Ediane Maria: mulheres negras vieram para ficar na vida política – Opera Mundi

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São Paulo (Brasil)
2022-10-21T15:15:00.000Z
Nascida em Floresta, no sertão pernambucano, Ediane Maria veio a São Paulo aos 18 anos para ser empregada doméstica e babá, foi resgatada da condição de trabalho análogo à escravidão, tornou-se líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e acaba de ser eleita deputada estadual por São Paulo com 175.617 votos. 
Não haverá retrocesso, e trajetórias como a dela vieram para ficar na vida política brasileira, afirma Ediane, em entrevista ao jornalista Haroldo Ceravolo Sereza, programa SUB40 desta quinta-feira (20/10). 
“Várias transformações estão acontecendo. São Paulo elegeu a primeira empregada doméstica para a Assembleia Legislativa, a primeira mulher trans negra, uma mulher indígena e um líder dos sem-teto para o Congresso Nacional”, celebra, referindo-se à própria eleição e às de Erika Hilton, Sonia Guajajara e Guilherme Boulos, todos pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). 

A pernambucana chegou a São Paulo em 2002, ano da primeira eleição do conterrâneo Luiz Inácio Lula da Silva, para ser babá e empregada doméstica na casa da filha da patroa de sua mãe em Floresta. Só conseguiu sua primeira carteira de trabalho assinada graças à Emenda Constitucional 72, mais conhecida como PEC das domésticas, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2015, no início da agitação política que culminaria no golpe de 2016.
“Fiquei em cárcere, saí resgatada pelos bombeiros. Toda vez que tentava falar para alguém, via que as pessoas tinham pressa, não tinham tempo, ninguém queria saber. É uma ferida que não vai se fechar”, rememora o trabalho na casa em que tinha que abrir a bolsa antes de sair, de 15 em 15 dias. “Tinha que sair no horário estipulado e voltar no horário que foi marcado. Eu não tinha uma chave para entrar na casa quando chegasse ou para que pudesse comprar um pão na rua”, contou.
Conquistou o primeiro registro profissional depois de 12 anos de trabalho sem férias, décimo terceiro salário ou pagamento ao INSS. “Para mim era normal, foi ensinado que era normal daquele jeito. Quando veio a PEC das domésticas, falei: espera aí, eu não tenho só deveres, tenho direitos”, lembra. 
O resgate da PEC destruída no pós-golpe é uma de suas bandeiras, ao lado da maior de todas, o combate à fome, em que já se empenha com o projeto Cozinha Solidária, de alimentação gratuita, instalado em 34 locais de 11 estados do país. 
A invisibilidade e o silenciamento imperaram e ajudaram a bloquear o sonho inicial da migrante nordestina, de terminar o ensino médio e se tornar professora. Em lugar disso, encontrou segregação: “quantas mulheres sofrem violência e ninguém quer saber? Não houve apartheid em São Paulo, mas a divisão existiu. Minhas amizades aqui se restringiram às meninas que trabalhavam na limpeza, aos zeladores e porteiros, aos meninos que trabalhavam no ônibus”.
Moradora da periferia de Santo André e mãe de quatro filhos com idades entre 21 e 13 anos, Ediane terminou o ensino fundamental em 2015, o mesmo ano da conquista dos direitos trabalhistas.
“Minha filha já estava fazendo Etec (Escota Técnica Estadual), hoje faz engenharia na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Quando Lula fala que o filho da empregada doméstica vai ser engenheiro e doutor, é disso que a gente está falando”, afirma.
Conheceu o MTST na fila do programa Leve Leite, da prefeitura paulistana, quando esperava alimentação que sobrasse para o filho maior que sete anos (o limite de idade imposto pelo programa). Espontaneamente, começou a reivindicar direitos e a atuar na organização da fila que só via aumentar: “levantei, reclamei, não acho justo sair com as mãos vazias. Começa essa luta, e uma companheira do MTST disse: ‘você gosta de brigar’. Algumas pessoas têm medo, não é engraçado? Eu não sabia que isso era militância, que lutar pelo direito dos outros era fazer militância”. 
O contato com o MTST foi transformador desde o princípio, proporcionando-lhe o resgate de solidariedade e pertencimento ao território. Em setembro de 2017, participou pela primeira vez de uma ocupação, em São Bernardo do Campo, depois conhecida como Ocupação Povo Sem Medo, classificada por ela como a maior da América Latina. 
Tornou-se coordenadora do MTST uma semana após a ocupação, e no movimento de moradia adquiriu nova consciência sobre coletividade e sobre sua própria existência: “Lá encontrei pedreiros, empregadas domésticas, diaristas, pintores, motoboys, motoristas de Uber. Eram essas pessoas que estavam nas ocupações, lutando por moradia”. 
Convocada a se candidatar à Assembleia Legislativa pelo companheiro Boulos, aceitou o desafio com prontidão. Fez dobradinha com ele, o candidato a deputado federal mais votado em São Paulo, com 1 milhão de votos. Espera integrar a base de governo do petista Fernando Haddad e contrasta a situação de migrante com a do candidato de extrema direita a governador, que é carioca: “esse Tarcísio de Freitas não é daqui, é um forasteiro. Foi transportado para defender Bolsonaro no estado”. 
Indagada repetidas vezes se tem medo de ingressar no ambiente hostil da Assembleia Legislativa de São Paulo, lança outra de suas respostas-provocações: “medo eu tenho de passar fome. Não vou entrar sozinha, vou entrar com o povo. Aquele lugar está precisando de gente, de povo”.
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Roma (Itália)
2022-10-21T14:35:00.000Z
"Ele está vivo, meu avô não! Esse ser horrível negou a meu pai a presença paterna e a mim a oportunidade de ter um avô", disse Xoana Potenza, neta de uma das vítimas do torturador uruguaio Jorge Nestor Troccoli, 81 anos. O ex-agente da ditadura do Uruguai está sendo julgado pela segunda vez na Itália por crimes cometidos no âmbito da Operação Condor, uma rede de colaboração entre as ditaduras do Cone Sul para aniquilar opositores políticos aos regimes.
Potenza falou com Opera Mundi enquanto aguardava o início da audiência que aconteceu nesta quinta-feira (20/10), na Terceira Corte de Assis do Tribunal de Roma, localizada na prisão de Rebibbia. 
Seu avô, José Agustín Potenza, e a companheira Rafaela Filipazzi, foram sequestrados em Montevidéu, capital do Uruguai, em 27 de maio de 1977, no Hotel Hermitage. O casal foi levado ao centro clandestino do Fusna, corpo dos Fuzileiros Navais ao qual Troccoli pertencia.
De acordo com documentos, no dia 8 de junho do mesmo ano, eles foram entregues a agentes do ditador paraguaio Alfredo Stroessner e transferidos para Assunção, capital do país, no voo 303 das Linhas Aéreas Paraguaias. Chegando na cidade, José Agustín e Rafaela foram registrados como “detidos sem entrada” e, depois, assassinados. 
Para Potenza, o assassinato de seu avô representa a “essência do que foi aquela terrível operação”. "Meu avô era argentino, foi preso no Uruguai, quando foi torturado, e assassinado no Paraguai”, declarou.
"Por anos eles foram considerados desaparecidos, não nos davam informações, não diziam absolutamente nada. […] Meu pai se fechou, não falava sobre o que havia acontecido, até porque ele sofreu muito com a ausência de meu avô. Não saber o que aconteceu é viver na tortura", afirmou a neta, que, agora, busca justiça.
No entanto, o silêncio das autoridades mudou de direção quando, em março de 2013, os corpos foram encontrados em Assunção. Segundo Potenza, somente em 2016 a família teve a confirmação de que era seu avô. "Dentro da desgraça, encontrar o corpo foi melhor do que podíamos esperar porque representava o fim de um ciclo. A partir daquele momento começamos uma outra luta, aquela por justiça", contou.
Além do casal José Agustín e Rafaela, Troccoli também é acusado pela morte de Elena Quinteros. Desde julho de 2021, o ex-agente uruguaio está preso na Itália após ser condenado com outras 13 pessoas à prisão perpétua pela morte e desaparecimento de italianos ocorridos nos anos mais sangrentos dos governos repressivos sul-americanos.
Troccoli, apesar de não ter assistido a essa sessão, vai acompanhar o julgamento do avô de Potenza de perto, sentado na primeira fila, ao lado de seus defensores. “Na audiência passada nossos olhares se cruzaram e eu me mantive firme pensando no fato de que estou aqui por justiça, por meu avô, por meu pai e por mim”, disse.
Para ela, ao ser questionada dos motivos de realizar outro processo contra o uruguaio, considerando que ele já está preso, Potenza responde prontamente: “ele não foi condenado pela morte de meu avô”.
Durante a audiência desta quinta-feira, a Corte formada por um colégio de doze juízes, presidido por Antonella Capri, aceitou todas as testemunhas indicadas tanto pela acusação quantos por partes civis, rejeitando o pedido de Troccoli para apresentar um conselheiro militar que explicasse as suas funções no Fusna.
Agora, as datas das próximas audiências foram divulgadas, e a Corte passa a ouvir as testemunhas a partir de 14 de fevereiro de 2023. Opera Mundi é o único veículo da imprensa brasileira a cobrir os julgamentos dos crimes da Operação Condor na Itália.
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