De como o carnaval da Bahia se tornou baiano – Jornal Correio

0
51

Durante mais de quatrocentos anos o Carnaval da Bahia foi forâneo, marcado por influências de outros países e de outros estados da federação. Recebeu modelos e influências de Portugal, França, Nigéria, Alemanha, Itália, Cuba, Estados Unidos (Hollywood), Jamaica, Pernambuco e Rio de Janeiro. Somente na década de 1970 é que começou a ser construída a baianidade, consolidada nas duas décadas seguintes. O Carnaval de Salvador é ressignificado, a partir de experiências estéticas e musicais dos baianos, e passou a ter um modelo próprio, chegou a ser uma marca Made in Bahia.
A primeira influência foi ibérica, ainda no século XVI. Os jesuítas implantaram a cultura do Carnaval, estratégia de aproximação com os Tupinambás, para facilitar a catequese. A linguagem corporal e rítmica própria da festa seduziu os índios. A partir do século XVII o Carnaval de rua de Portugal passou a ser nosso modelo. Chamava-se entrudo. Consistia em molhar uns aos outros, lançando contra o corpo laranjas e limões de cera, contendo água perfumada, fabricados pelos escravos e comercializados por eles, a serviço de seus senhores.
No século XIX, o entrudo conviveu com o que se chamou de Carnaval, para diferenciar. Entrudo era na rua, Carnaval nos salões, inicialmente da Associação Comercial da Bahia (1844) e depois no Teatro São João. Nos salões o modelo era francês, especificamente parisiense, com músicas e coreografias semelhantes à dos bailes masqué do Teatro de Ópera da capital francesa. A partir de 1884, na tentativa de abolir o entrudo, o governo oficializou o Carnaval de rua e o modelo continuou francês. O Carnaval oficial seguiu o padrão do Carnaval de Nice, tão elogiado na época por Dom Pedro II.
Nice foi a inspiração dos carros alegóricos, porém, os enredos dos desfiles, inspirados em epopeias heroicas e com trilha de marchas militares e dobrados marciais, demandou fantasias de guerreiros –fardamentos- com seus capacetes, armas e escudos, fabricadas na Alemanha que passou a ter influência na confecção das alegorias e figurinos de nosso Carnaval. A influência batava se consolidou com o modismo dos lança-perfumes fabricados pela Rhodia. A França continuou a influenciar o Carnaval de rua com a invenção dos confetes (os de gesso e papel), serpentinas, batalhas das flores e os desfiles de corsos.  E o Carnaval dos salões incorporou os personagens da commedia dell’arte veneziana.
O Carnaval dos blocos afros – surgem em 1895 – sofreu o impacto das nações africanas, em especial da Nigéria. A Festa da Rainha de Lagos chegou a ser tema do desfile dos Pândegos da África, em 1897. Desfilavam com carros alegóricos, tão luxuosos quanto o dos clubes da elite; diferenciavam-se nos enredos e nos cânticos em nagô, pioneirismo da música cantada no Carnaval da Bahia. Os demais blocos interpretavam somente música instrumental, foi assim até a segunda metade da década de 1970.
A partir da década de 1930, nosso Carnaval passou a ser carioca na sua musicalidade e nos figurinos. Nos clubes e na rua prevaleciam as marchinhas e sambas do Rio de Janeiro e os ritmos cubanos, assim foi até o início da década de 1950, quando fomos impactados pelo frevo pernambucano. Dodô & Osmar criaram o trio elétrico e desfilaram interpretando o frevo e as marchinhas do Rio. Duas décadas após, o frevo pernambucano passou a ser baiano, na temática e no ritmo repaginado a partir do diálogo entre as guitarras e a percussão.
Nas décadas de 1960 e 70, o nosso Carnaval recebeu a influência do cinema americano; impactou as fantasias, na rua e nos salões, e impactou os blocos que surgiram inspirados nos filmes das arábias e do faroeste de índios. O Carnaval já era baiano, já tinha a sua própria personalidade, quando o reggae jamaicano, década de 1990, lhe deu o compasso que marcou o samba-reggae, a derradeira influência forânea, transformadora na musicalidade, nas coreografias e na gestualidade dos foliões na avenida.
* Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras.
***
Em tempos de desinformação, o CORREIO continua produzindo diariamente informações nas quais você pode confiar. E para isso precisamos de uma equipe de colaboradores e jornalistas apurando os fatos e se dedicando a entregar conteúdo de qualidade e feito na Bahia. Já pensou que você além de se manter informado com conteúdo confiável, ainda pode apoiar o que é produzido pelo jornalismo profissional baiano? E melhor, custa muito pouco. Assine o jornal.

Exclusivo para Assinantes

Agenda Bahia

Casacor

Simulados e vídeo aula …

Destinos

Eu, Corredor

source

Leave a reply