Do deboche ao clássico: Como o Brasil se tornou o país da Fórmula 1 – UOL Esporte

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Como o Brasil se tornou o país da Fórmula 1
O GP de São Paulo, na semana passada, reforçou mais uma vez a importância do Brasil no calendário da Fórmula 1. Mais de 200 mil pessoas foram a Interlagos durante o final de semana, um novo recorde, e viram pilotos desfilarem com bandeiras e camisas amarelas antes e depois de uma corrida sprint e outra tradicional movimentadíssimas. Um desses pilotos, aliás, literalmente se tornou brasileiro: Lewis Hamilton aproveitou a semana no Brasil para receber o título de cidadão honorário.
A valorização do Brasil na F1, porém, está longe de ser recente. O ano de 2022 marcou o cinquentenário do título mundial que foi a pedra fundamental do país na categoria. O Brasil já havia marcado presença nos primórdios da categoria, ainda nos anos 1950, com Chico Landi, depois Gino Bianco, Nano da Silva Ramos e Fritz D’Orey. No entanto, se há um antes e depois da representatividade brasileira no esporte, o marco é a temporada de 1972.
Foi quando o país viu Emerson Fittipaldi ser coroado o campeão do mundo mais jovem da história, marca que manteve até os anos 2000. E em que recebeu os carros da categoria máxima do automobilismo pela primeira vez. Dias depois de mais uma disputa épica em Interlagos, com recorde de público mesmo sem um piloto brasileiro no grid desde 2017, está claro que essa história cinquentenária ainda terá vários capítulos.
Não que associar a Fórmula 1 ao Brasil sempre tenha sido tão natural. Quando Fittipaldi vendeu a fábrica de volantes que tinha com o irmão Wilson e foi para a Europa no final dos anos 1960, havia até certa curiosidade sobre como eram as corridas que eles disputavam tão longe da Europa, o berço do automobilismo. Quem conta essa história é Reginaldo Leme, outro pilar dessa guinada brasileira no início dos anos 1970.
Leme era setorista do Palmeiras no caderno de esporte do jornal O Estado de S. Paulo, em 1968. Apaixonado por automobilismo, sempre esteve ligado nas competições do esporte a motor, e, principalmente, no início da carreira do promissor Emerson, que estreou na F1 em 1970. As informações na época eram tão escassas que o jornalista dependia da ligação de colegas do exterior e boletins de rádio.
Não à toa, Reginaldo Leme recebeu a notícia da primeira vitória brasileira na Fórmula 1, pelas mãos de Emerson em Watkins Glen, nos Estados Unidos, em 1970, sentado numa lanchonete na famosa Rua Augusta, em São Paulo. Não demorou para o profissional ligar os pontos e apresentar ao Estadão, em 1972, um projeto de cobertura internacional, o que seria o começo de uma história que se confunde com a da categoria no país —como a de Emerson Fittipaldi.
“Emerson estava ganhando de países que tinham indústria automobilística de primeira linha, o que nós não tínhamos. A gente estava engatinhando nas duas ou três marcas que tinham vindo instalar fábricas. Se falamos que o Brasil é terceiro mundo hoje, na época era quinto, sexto, comparado com o resto da F1. Eu ia entrevistar pilotos como o Jackie Ickx, e ele falava comigo com um tom de desprezo. Por mim e pelo Emerson. Talvez, se ele fosse um cara diferente, que não soubesse lidar com isso, a história não seria a mesma.”
Quando Emerson fala de seu começo na Europa, costuma citar “os três mosqueteiros”. “Éramos eu, o Wilson e o Moco, e meu sonho era chegar na F1, nem imaginava que poderia vencer lá”, contava, emocionado, ao ser homenageado pelos 50 anos do primeiro título. Wilson é seu irmão, Wilson Fittipaldi, que pilotou na F1 e depois fundou a Copersucar. Moco é José Carlos Pace, piloto talentoso que morreu cedo em um acidente de avião, o “estrangeiro” em uma história que, nos anos 1970, foi quase um caso de família —e hoje dá nome ao Autódromo de Interlagos.
Era o pai de Emerson, o Barão Wilson Fittipaldi, quem narrava as corridas do filho no rádio. O único registro do primeiro título mundial do Brasil na F1, aliás, é justamente na voz embargada dele. Uma grande preocupação de Emerson era que seu pai acabasse narrando um acidente fatal seu, afinal aquele início dos anos 1970 foi a época mais mortal da história da F1, e o piloto cogitou parar de correr logo depois de ser campeão justamente por isso.
“Nós estávamos juntos, havia umas dez, 15 pessoas no Instituto Brasileiro do Café, em Milão, O Emerson falou para o pai e para o [irmão] Wilsinho: ‘Acho que basta. Cheguei aqui e ganhei o campeonato. Não vou continuar'”, lembra Reginaldo Leme. A família do piloto, mesmo temerosa, insistiu para que ele continuasse.
O que se seguiu foi uma carreira corajosa. Fittipaldi seria bicampeão em 1974 e deixaria a McLaren após o vice-campeonato do ano seguinte, já uma das grandes estrelas do esporte, para apostar no projeto de seu irmão de ter uma equipe brasileira na F1. A Copersucar durou, entre nomes diferentes, entre 1975 e 1982, conquistou três pódios e teve nomes como um tal de Adrian Newey, que se tornaria o maior projetista da história da categoria.
Os capítulos mais conhecidos da história do Brasil na Fórmula 1 seriam escritos nos anos 1980 e 1990, quando o país passou de estranho no ninho a criador de campeões mundiais. Nelson Piquet estreou no final dos anos 70 e foi campeão em 81, 83 e 87, quando já tinha uma rivalidade com aquele que seria um dos maiores esportistas brasileiros, Ayrton Senna, que também conquistaria três títulos (em 88, 90 e 91). Após a morte de Senna, Rubens Barrichello assumiu a responsabilidade de levar a bandeira brasileira ao lugar mais alto do pódio, seguido de Felipe Massa, com ambos chegando a vice-campeonatos nos 2000.
Foi nos anos 1980, também, que a F1 se aproximou mais do Brasil, chegando a fazer testes de pré-temporada no Rio de Janeiro até 1989, último ano de Jacarepaguá no calendário antes do retorno de Interlagos. Oficialmente, isso aconteceu porque o calor do verão carioca seria um teste e tanto especialmente para os pneus, e também por questões logísticas, já que as etapas brasileira e argentina eram as primeiras da temporada.
Mas em uma época em que a F1 não se levava tão a sério e nem havia tanto assim a se testar (imagine que várias equipes andavam mais de uma temporada com o mesmo carro, sem o sem-número de atualizações de hoje), dava para dar umas voltinhas na pista, e aproveitar a praia. É por essas e outras que a parceria que parecia improvável entre o país do samba e o mundo da velocidade acabou dando liga.
O sucesso nas pistas e a sorte com os horários das corridas, que raramente batiam com o futebol, foram solidificando a presença da F1 na TV aberta brasileira, o que até hoje é um diferencial. Assim, um esporte de elite se tornou o segundo maior em um país de terceiro mundo, e um fator foi puxando o outro: com o sucesso nas pistas, a TV e as empresas brasileiras apostavam na F1, e a F1 apostava no Brasil também, o que criou o ambiente para mais histórias de sucesso.
Em 1980, com o crescimento de Piquet, a TV Bandeirantes comprou os direitos de transmissão e se tornou a primeira emissora a transmitir uma temporada inteira da Fórmula 1 e com corridas na íntegra. Na época, o sucesso de Piquet logo fez a Globo oferecer um caminhão de dinheiro para outro nome importante nesta história, Bernie Ecclestone.
O chefe de Piquet na Brabham era quem negociava os direitos de TV em nome das equipes e também fechava os contratos com os promotores dos GPs, o que fez com que ele se tornasse o dono dos direitos comerciais e homem mais importante da categoria. Ao longo dos anos, Ecclestone foi ficando mais ligado ao Brasil e também a outro personagem chave, Tamas Rohonyi, húngaro radicado no Brasil e que promovia o GP por aqui.
Com o passar dos anos, Ecclestone e Rohonyi foram estreitando laços comerciais de maneira benéfica para a longevidade do Grande Prêmio do Brasil. Inclusive com uma dispensa do pagamento de uma taxa anual milionária, nos últimos anos do contrato final assinado pelo britânico antes da venda da F1 para a Liberty Media, no final de 2016.
Os brasileiros vibravam nas arquibancadas pela bela corrida de Felipe Nasr, aguentando na pista seca com pneus de chuva para salvar a Sauber do último lugar do mundial de construtores. E também celebravam a carreira de Felipe Massa, que tinha anunciado sua aposentadoria da F1. Nos bastidores, no entanto, estava se iniciando uma crise que só seria resolvida anos depois.
A Globo, que ajudava a bancar o GP Brasil, tinha decidido retirar o investimento e não renovar o contrato que terminaria em 2020. Grandes empresas, como Petrobras e Banco do Brasil, apoiador de Nasr, estavam de saída também, dificultando não só a continuidade do piloto, mas também a chegada de jovens talentos. A aliança de Ecclestone com Rohonyi também perdeu força com a venda dos direitos comerciais aos investidores norte-americanos, que tiveram uma surpresa quando verificaram as contas da categoria e descobriram aquela taxa milionária que o Brasil deveria pagar para receber a prova até o final do contrato, também em 2020, mas que Bernie tinha tinha aberto mão.
Dá para entender por que a relação entre o Brasil e a Liberty Media não começou nos melhores termos. Ou no melhor dos momentos. Felipe Massa ainda seria chamado de volta à Williams e faria a temporada 2017 mas, de lá para cá, o país não teve mais pilotos titulares. Até quatro meses antes dos dois últimos laços com a F1 (os contratos do GP e dos direitos de transmissão) acabarem, não havia uma solução.
Até que o governo do estado e a prefeitura de São Paulo se mexeram, a Liberty se convenceu que o novo promotor do GP brasileiro, Alan Adler, não era “da turma do Bernie”, e o GP foi salvo, mudando de nome para GP de São Paulo devido ao investimento público local. Isso atraiu a TV Bandeirantes que, em fevereiro de 2021, às vésperas do início do campeonato, fechou um contrato de dois anos, estendido depois por mais três. O GP e a emissora, então, puderam surfar na onda mundial de renovação do público da categoria, o que se viu nos 230 mil torcedores que bateram o recorde de público em Interlagos neste mês, além dos ingressos para 2023 esgotados em minutos. Imagine se agora também vier um outro piloto como Fittipaldi para ajudar a construir os próximos 50 anos.
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