Derrota para Lula leva bolsonarismo a assumir seu desprezo pela democracia – UOL Confere

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em países como Timor Leste e Angola e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). Diretor da ONG Repórter Brasil, foi conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão (2014-2020) e comissário da Liechtenstein Initiative – Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos (2018-2019). É autor de “Pequenos Contos Para Começar o Dia” (2012), “O que Aprendi Sendo Xingado na Internet” (2016), ?Escravidão Contemporânea? (2020), entre outros livros.
Colunista do UOL
03/11/2022 01h30
Nem bem Jair Bolsonaro perdeu a eleição e a extrema direita que o apoia cerceou o direito de ir e vir de milhões de brasileiros, usou crianças como escudo humano em São Paulo e pediu golpe militar com expurgo de adversários. Em outras palavras, a derrota levou o bolsonarismo a se despir da fantasia e assumir publicamente seu desprezo pela democracia.
Agora, imaginem o que aconteceria se ele tivesse ganho. Por mais incômodos que pareçam, os bloqueios de caminhoneiros bolsonaristas e as manifestações de extrema direita que reuniram milhares de pessoas na frente dos quartéis com o intuito de contestar as eleições não se comparam ao que seria a assustadora instalação de um estado autoritário. O que certamente ocorreria com mais quatro anos de Bolsonaro, pelo que é possível ver pelo comportamento de seus seguidores mais fiéis.

Mas uma tentativa de um golpe (que já nasce inviável devido ao reconhecimento da vitória de Lula pelas instituições brasileiras, os governos estrangeiros e o grosso dos investidores e do empresariado) é menos preocupante do que um golpe em si. Isso, nossa democracia suporta.
Durante quatro anos, o malabarismo retórico de aliados do presidente tentou vender a falsa ideia de que eram apenas alguns poucos malucos que defendiam “intervenção militar” nas manifestações bolsonaristas. As imagens em frente aos Comandos Militares do Leste e do Sudeste, no Rio e em São Paulo, respectivamente, mostraram que não são. A diferença é que, agora, seguidores radicais de Jair perderam o pudor de assumirem seu golpismo. E, em alguns casos, o seu fascismo.
Bolsonaro adubou seu rebanho com uma realidade paralela através de narrativas enviadas por redes sociais e aplicativos de mensagens. Praticamente, proibiu o consumo de informação por outras fontes, o que poderia ter fornecido a eles uma visão mais plural da sociedade em que vivem.
Ao mesmo tempo, preparou terreno para insurreição ao vender a seus seguidores mais radicais mentiras como aquelas que contaram que urnas eletrônicas eram fraudadas, pesquisas manipuladas e até inserções de propaganda eleitoral foram roubadas. Ensinou que deveriam aceitar qualquer teoria da conspiração que vá ao encontro das “verdades” que ele fomentou.
Agora, bem treinados, terão muita utilidade em 2023, podendo ser enviados por ele à rua para emparedar o governo diante de mentiras.
Mas se o comportamento golpista diante da derrota para Lula é uma demonstração de força da extrema direita, também mostra ao restante da sociedade a verdadeira face desse grupo – que atropelaria a democracia se pudesse e, depois, ainda daria ré para passar por cima dela uma segunda vez.
Para muitos brasileiros, o comportamento de mau perdedor tanto do presidente da República (que não teve coragem de reconhecer a derrota) quanto de seus seguidores (que não aceitaram o resultado das urnas) fez com que passassem a ser vistos como “golpistas” e “intolerantes” pela maioria moderada da população.
Acompanho grupos de eleitores de Bolsonaro no WhatsApp e tão logo a bandeira do golpe foi hasteada, um intenso conflito foi gerado neles. Pois uma minoria estridente e antidemocrática tentou, sem sucesso, convencer os outros que deveriam exigir que os militares saíssem às ruas. Ouviram como resposta que as eleições haviam acabado e que esse tipo de confusão era ruim para o Brasil.
Esse eleitor de Bolsonaro que não concorda com violência e não deseja quebra institucional vai desempenhar um papel importante a partir do ano que vem. Eles são as pessoas que não votaram em Lula, mas preferem um governo escolhido pelas urnas do que um regime imposto pela força. Não podem ser tratados como golpistas, mas sim como democratas – sob o risco de serem acolhidos pelos golpistas.
Esses sim não podem ter tolerados em sua intolerância sob o risco de a intolerância vir, em algum momento, destruir a tolerância.
As instituições precisam desde já punir quem está financiamento os bloqueios de caminhoneiros (sim, eles contam com empresários com recursos) e identificar quem são as lideranças que incentivam os atos golpistas em frente aos quartéis. E leva-los à Justiça – afinal, quem conspira contra a democracia não pode ficar solto por aí.
Não se trata apenas de acalmar os ânimos após a eleição, mas garantir que o país não seja um campo de batalha dominado pela mentira e o ódio a partir de 2023, desviando as prioridades nacionais, como o combate à fome, à inflação, ao desmatamento, ao baixo crescimento, à desigualdade social.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
Leonardo Sakamoto
Leonardo Sakamoto
Leonardo Sakamoto
Leonardo Sakamoto
Isabel Harari e Leonardo Sakamoto
Leonardo Sakamoto
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Leonardo Sakanoto

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