ConJur – STM desobedece STF e não fornece áudios da ditadura, diz advogado – Consultor Jurídico

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Por Sérgio Rodas
O advogado Fernando Augusto Fernandes alegou ao Supremo Tribunal Federal que o Superior Tribunal Militar vem descumprindo decisão que determinou a liberação, na íntegra, de áudios de sessões de julgamento da corte militar durante a ditadura (1964-1985).
Em 2017, o Supremo atendeu a pedido de Fernandes e decidiu que o STM havia descumprido ordem da corte ao limitar o acesso a áudios de sessões. O tribunal militar só permitia consulta a gravações de julgamentos públicos, mas foi obrigado a abrir inclusive as falas de ministros e sustentações orais durante sessões secretas.
Com a decisão do STF, o ministro do STM José Coêlho Ferreira entregou a Fernandes um disco rígido externo contendo dez mil horas de gravações dos julgamentos. Outros pesquisadores receberam cópias do arquivo, como o professor Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Leandro Lacerda, mestrando na faculdade Universo.
Recentemente, a jornalista Miriam Leitão, do jornal O Globo, noticiou o conteúdo de áudios do STM em sua coluna. Outros veículos publicaram reportagens sobre as gravações. Os textos levantaram suspeitas de que faltam gravações nos arquivos entregues a Fernandes, cuja pesquisa sobre os áudios está em estado avançado de fichamento e transcrição dos processos.
O advogado menciona diversos casos julgados pelo STM durante a ditadura, dos quais ele localizou acórdãos e outros documentos, cujos áudios não foram a ele disponibilizados.
"A manutenção de material escondido, ocultando parte da história, permite o clima que se vê na sociedade de terraplanismo histórico, camuflando sevícias, sofrimentos e abusos e gerando um saudosismo falso de tempos em que a lei não era observada, os direitos humanos, afrontados sistematicamente, e a legalidade, inexistente. A história exige de todos nós a consolidação da democracia, com todos os contornos que ela exige, de respeito as instituições e ao Supremo e suas decisões, aos direitos individuais e sociais", afirma Fernandes.
Assim, o advogado pediu que o STM forneça acesso a todas as suas gravações de julgamentos desde a década de 1970.
Verdade histórica
O caso teve início em 1997, quando o criminalista Fernando Fernandes solicitou ao STM registros sonoros para um estudo. O pedido foi negado, com o argumento de que as gravações não integram os processos e são de uso interno do tribunal. Na época, ao descobrir sustentações orais do jurista Sobral Pinto, o advogado conseguiu copiar o material ao esconder um rolo de fita no banheiro do STM e buscá-lo mais tarde.
Fernandes recorreu ao STF (RMS 23.036), e a 2ª Turma liberou o acesso ao material em 2006, por entender que a Constituição Federal só permite a restrição da publicidade dos atos processuais quando houver a necessidade de defesa da intimidade da pessoa ou no interesse da sociedade e do Estado, o que não seria o caso dos autos.
O problema, segundo o advogado, é que o STM só atendeu parcialmente à decisão, sobre sessões públicas. Ele apresentou reclamação ao Supremo, e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, como amicus curiae, defendeu em sustentação oral que a transparência é necessária para permitir ao povo saber como se processaram julgamentos de presos políticos durante o regime militar.
Em 2017, o Supremo ordenou que o STM desse a Fernandes o livre acesso aos áudios de sessões secretas dos anos 1970. 
A relatora da reclamação, ministra Cármen Lúcia, disse que nem mesmo uma leitura apressada e superficial da decisão no RMS 23.036 permitiria concluir que o Supremo franqueou o acesso apenas a documentos relacionados à parte pública das sessões. Segundo a ministra, a decisão é explícita ao dispor sobre a ilegitimidade da exceção imposta. De acordo com a magistrada, a postura do STM contrariou a ordem constitucional vigente, que garante o acesso à informação.
Ao seguir a relatora e votar contra o sigilo dos áudios, o ministro Celso de Mello argumentou que a limitação imposta pelo STM "constituiu óbice injusto à recuperação da memória histórica e ao conhecimento da verdade".
Celso declarou que toda a sociedade tem direito de acompanhar, sem qualquer obstáculo administrativo, o esclarecimento de fatos ocorridos "em período tão obscuro de nossa história". Esse direito de acesso, afirmou ele, vale tanto para cidadãos quanto para meios de comunicação social e "qualifica-se como instrumento viabilizador do exercício da fiscalização social a que estão sujeitos permanentemente os atos do poder público".
Entendimento contrário, na visão do ministro, hoje aposentado, criaria obstáculo "à busca da verdade e à preservação da memória histórica em torno dos fatos ocorridos no período em que o país, o nosso país, foi dominado pelo regime militar".
Rcl 11.949
RMS 23.036

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 31 de janeiro de 2023, 17h36
3 comentários
Oliro Junior (Jornalista)
1 de fevereiro de 2023, 11h34
A transparência no Brasil está ferida de morte.
Assim como o STM reluta em cumprir decisão do STF, o que gera naturais desconfianças, o TSE, da mesma forma, não atende e esconde, de forma desesperada e estranha, os tais “códigos fontes” referentes às últimas eleições no Brasil. Tal comportamento gera, também, enormes desconfianças sobre a lisura do processo eleitoral, que na visão dos ministros é perfeito, inviolável e auditável. Porém, essa afirmação já foi categórica e indiscutivelmente comprovada ser falsa e insustentável. E, com a recusa do fornecimento dos “códigos fontes” só reforça a suspeita de que algo está muito errado. Eu, particularmente, assim como milhões de eleitores brasileiros, não conseguimos entender o porque de tanta resistência, Sem falar no pavor que ministros têm de ver implantado o voto impresso acoplado à urna eletrônica. Realmente um grande mistério.
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Vinicius Falanghe (Advogado Autônomo – Criminal)
1 de fevereiro de 2023, 15h24
O que o caro jornalista disse é uma retórica falsa e inapropriada!!! O código fonte é perfeitamente aberto e acessível, restando, inclusive, disponibilizado para órgãos que acompanham e fiscalizam o processo eleitoral… As próprias FFAA tiveram acesso ao tal código fonte e concluíram que nada havia de irregular… Meu caro, eu defendo o seu direito a apoiar o político ou partido político que for… A votar em quem desejar… A questionar o(s) outro(s) candidatos no que tange às suas ideias e ideologias, agora, faltar com a verdade, isso é absolutamente lamentável!!! Detesto essa expressão, mas trata-se das tais fake news, contra as quais o verdadeiros patriotas (não aquele bando de insanos e criminosos que destruíram as sedes dos 3 Poderes da República) tanto lutam para extirpar de nosso cotidiano… Meu caro, lute pelo que você acredita, mas seja sincero, principalmente consigo mesmo e deixe de espalhar inverdades… Olha o “Xandão” aí, heim…
Ondasmares (Prestador de Serviço)
1 de fevereiro de 2023, 2h45
Os militares continuam se achando acima da lei e não querendo que os brasileiros saibam toda a verdade sobre o longo período de ditadura que impuseram ao Brasil, como se fossem donos da história. Se não me engano, também não forneceram todos os documentos solicitados pela Comissão Nacional da Verdade. E, assim, continuamos covardemente atrás de países vizinhos que enfrentaram muito melhor que nós seus períodos ditatoriais, inclusive penalizando judicialmente ditadores, torturadores, assassinos e apropriadores de bebês. E, assim, prosseguimos sem consolidar plenamente a nossa democracia. O povo tem direito à memória e à verdade.
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