Corrupção. O humor de RAP e os alertas de peritos na conferência da PJ – Diário de Notícias

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O diretor nacional da PJ revelou um aumento de 33% o número de inspetores a investigar a corrupção e sublinhou que este “é um combate pelos direitos humanos”. Os riscos dos ajustes diretos, a falta de transparência da contratação pública e os avisos sobre o PRR foram deixados por três peritos.
Ricardo Araújo Pereira na conferência da PJ
Depois de ter deixado em suspense, com mais de uma hora de atraso, toda a mais alta hierarquia da Justiça portuguesa – Procuradora-Geral da República (PGR), Ministra da Justiça e diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Ricardo Araújo Pereira (RAP) usou o humor para falar de corrupção, o tema sério da conferência organizada pela PJ na sua sede nesta quinta-feira, sobre “A contratação pública e os riscos de corrupção”.
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Ficou surpreendido com o auditório esgotado – que se manteve assim com os outros três palestrantes – que o ouviu atentamente. Começou por lembrar um caso público para ironizar com decisões judiciais.
Referia-se ao chamado processo “Bragaparques”, de 2006, no qual o empresário Domingos Névoa foi absolvido de ter oferecido 200 mil euros ao vereador da Câmara Municipal de Lisboa (CML), José Sá Fernandes, em troca de favores num negócio de terrenos, porque os juízes consideraram que o vereador “não tinha competências legais nem poderes de facto” para aceder ao favor que era pedido – o de desistir da ação popular a contestar a permuta dos terrenos do Parque Mayer e da Feira Popular.
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“Ofereceu um suborno ao destinatário errado. Não é um badameco qualquer que consegue ser corrupto. Há requisitos a cumprir, formulários. Para o tribunal quem tenta subornar a pessoa errada não é corrupto, é palerma. É como um assaltante que assalta o banco errado. Não é ladrão, é distraído. Por outro lado, não é ladrão se for administrador de um banco. É preciso ser mesmo muito talentoso para se ser corrupto em Portugal, se não o tribunal não aceita”.
De acordo com os dados da Direção-Geral de Política de Justiça, em 2021 houve 25 condenados por crimes de corrupção (uma descida substancial em relação aos 98 de 2020 e aos 105 de 2019), tendo a maior parte (44%) tido penas suspensas. A prisão efetiva foram condenados apenas três arguidos.
Para o diretor nacional da PJ, Luís Neves “o combate contra a corrupção é uma luta pelos direitos humanos“, assinalando as “bolsas de pobreza e de gente que não tem grandes oportunidades” no país.
Frisou este alto dirigente que estão em causa “esquemas criminosos que debilitam as finanças públicas, que, por sua vez, impossibilitam posteriormente que a redistribuição da riqueza e o apoio aos mais desprotegidos possa ser eficaz”.
Salientou que a PJ colocou na esfera da corrupção 33% dos inspetores que entraram recentemente e assumiu que a responsabilidade da sua polícia é agora maior, uma vez que dispõe atualmente de mais meios e serão ainda reforçados.
O professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e presidente do Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, Pedro Costa Gonçalves, deixou avisos muito contundentes sobre os riscos dos ajustes diretos e consultas prévias.
Nestes procedimentos, explicou, “há um fenómeno de utilização abusiva” destes instrumentos, que, no seu entender “pode não implicar corrupção”, mas são “mais propícios a fenómenos de deslaçar das obrigações legais.
Temos “um Estado que contrata por convite na maioria dos casos. A ideia da concorrência, da igualdade de oportunidades, não acontece. É um amargo de boca“, lamentou.
Numa linha ainda mais pessimista esteve a jurista e ativista anticorrupção, Bárbara Rosa, autora do Blogue e do Livro «Má Despesa Pública», que subscreveu as palavras de Luís Neves quanto à “relação entre os direitos humanos e o combate contra a corrupção”.
Lamentou o atraso na entrada em funcionamento da Entidade para a Transparência, criada há já três anos; e na morosidade da operacionalização do novo Mecanismo de Prevenção da Corrupção (MENAC), o “braço armado” da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, em vigor desde março de 2021, mas que se encontra “em fase de instalação desde 23 de junho de 2022”, data da nomeação do seu presidente, conforme confirmou ao DN o próprio organismo.
“É esta a mensagem que querem passar?”, questionou. “A corrupção é endémica no nosso país. Não somos todos corruptos, mas a corrupção não está limitada a um só grupo. Há no futebol, nas autarquias, na administração central. É estrutural”, afiançou.
A fechar a conferência, Mário Tavares da Silva, vice-presidente da Estrutura de Missão “Recuperar Portugal” (PRR) e também perito em contratação pública, que trouxe um termo pouco conhecido, pelo menos dos não especialistas, para o debate: “colusão”, que traduz um conluio quando os candidatos a um concurso celebram acordos secretos entre si de forma a concertar propostas.
“Há um pacto de silêncio, uma omertà“, sublinhou. Sobre o PRR, garantiu que “está construído numa ótica de indicadores e mecanismos de verificação” de cumprimento de quem recebe os financiamentos. “Tem de ficar garantido que o dinheiro que é afetado é efetivamente aplicado nos projetos aprovados”.

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