Drummond versou sobre a arte do futebol e anteviu sua perversão política nas Copas – UOL

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‘Abraçaço’, de 2018, pintura de Daniel Lannes feita em óleo sobre linho Reprodução
Foi, então, aos 28 minutos do segundo tempo, no fim da tarde daquele 24 de novembro que, pela lateral esquerda, a seleção avançava para o ataque. Das cadeiras do estádio Lusail, no Qatar, quase 89 mil pessoas fitavam a trajetória da bola, saindo da trivela de Vinicius Júnior para o pé esquerdo de Richarlison que, num voleio, afundou as redes da Sérvia para garantir a vitória do Brasil por dois a zero.
O Pombo no ar —levita e logo decai. “São voos de estátuas súbitas,/ desenhos feéricos, bailados/ de pés e troncos entrançados./ Instantes lúdicos: flutua/ o jogador, gravado no ar”, diz o poema “Futebol”, de Carlos Drummond de Andrade, nascido há 120 anos.
Era sobretudo arte, como indicam os versos de Drummond, incluídos no livro “Quando É Dia de Futebol”. Organizado há 20 anos pelos netos do autor, Luis Mauricio e Pedro Augusto Graña Drummond, a coletânea, agora relançada pela editora Record, reúne poemas e crônicas, que documentam as campanhas da seleção em Copas, entre 1954 e 1986.
Gauche, Drummond mostrou coerência ao torcer para o Vasco da Gama, mas seu entusiasmo pelo esporte aparecia mesmo de quatro em quatro anos. Na visão do poeta, o futebol era uma realidade incognoscível. “Confesso que o futebol me aturde, porque não sei chegar até o seu mistério”, ele escreveu em “Mistério da Bola”.

Drummond sugere a ideia de ilusão como força estruturante da imprevisibilidade do esporte. Os dribles de Garrincha e de Pelé, os dois ídolos do poeta, eram tão ilusórios quanto o voleio de Richarlison, que agora parece sem sentido —uma escultura desmantelada.
“Para Drummond, o jogo de futebol era sobretudo algo estético”, diz Edmílson Caminha, que estuda a obra do poeta há 40 anos e assina o prefácio do livro. “Ele admirava o espetáculo do ponto de vista artístico, como se estivesse assistindo a um balé.”
Não por acaso, a segunda parte do poema “Copa do Mundo de 1970” fala em uma “geometria astuciosa/ aérea, musical, de corpos sábios/ a se entenderem, membros polifônicos/ de um corpo só, belo e suado”. No mesmo poema, o eu-lírico indica sua participação no jogo. “Assistir? Não assisto. Estou jogando./ na contusão da coxa/ na dor do gol perdido.”
Como espectador, Drummond resumiu a recepção estética do futebol ao escrever o verso “é longe e em mim”. Em diferentes escalas, a eliminação do Brasil, depois da disputa de pênaltis contra a Croácia, foi sentida de maneira similar pelo torcedor que estava no estádio Cidade da Educação ou na frente da TV.
Anterior à devoção da torcida, está a centralidade do futebol na cultura brasileira. Por consequência, a seleção reuniu todo o sentimento de identificação do povo com o esporte. É a paixão una, acima dos amores clubistas.

Por isso, a Copa é uma festa nacional, calcada na expectativa do triunfo. Nesse sentido, vislumbramos nas partidas duas ambivalências, uma em decorrência da outra. Em primeiro lugar, o futebol é, por definição, um esporte de emoções extremas. Não à toa, a segunda fase da Copa é apelidada de mata-mata —é vencer ou perder, matar ou morrer.
Depois, a plasticidade do jogo se articula em sentidos opostos. De início, há a dimensão ilusória do encantamento, como os passes açucarados de Messi, da Argentina, ou as arrancadas de tirar o fôlego do francês Mbappé. Num outro extremo, está a rispidez do futebol, refletida nas disputas de bola de Modric, da Croácia, e nos cortes do zagueiro Marquinhos.
Poucas vezes, o povo brasileiro se entregou tanto a uma Copa quanto em 1982, quando a seleção de Zico e Sócrates encantou o mundo, mas foi eliminada pela Itália. Na crônica “Rio Enfeitado”, Drummond saudava as ruas da cidade, “uma floresta de faixas e bandeiras”. Com frequência, o autor recorre à imagem da “chuva de papeizinhos picados” para representar a alegria ou a tristeza.

Ao longo dos anos, o sentimento de identificação com o time brasileiro diminuiu. Depois do sete a um, talvez nunca tenha alcançado um patamar tão baixo. Nessa Copa mesmo, os enfeites em verde e amarelo não tomaram conta de tantas ruas.
“Os pentacampeões, que não foram à homenagem ao Pelé no Qatar, sentaram no camarote com o presidente da Fifa enquanto os ídolos da Argentina estavam na torcida deles”, diz o ex-jogador e colunista deste jornal Walter Casagrande Júnior. “Nós não tivemos nem torcida, era um grupo de pessoas disfarçado de torcedores, querendo mesmo é aumentar seguidores nas redes sociais, então não tem identificação nenhuma, não há respeito com o torcedor brasileiro.”
Enquanto a camisa amarela vestia os jogadores nos estádios do Qatar, grupos de brasileiros se reuniam com o mesmo uniforme para pedir, nas portas dos quartéis, uma intervenção militar.
Na coletânea, Drummond anteviu a relação entre política e futebol, sobretudo antes da Copa de 1970, quando o Brasil vivia sob a ditadura de Emílio Médici. Irônico, o poeta sugeriu, na crônica “Seleção, Eleição”, dar a cada jogador da Copa um ministério. Agora, Casagrande pensa que o bolsonarismo está presente no time, sobretudo na figura de Neymar, que cria uma antipatia com o torcedor.

“Se o Brasil tivesse vencido a Copa, acho que Bolsonaro usaria o título para motivar o golpe, o título seria usado pelo governo como ocorreu em 1970”, afirma Casagrande. Segundo o comentarista, Neymar é uma influência negativa para as novas gerações, exercendo seu poder também sob uma perspectiva estética —descolorir o cabelo, usar brincos e fazer dancinhas.
Embora jogadores de outros times adotem estilo similar, Casagrande vê o caso do Brasil como um modismo, ditado pelo craque da equipe.
“Neymar apoia um presidente que quer dar golpe, diz que está triste pela eliminação, mas faz festa quando chega ao Brasil”, afirma. “Então, não seriam alguns jogos que fariam a camisa amarela voltar a ser respeitada, até porque o time não jogou bem em nenhum jogo, a camisa amarela está num limbo, foi muito forte a onda bolsonarista.”
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