Criticar presença de Janja na transição é machismo? Colunistas opinam – UOL Confere

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Do UOL, em São Paulo
12/11/2022 21h45
A crítica à presença da socióloga Rosângela Silva, a Janja, nas agendas de seu marido, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante os compromissos da transição de governo foi um dos temas mais comentados nas redes sociais hoje.
Ontem, a jornalista Eliane Cantanhêde, do canal GloboNews, disse que existe um “incômodo com o excesso de espaço” de Janja nos eventos da transição.

“Ela já começou a participar de reunião, já vai dar palpite e daqui a pouco ela vai dizer quem pode ser ministro. Isso dá confusão. Se é assim na transição, imagina quando virar primeira-dama”, opinou a jornalista, que comparou Janja a Ruth Cardoso, esposa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quem governou o Brasil entre 1995 e 2002.
Eliane disse que Ruth “não tinha protagonismo, não tinha voz nas decisões políticas e, se tinha, era a quatro chaves dentro do quarto do casal”. “Eu acho que o bom exemplo de primeira-dama foi a Ruth Cardoso, que, como a Janja, tinha o brilho próprio. Era professora universitária, uma mulher respeitada na área dela, mas não tinha protagonismo.”
Quem não gostou da fala da jornalista foi a presidente do PT, a deputada federal reeleita Gleisi Hoffmann. “Me apavora o machismo incrustado na cabeça de mulheres ditas esclarecidas”, escreveu em sua página no microblog Twitter.
Eliane respondeu e disse que é “ridículo” atribuir machismo a sua fala. “Meu feminismo está no DNA e na vida inteira. Elogiei Janja. Apenas distingui relação pessoal de função pública”, escreveu no Twitter.
Colunistas do UOL analisaram a polêmica envolvendo a crítica a Janja. Confira as opiniões:
Criticar a presença de Janja na transição é feminismo, ao contrário do que tentam nos ensinar alguns queridos homens, incomodados com a presença feminina conquistada em pé de igualdade e não pelo casamento.
Já passou o tempo em que as conquistas femininas eram obtidas por meio do casamento com um homem poderoso. Creio que as mulheres têm a liberdade de optar pelo fatalismo machista, mas não podem avocar que sua posição de privilégio conquistada por casamento seja feminismo.
Michelle Bolsonaro sabe exatamente o lugar que ocupa, o de mulher ajudadora do homem, que está onde está porque o homem com quem casou teve conquistas profissionais. Janja está exatamente no mesmo lugar, embora esboce um discurso diferente. Não passa de fantasia.
Há inúmeras mulheres que lutaram muito para conquistar seu espaço na política sem que fosse por meio do casamento ou parentesco. Voltar ao tempo em que a legitimidade da mulher depende do homem com quem ela se casa é um retrocesso para todas nós.
Não faz sentido comparar Janja com nenhuma outra primeira-dama. Os tempos são outros e lutamos para que mulheres ocupem cada vez mais espaços.
Se ela tem competência para exercer determinadas funções, não faz sentido esperar que ela se restrinja a ficar “entre quatro paredes”.
Já se foi o tempo em que o papel da mulher de um candidato ou de um presidente era dormir com ele ou ser uma figura decorativa
O debate sobre a conveniência ou não da participação de Rosângela da Silva, a Janja, futura primeira-dama do Brasil, nas reuniões de transição do futuro governo é, antes de tudo, irrelevante. Em meio a tantos problemas graves que fustigam os brasileiros, controlar os supostos excessos da esposa do presidente eleito não é nem de longe uma prioridade.
Não há dúvida de que Janja é passível de críticas, assim como todas as figuras públicas. Mas o fato de sua atuação incomodar a alguns poucos correligionários de Lula não é motivo para drama —e nesses tempos em que as mulheres se mostram cada vez mais insubmissas diante de padrões pré-estabelecidos, essa reclamação pode, sim, soar como machismo.
O petismo enxergou machismo numa crítica à opção preferencial que Janja fez pelos refletores. Alega-se que os críticos deveriam se orgulhar da nova primeira-dama, uma socióloga com mestrado.
Em vez de encrencar com a crítica, Lula e seus amigos fariam melhor se contassem para Janja uma experiência vivida pela antecessora Marisa Letícia.
Quando chegou ao Alvorada, Marisa mandou plantar no quintal do palácio de Niemeyer uma estrela vermelha. Virou notícia por desfigurar com símbolo do PT um projeto de jardinagem doado a Juscelino Kubitschek pelo imperador japonês Hiroito. Para evitar ações judiciais, madame recuou.
Marisa aprendeu a lição. Durante os dois primeiros mandatos de Lula, foi uma primeira-dama de mostruário. Não buscava os refletores. Só ganhava visibilidade nas situações em que o cerimonial da Presidência exigia.
Janja segue outro padrão. Foi acomodada no gabinete de transição. Diz-se que cuidará das festividades da posse.
Mulher de presidente que se mete em atividades de governo costuma descobrir da pior maneira que a virtude pode ser apenas um trissílabo como con-fu-são. Quem pressionou o número 13 na urna elegeu Lula, não a sua mulher


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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