Corrupção, prevenção e desigualdade (9) – Diário do Poder

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Nesta série de textos abordarei, de forma sucinta, vários temas relacionados com um dos mais relevantes problemas da realidade brasileira: a corrupção sistêmica. Não é o maior dos nossos problemas (a extrema desigualdade socioeconômica ocupa esse posto). Também não é momentâneo ou transitório (está presente em todos os governos, sem exceção, desde que Cabral chegou por aqui). Não está circunscrito a um partido ou grupamento político (manifesta-se de forma ampla no espectro político-partidário). Não está presente somente no espaço público (a corrupção na seara privada é igualmente significativa). Não será extinta ou reduzida a níveis mínimos com cruzadas morais ou foco exclusivo na repressão (será preciso uma ação planejada, organizada e institucional em torno de uma série de medidas preventivas). Não obstante esses traços característicos, tenho uma forte convicção. A construção de uma sociedade democrática, justa, solidária e sustentável, centrada na dignidade da pessoa humana em suas múltiplas facetas e manifestações, exige um combate firme, consistente e eficiente a essa relevantíssima mazela do perverso cenário tupiniquim.
A corrupção e as malversações envolvendo o Poder Público e seus agentes praticamente tomam todo o espaço de notícias, reflexões e ações nessa área. A chamada “corrupção corporativa”, envolvendo empresas privadas nas suas relações entre si e com os consumidores de produtos e serviços, tradicionalmente é colocada numa posição secundária, quando não é solenemente ignorada. Nesse mundo, posto propositalmente de lado, prosperam inúmeros, variados e milionários casos de fraudes e deturpações.
Ademais, existe uma questão de fundo de especial importância. Trata-se de um enfoque, inclusive amplificado pela grande imprensa, no sentido de que a ação estatal é essencialmente nociva e a atuação do mercado e seus atores privados é basicamente virtuosa. Uma das formas mais eficientes de construir essas imagens como dominantes no âmbito social consiste em focar a atenção nos agentes públicos (remunerações e regimes previdenciários) e praticamente esconder, pelo esquecimento proposital, os agentes privados.

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O artigo 12 da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, ratificada pelo Brasil em 2005, orienta os Estados no rumo da adoção de medidas preventivas contra a corrupção privada e da fixação de sanções cíveis, administrativas e criminais. Entre as medidas propostas, merecem destaque: a) “prevenir os conflitos de interesse impondo restrições apropriadas, durante um período razoável, às atividades profissionais de ex-funcionários públicos ou à contratação de funcionários públicos pelo setor privado depois de sua renúncia ou aposentadoria quando essas atividades ou essa contratação estejam diretamente relacionadas com as funções desempenhadas ou supervisionadas por esses funcionários públicos durante sua permanência no cargo” e b) “velar para que as empresas privadas, tendo em conta sua estrutura e tamanho, disponham de suficientes controles contábeis internos para ajudar a prevenir e detectar os atos de corrupção e para que as contas e os estados financeiros requeridos dessas empresas privadas estejam sujeitos a procedimentos apropriados de auditoria e certificação”.
Vários países integrantes da União Europeia criminalizaram a corrupção privada (Alemanha, Itália, França e Espanha, entre outros). Atualmente, a ordem jurídica brasileira não contempla a hipótese. Entretanto, existem algumas importantes proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional em relação ao assunto. O Projeto de Lei n. 236, de 2012, do Senado, trata da instituição de um novo Código Penal. O Projeto de Lei n. 455, de 2016, do Senado, altera o Código Penal para prever o crime de corrupção privada. O Projeto de Lei n. 4.628, de 2020, do Senado, tipifica a corrupção privada no ordenamento jurídico brasileiro.
No Brasil, existem dois diplomas legais que funcionam como instrumentos sancionadores da corrupção no âmbito privado. A Lei n. 12.529, de 2011, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, seguindo os princípios constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso de poder econômico. Já a Lei n. 9.279, de 1996, que regulamenta a Propriedade Industrial, veicula um rol de tipos penais que constituem crimes de concorrência desleal.

Cumpre observar a existência de atenção crescente no Brasil e no mundo para a implementação, no âmbito das empresas privadas, de mecanismos de governança e compliance. São instrumentos de gestão estratégica voltados para o desenvolvimento de um ambiente, refratário à corrupção, de boas práticas empresariais, fiscalização permanente e melhoria dos processos de trabalho.

Aldemario Araujo Castro é advogado, mestre em Direito e procurador da Fazenda Nacional.

Poder, política e bastidores, sem perder o bom humor. Desde 1998.

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