenômenos conflituosos para melhor prevenir, se necessário; resolver e conter a violência da polarização política, de modo que vivenciemos com satisfação os debates da boa e velha política, com cordialidade e sem violência.
[1] MENKEL-MEADOW, Carrie. Roots and Inspirations: a brief history of the foundations of dispute resolution. In MOFFITT, Michael; BORDONE, Robert. The handbook of dispute resolution. San Francisco: Jossey-Bass, 2005
[2] ENTELMAN, Remo. Teoría do conflictos: hacia un nuevo paradigma. Barcelona: Gedisa, 2005.
[3] FISHER, Roger; KOPELMAN, Elizabeth; SCHNEIDER, Andrea. Beyond Machiavelli: tools for coping with conflict. New York: Penguin Paperbacks, 1996.
[4] SUSSKIND, Lawrence; FIELD, Patrick. Dealing with an angry public: the mutual gains approach to resolving disputes. New York: The Free Press, 1996.
 é mediador de conflitos pela Harvard Law School, doutorando em Direito pela UFMG e associado no escritório Faleck & Associados.
Revista Consultor Jurídico, 20 de outubro de 2022, 17h04
0 comentários
Anderson Almeida: A responsabilidade criminal dos influencers
Fernando Fernandes: WhatsApp golpista e contenções do Supremo
Streck e Berti: A OAB de Cascavel e a liberdade de expressão
Ronaldo do Lago: Desinformação a serviço do poder

source

Leave a reply