ConJur – Souza e Szelbracikowski: 2º semestre tributário no STF – Consultor Jurídico

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Por Hamilton Dias de Souza e Daniel Corrêa Szelbracikowski
Em agosto, o Supremo julgou constitucionais as taxas de fiscalização e controle sobre a extração de minérios — TFRM (ADIs 4785, 4786 e 4787). De acordo com o tribunal, "a observância do princípio da proporcionalidade impõe não equivalência estrita, mas, sim, equivalência razoável entre o valor da taxa e os custos da atividade estatal". "Surge aceitável, portanto, alguma folga orçamentária, a fim de que o custeio da fiscalização de atividade desenvolvida com fins lucrativos puramente particulares não seja arcado pela sociedade como um todo." Além disso, a taxa teria "natureza extrafiscal", por desincentivar atividades potencialmente degradantes ao meio-ambiente.
O julgamento rompe com a doutrina até então existente na Corte a respeito de taxas de fiscalização. Conforme decidido, dentre outros, no julgamento da taxa de fiscalização sobre recursos hídricos (TFRH — ADI 5.374), o valor arrecadado com as taxas deveria ser equivalente ao custo da fiscalização, sem a possibilidade de enormes folgas orçamentárias, como é a hipótese das TFRM. O entendimento gera outras perplexidades: (i) confunde o poder de polícia sobre a atividade de mineração, de competência exclusiva da União (ANM), nos termos do artigo 20, IX, da CF, com o poder de polícia ambiental, este sim de titularidade concorrente dos estados (artigo 225 da CF). Logo, se a taxa decorre do suposto efetivo poder de polícia (fiscalização) sobre a atividade minerária, sua competência é da União, não dos Estados; (ii) valida a utilização de base de cálculo — quantidade de minério extraído — própria de imposto (ICMS), o que é vedado pelo art. 145, §2, da CF; e (iii) justifica a taxa em função da lucratividade do particular e ignora, com isso, que o particular poderia, em tese, ter prejuízos com a atividade, o que, por óbvio, não afastaria a cobrança de eventual taxa (válida) que tem como fato gerador não a lucratividade, mas sim a contraprestação por uma atividade estatal, o que revela a fragilidade do fundamento.

No mesmo mês, a Corte reafirmou a inconstitucionalidade da alíquota de ICMS sobre energia elétrica e comunicação superior à alíquota geral (ADIs 7.111)[1] com prospecção de efeitos a partir de 2024, ressalvadas as ações ajuizadas até o início do julgamento, e decidiu reexaminar, em repercussão geral, a possibilidade de incidência do ITBI sobre cessão de direitos de compra e venda (ARE 1.294.969).

Em outubro, o STF julgou inconstitucional a taxa de segurança pública do Distrito Federal, denominada Taxa de Segurança para Eventos (ADI 2692). O entendimento segue a jurisprudência do Supremo quanto à inviabilidade de remuneração do serviço de segurança pública mediante taxa (artigo 145, II, CF/88).

Em dezembro, o plenário assentou a inconstitucionalidade de taxa municipal de fiscalização de torres e antenas de comunicação (RE 776.594). O entendimento fundamentou-se na competência constitucional exclusiva da União para legislar sobre a fiscalização de telecomunicações e exploração dos serviços correlatos (artigo 22, VI), assim como para criar o órgão regulador. Aos municípios seria possível, apenas, a instituição de eventual taxa pela regulação de uso, parcelamento e ocupação do solo. A decisão foi tomada com eficácia prospectiva, a partir da publicação da ata de julgamento, ressalvadas as ações em curso sobre o tema. O julgamento segue o entendimento da doutrina e de alguns precedentes anteriores do Tribunal, porém não afasta a oscilação jurisprudencial do STF a respeito das taxas. Afinal, a mesma ratio decidendi deveria ter sido aplicada ao caso julgado, meses antes, a respeito da TFRM, o que, conforme acima visto, não ocorreu.

No mesmo mês, o STF julgou constitucionais as Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003, por compreender que as restrições ao aproveitamento de créditos de PIS/Cofins não ofenderiam a não-cumulatividade referida no artigo 195, § 12 da CF (RE 841.979). Na ocasião, fixou as seguintes teses: "I. O legislador ordinário possui autonomia para disciplinar a não cumulatividade a que se refere o artigo 195, § 12, da Constituição, respeitados os demais preceitos constitucionais, como a matriz constitucional das contribuições ao PIS e Cofins e os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança; II. É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a discussão sobre a expressão insumo presente no artigo 3º, II, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 e sobre a compatibilidade, com essas leis, das IN SRF nºs 247/02 e 404/04. III. É constitucional o § 3º do artigo 31 da Lei nº 10.865/04".
O julgamento ignorou que o §12 do art. 195 é categórico ao afirmar que, definidos os setores, as contribuições "serão não-cumulativas". Logo, a norma constitucional tem "eficácia contida" apenas em relação à definição dos setores sujeitos ao regime não-cumulativo ("lei definirá os setores"), não, porém, em relação à técnica da não-cumulatividade, que deve guardar coerência com o critério material da hipótese de incidência previsto no próprio texto constitucional como sendo "receita ou faturamento" (artigo 195, I, 'b' da CF/88). Não há falar, portanto, em “eficácia limitada” da técnica da não-cumulatividade. A eficácia é contida, havendo certa margem de discricionariedade do legislador ordinário restrita à definição dos setores sujeitos ao regime não-cumulativo de apuração de determinadas contribuições, entre as quais as que incidem sobre a receita ou o faturamento, como é o caso do PIS e da Cofins. Feito isso, a regra constitucional da não-cumulatividade aplica-se por inteiro, de forma vinculada e sem qualquer restrição. Afinal, "não-cumulatividade" que gere "cumulatividade" na cadeia, tal como ocorre em decorrência das diversas limitações impostas pelas leis 10.637/02 e 10.833/03, constitui uma contradição não apenas jurídica, mas semântica! Além disso, a Corte, quando do julgamento do RE 607.642, já havia alertado quanto à necessidade de atuação do Poder Legislativo para racionalizar o sistema não cumulativo dessas mesmos contribuições, ocasião em que declarou estar em curso um processo de "inconstitucionalização". Ocorre que, após cinco anos do início daquele julgamento, o legislador não adotou qualquer providência para mitigar o problema e, para piorar, o Fisco editou inúmeras normas infralegais[2] que limitaram ainda mais o direito ao aproveitamento de créditos. Ao não se atentar para a materialização, no plano dos fatos, da inconstitucionalidade já vislumbrada, a Corte não apenas foi omissa, mas também incorreu em contradição em relação aos fundamentos deduzidos no supracitado RE 607.642.

O STF também julgou constitucional a contribuição previdenciária, devida pelo produtor rural pessoa física, incidente sobre a receita bruta (Funrural) em substituição à folha de pagamentos (ADI 4.395). Apesar de, por apertada maioria (6 a 5), validar a contribuição, em linha com precedentes do STF sobre o tema, o Tribunal ao menos declarou inválida a sub-rogação prevista no art. 30, IV, da Lei 8.212/91, de sorte a dispensar que a empresa adquirente recolhesse a contribuição em nome do produtor.

Ainda em dezembro, sob a condução do decano do Tribunal, ministro Gilmar Mendes, o STF homologou relevante acordo entre a União, os Estados e o Distrito Federal relativamente ao ICMS sobre os combustíveis (ADPF 984 e ADI 7.191). Em linhas gerais, houve consenso quanto à essencialidade do diesel, gás de cozinha e gás natural, de sorte que os Estados não poderão tributá-los com suas alíquotas máximas. Relativamente à gasolina, a falta de acordo possibilita que sua alíquota seja superior à normal. Outrossim, os Estados e o Distrito Federal poderão optar entre alíquotas "ad rem" ou "ad valorem". Os entes subnacionais renunciaram, ainda, à possibilidade de “cobrar diferenças não pagas pelos contribuintes, pela desconformidade artificialmente criada pela média dos últimos 60 meses, e, na mesma medida, propõem que lhes seja assegurada que não poderão ser instados a restituir eventuais valores cobrados a maior, desde o período de início de efeitos da medida legal até 31 de dezembro de 2022”. Este último aspecto representa um verdadeiro distinguishing em relação ao já decidido pelo STF nos temas 201 e 1060 de repercussão geral, tendo em vista razões de segurança jurídica. Não houve, porém, consenso a respeito da incidência do ICMS sobre a Tust e a Tusd, nem em relação às compensações financeiras da União pelas perdas de arrecadação dos estados em decorrência das últimas alterações legislativas, o que deverá ser objeto de novas negociações. Nada obstante os pontos não equacionados, o pacto representa uma predisposição de todos os envolvidos a, de boa-fé, solucionar um grave problema federativo, comportamento típico de um federalismo de cooperação — e não de competição — entre as unidades federadas e a União. Trata-se de importante resultado obtido pelo STF, no final deste ano, em sua nobre e essencial função de guardião da federação.
Destacamos, por fim, julgamentos que, embora iniciados em 2022, foram interrompidos por pedidos de destaque ou vista e serão retomados no próximo ano: (i) observância das regras de anterioridade tributária para cobrança do Diferencial de Alíquotas do ICMS nas operações interestaduais (ADI 7.066); (ii) trava de 30% na extinção da pessoa jurídica (RE 1.357.308-AgR); (iii) limites e eficácia da coisa julgada em relações tributárias de trato sucessivo (RE 949.297 e RE 955.227), (iv) exigibilidade do PIS e da Cofins sobre as receitas financeiras das instituições financeiras (RE 609.096), (v) modulação dos efeitos da decisão que assentou a impossibilidade de incidência de ICMS no mero deslocamento de mercadorias ente estabelecimentos do mesmo contribuinte (ADC 49) e (vi) fim do voto de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais — Carf (ADIs 6.399, 6.415 e 6.403). Esses são alguns dos julgamentos que atrairão a atenção dos tributaristas em 2023, ano em que o protagonismo do Supremo, em matéria tributária, deverá ser dividido com o Congresso em função do retorno da "reforma tributária" à pauta do país. Desejamos que seja um novo ano de bons debates e avanços!
[1] Bem como nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 7108, n. 7109, n. 7110, n. 7111, n. 7112, n. 7113, n. 7114, n. 7116, n.7118, n. 7119, n. 7120, n. 7121, n. 7122, n. 7124, n. 7125, n. 7126, n. 7127, n. 7128, n. 7129, n. 7130, n. 7131 e n. 7132.
[2] A título exemplificativo, podem ser citadas as Soluções de Consulta DISIT/SRRF06 6014/22 (créditos decorrentes de dispêndios com aluguéis de veículos); COSIT 175/21 (créditos decorrentes de dispêndios com frota própria para distribuição a clientes); DISIT/SRRF08 8004/20 (créditos decorrentes de comissão sobre vendas); COSIT 84/20 (créditos decorrentes de dispêndios com despesas de propaganda relacionadas à atividade de revenda de bens); etc.
 é advogado, sócio fundador da Advocacia Dias de Souza e da Dias de Souza Advogados Associados e mestre e especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).
 é sócio da Advocacia Dias de Souza, mestre em Direito Constitucional pelo IDP e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.
Revista Consultor Jurídico, 25 de dezembro de 2022, 9h38
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