É possível implicar Bolsonaro criminalmente por ataques aos Três Poderes? – JOTA

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Atos antidemocráticos
Em notas, ministros do STF falaram em punir autoridades, inclusive, anteriores
Politicamente, tem sido atribuída a Jair Bolsonaro (PL) a culpa por ter fecundado e encorajado os atos que culminaram no vandalismo de prédios dos Três Poderes e no terror instaurado em Brasília. Porém, do ponto de vista da responsabilidade criminal, ainda é incerto que os crimes cometidos por bolsonaristas sejam conectados ao ex-presidente. JOTA está acompanhando ao vivo os desdobramentos das invasões do Congresso, Senado e STF.
Desde os ataques, congressistas americanos pressionam pela saída de Bolsonaro dos Estados Unidos, onde ele chegou antes da posse, e falam na possibilidade de uma deportação, já que ele está sem um visto válido. Bolsonaro se antecipou e disse que retornaria ao Brasil antes do que previa.
O ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), evitou atribuir responsabilidade penal a Bolsonaro, apesar de ter afirmado que há clara influência política do ex-mandatário nas ações antidemocráticas. Na ação da Advocacia-Geral da União (AGU), Anderson Torres, até então secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, é a principal autoridade citada, acusado de omissão.
“Não há dúvidas de que Bolsonaro foi o grande instigador político de tudo o que ocorreu no 8 de janeiro. Porém, do ponto de vista da responsabilidade penal, é preciso que sua ações ou omissões implicassem uma forma de participação no evento, o que nem sempre é fácil provar”, avalia Gustavo Badaró, professor de Direto Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Os principais crimes relacionados à invasão são de tentativas de abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, e dar um golpe de Estado (artigos 359L e 359M do Código Penal) – as penas variam de quatro a doze anos de reclusão.
A prática de um crime se dá tanto por ação quanto por omissão. A segunda pode ser punida quando havia o dever de evitar o crime, ao ter a obrigação por lei de proteger e vigiar – caso de agentes públicos de segurança, por exemplo. “Do ponto de vista jurídico, Bolsonaro não tinha mais posição de garante, então não se fala em omissão, ainda que ele tenha participado de manifestações com pedidos de intervenção militar”, explica Badaró.
Por considerar que houve omissão dolosa, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afastou o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB) do cargo por 90 dias.
Porém, em nota divulgada pelo ministro após o início da quebradeira, ele diz que os ataques à democracia e às instituições republicanas serão responsabilizados, o que incluiria os financiadores e instigadores, além de “anteriores e atuais agentes públicos que continuam na ilícita conduta dos atos antidemocráticos”.
Já o ministro Gilmar Mendes também apontou, sem citar Bolsonaro nominalmente, para autoridades que deveriam ter atuado anteriormente contra manifestações antidemocráticas.
“A maior responsabilidade pelos atos (responsabilidade inclusive criminal) recai sobre as autoridades constituídas que, há tempos, deveriam, por dever de ofício, atuar para combater esse neofascismo tupiniquim”, afirmou o ministro em nota divulgada após a invasão.
Ele citou como exemplos que não foram coibidos manifestações pedindo intervenção militar, os atos “impatrióticos” de 7 de setembro nos últimos anos, até os atuais acampamentos golpistas, além do incêndio de ônibus que ocorreu no dia da diplomação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Para que haja responsabilização penal, precisa haver uma demonstração clara de que movimentos do passado levaram às ações desta semana. Trata-se do nexo de causalidade em que se baseia para uma punição. “Em um momento como esse, com ânimos acirrados, não podemos deixar de seguir o que prevê o devido processo legal”, afirma a advogada criminalista Flávia Rahal, sócia do escritório Rahal, Carnelós e Vargas do Amaral, em São Paulo.
“Com os fatos que temos até o momento, não dá para afastar a responsabilidade criminal de Bolsonaro. Mas a resposta vai depender de uma apuração factual, que permita aferir a vinculação de suas condutas aos crimes ocorridos. A percepção é de que a responsabilidade criminal existe; no entanto, pode não ser fácil prová-la”, afirma Rahal.
Em relação à observação de atos passados (como o apoio a manifestações antidemocráticas e falas contra ministros do STF) enquanto elementos que levaram às invasões, há ainda que se considerar um limite temporal.
Os artigos que tratam de golpe de Estado e abolição da democracia entraram em vigor em dezembro de 2021, em substituição à antiga Lei de Segurança Nacional. “Para que ele seja responsabilizado por esses crimes, precisaríamos olhar apenas para o que aconteceu desde então”, afirma o advogado criminalista Rodrigo Faucz, pós-doutor pela Universidade Federal do Paraná e habilitado para atuar no Tribunal Penal Internacional.
Nessa linha, ficariam de fora a participação em atos nos primeiros anos de governo e declaração sobre a possibilidade de que sem o voto impresso “nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos” em referência à invasão do Capitólio, em janeiro de 2021.
“Existem as figuras do autor direto e do participe, e ambos são considerados como sujeitos que cometeram o crime. Fica muito claro que uma investigação séria, considerando todas as manifestações do ex-presidente em que ele estimula a ideia, pode colocá-lo como participe, por sua atuação moral”, diz Faucz.
Por isso, na perspectiva dele, seria relevante uma investigação com quebra de sigilo e também entendendo, com as pessoas presas pelo atentado, se o discurso do ex-presidente estimulou os ataques. Também seria possível pensar na influência dele para a potencial omissão do ex-secretário de segurança pública do DF e ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
Bolsonaro também poderia responder por eventuais ações que fortaleceram movimentos antidemocráticos de forma isolada ou no âmbito do inquérito das milícias digitais, de relatoria de Alexandre de Moraes no STF.
Esse é um caminho visto como mais factível. “Bolsonaro responderia pelos mesmos crimes que os executores se houve uma incitação direta; seria necessária uma provocação explícita para que tais atos fossem praticados. Isso não o exime de responder pelos inúmeros outros crimes que possa ter praticado no exercício do mandato”, diz Pierpaolo Bottini, professor do Departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da Faculdade de Direito da USP.
Fora do campo penal, o subprocurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Rocha Furtado, pediu o bloqueio de bens de Bolsonaro para assegurar que, em eventual condenação a indenizar os cofres públicos pelos danos causados, existam recursos disponíveis. O mesmo pedido foi feito em relação a Ibaneis Rocha e Anderson Torres.
Já no campo eleitoral, depois dos atos golpistas de domingo, aumentaram as chances de que Bolsonaro seja considerado inelegível para o próximo pleito presidencial, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Letícia Paiva – Repórter em São Paulo, cobre Justiça e política. Formada em Jornalismo pela Universidade de São Paulo. Antes do JOTA, era editora assistente na revista Claudia, escrevendo sobre direitos humanos e gênero. Email: [email protected]
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