Corrupção, prevenção e desigualdade (5) – Diário do Poder

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Nesta série de textos abordarei, de forma sucinta, vários temas relacionados com um dos mais relevantes problemas da realidade brasileira: a corrupção sistêmica. Não é o maior dos nossos problemas (a extrema desigualdade socioeconômica ocupa esse posto). Também não é momentâneo ou transitório (está presente em todos os governos, sem exceção, desde que Cabral chegou por aqui). Não está circunscrito a um partido ou grupamento político (manifesta-se de forma ampla no espectro político-partidário). Não está presente somente no espaço público (a corrupção na seara privada é igualmente significativa). Não será extinta ou reduzida a níveis mínimos com cruzadas morais ou foco exclusivo na repressão (será preciso uma ação planejada, organizada e institucional em torno de uma série de medidas preventivas). Não obstante esses traços característicos, tenho uma forte convicção. A construção de uma sociedade democrática, justa, solidária e sustentável, centrada na dignidade da pessoa humana em suas múltiplas facetas e manifestações, exige um combate firme, consistente e eficiente a essa relevantíssima mazela do perverso cenário tupiniquim.
Existe uma ampla e equivocada visão de que impera no seio da Administração Pública e dos Poderes Públicos, em sentido mais amplo, um ambiente de proteção ou corporativismo que implica na ausência de punições para os diversos ilícitos cometidos, salvo quando se tratam de casos de perseguição política ou pessoal. Essa percepção não encontra lastro na realidade, conforme atestam vários levantamentos acerca de sanções aplicadas.
Estes dados oriundos da Controladoria-Geral da União (CGU) demonstram o patamar quantitativo das sanções administrativo-disciplinares aplicadas no plano federal (entre 2003 e novembro de 2019): a) “expulsões” de estatutários: 7766 (casos de corrupção: 65%; abandono, inassiduidade e acumulação ilegal: 25%) e b) “expulsões” de celetistas das estatais: 8915 (Banco do Brasil: 3683; Correios: 2550; Caixa Econômica Federal: 1443).

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O quantitativo de condenações definitivas por improbidade administrativa também não referenda o aludido mito da impunidade. Com efeito, “entre 1995 e julho de 2016, foram proferidas 11.607 condenações definitivas por improbidade administrativa no curso de 6.806 processos em tramitação no Judiciário brasileiro, uma média de 903 decisões condenatórias por ano. Os números fazem parte de pesquisa realizada pelo Instituto Não Aceito Corrupção em parceria com a Associação Brasileira de Jurimetria. A imposição da perda da função pública – uma das sanções previstas pela Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) – esteve presente em 25,4% do total de condenações analisadas no levantamento” (fonte: stj.jus.br).
Ademais, são inúmeras as operações investigatórias realizadas com identificação e alcance de graduados agentes públicos envolvidos com a prática de ilícitos de alta envergadura.
Eis alguns exemplos de apurações conduzidas pela Polícia Federal e pela Receita Federal: operações Sete mares, Alquimista, Alter ego, Ártico, Dubai, Fractal, Máscara de ferro, Navio fantasma, Paraíso fiscal, Persona, Poseidon, Propinoduto, Protocolo fantasma, Trem fantasma, Vulcano e Zelotes. Nessas atividades foram constatados(as): a) fraudes ao comércio exterior com interposição fraudulenta de terceiros; b) recebimento de propinas para a não lavratura de autos de infração; c) alterações de dados em sistemas informatizados (para redução ou eliminação de dívidas, obtenção de certidões de regularidade, realização de compensações de créditos, produção de cadastros livres de restrições, etc); d) desvios de mercadorias apreendidas; e) liberação irregular de mercadorias importadas; f) gerenciamento de empresas privadas com a utilização de informações privilegiadas; g) retardamento de julgamentos administrativos; h) exportações fictícias e i) substituição de carga importada por uma carga clone, mais barata, com mesmo peso e mesmo número de volumes.

A famosa Operação Faroeste ilustra ocorrências investigatórias no âmbito do Judiciário. Nesse caso, segundo denúncia apresentada pelo Ministério Público, desembargadores e juízes do Tribunal de Justiça da Bahia estavam envolvidos num esquema criminoso voltado para regularizar terras na região oeste da Bahia por intermédio da compra de decisões judiciais.
Entre vários outros, o escândalo dos anões do orçamento promoveu uma enorme exposição das entranhas corruptas do parlamento brasileiro. Esse esquema teve enorme repercussão por ter sido o primeiro no qual os parlamentares investigaram seus próprios colegas na CPI do Orçamento. Segundo as investigações, os deputados apresentavam emendas na Comissão do Orçamento. Entidades fantasmas eram utilizadas para receber recursos públicos e empreiteiras favorecidas nos processos licitatórios. Consta que as operações eram comandadas pelo deputado baiano João Alves, que afirmou, para espanto geral, ter ganho 56 vezes na loteria só em 1993. Não é de se estranhar que as emendas parlamentares estejam no centro do absurdo “orçamento secreto” nos dias atuais.
No combate às quadrilhas de maior porte são comuns: a) refinadas ações de inteligência; b) operações policiais de porte considerável, inclusive com utilização de termos ou expressões bem vistosos para identificação midiática e c) medidas conjuntas articuladas por vários órgãos públicos distintos.

Os exemplos apontados mostram a existência de uma intensa atividade estatal de combate à corrupção e outras formas de malfeitos. Dois pontos precisam ser destacados: a) ausência de noticiário detalhado na imprensa, até mesmo em razão de sigilos legais e b) deficiências de várias ordens que ainda persistem (organizacionais, institucionais, normativas, orçamentárias, pessoal, etc). Fundamentalmente, importa frisar, estamos diante de uma guerra desigual contra um ambiente social e institucional produtor de corrupção e malversação em larga escala. Registra-se, nessa linha e desde já, um dos eixos dessa série de escritos: a necessidade de estabelecer a preponderância das ações preventivas em relação às providências repressivas.

Aldemario Araujo Castro é advogado, mestre em Direito e procurador da Fazenda Nacional.

Poder, política e bastidores, sem perder o bom humor. Desde 1998.

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