É preciso reconstruir a genuína política – Opinião Estadão

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06 de novembro de 2022 | 03h00
As eleições de 2022 não se caracterizaram somente pela ausência de propostas sobre temas relevantes para o País. Ao longo da campanha, verificou-se um fenômeno ainda mais deletério para a democracia: uma profunda despolitização da sociedade. Por isso, passada essa que foi a pior campanha eleitoral da história brasileira, é preciso reconstruir a política genuína, em suas variadas dimensões e modalidades.
Pode parecer extravagante que se fale em despolitização diante de um quadro de tão intensa polarização. Afinal, em praticamente todos os âmbitos da vida de cada cidadão, tudo – valores, comportamento e visão de mundo – parecia ser julgado e ditado pelas preferências de cada um, seja pelo petista Lula da Silva ou pelo presidente Jair Bolsonaro. Mas isso nada tem a ver com política republicana e democrática, aquela que, por maiores que sejam as divergências, opera sobre uma base comum de entendimento da realidade. No embate das eleições passadas, o que se viu foi a conversão do cotidiano – familiar e profissional – em arena permanente de luta política, na qual o divergente é tratado como inimigo a ser destruído. Isso trai não uma cultura democrática, e sim uma pretensão totalitária. 
A campanha eleitoral do bolsonarismo usou essa tática à farta. Para evitar falar de política – isto é, do diagnóstico sobre o País e das correspondentes propostas nas diversas áreas –, o presidente Jair Bolsonaro trouxe à arena eleitoral temas alheios ao exercício da Presidência da República, como liberdade religiosa e liberdade de expressão. A ideia era gerar engajamento entre seus apoiadores e despistá-los a respeito do que, de fato, ia ser decidido nas urnas. Era, portanto, um paradoxo. A polarização política, que aparentemente envolvia a população com os temas discutidos na campanha eleitoral, era apenas um truque para não falar sobre o que verdadeiramente importa numa campanha: a política.
Ausente nas eleições de 2022 e necessitada de urgente resgate, a política republicana e democrática refere-se ao debate, à articulação e à organização da sociedade a respeito de seus interesses, desafios e prioridades. Trata-se de um tema fundamental, com muitos aspectos e camadas. Pode-se dizer que a necessidade da política, isto é, dessa mobilização e organização social em torno dos assuntos públicos, é reflexo dessa realidade basilar de um Estado Democrático de Direito: todo o poder emana do povo. A política é expressão da cidadania.
Entender bem essa realidade é um antídoto contra o sofisma, constante em todos os populismos, de que haveria uma oposição entre instituições e vontade popular. A organização e a articulação políticas de uma sociedade proporcionam precisamente a representatividade da população nas instituições democráticas – que, por isso mesmo, são chamadas de instituições democráticas. Elas estão informadas pela vontade popular, que se organiza e se expressa por meio da política.
O cenário das eleições de 2022 representa, portanto, um grande desafio para os partidos políticos, cuja razão de existir é justamente debater, organizar e articular politicamente os interesses da população. Por isso, quando proíbe a existência de candidaturas independentes, a Constituição de 1988 não está criando um requisito burocrático, mas reconhecendo e assegurando um aspecto central da democracia representativa. Os interesses da população devem ser organizados politicamente e ser defendidos de forma coletiva, não individual. Nesse sentido, é sintomático que Jair Bolsonaro tenha sido incapaz de criar seu próprio partido e que, ao longo de toda sua trajetória política, tenha passado por tantas legendas.
Mas a necessária politização da sociedade não se relaciona apenas com partidos ou com o âmbito estatal. Seu fundamento é a participação cívica, nas mais diversas esferas associativas e colaborativas. A política não se faz apenas nos palácios e Parlamentos. Ela é feita nas entidades de classe, nas instituições civis e beneficentes, nas associações de moradores, nos variadíssimos coletivos e projetos sociais existentes. Dessa forma, o resgate da política significa também a revalorização da esfera cívica e do protagonismo dos cidadãos. Não há atalhos. Esse é o caminho para preservar e fortalecer nossa democracia.
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