Embora involuntário, Bolsonaro deixa um legado histórico para o país – Consultor Jurídico

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Por Márcio Chaer
"A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem", escreveu Antonio Gramsci.
No intervalo de três administrações petistas, um flash do PMDB (Temer) e um arremedo de liberalismo conservador de Jair Bolsonaro, o país olha-se agora no espelho. A nova rota ainda é incerta, mas há indicações do rumo e é possível constatar algumas mudanças.
Os vinte anos autoritários de regime militar (64/84) deixaram de herança uma Constituição enorme, detalhista. Sentiu-se a necessidade de especificar direitos e deslocar o eixo do papel Moderador para o Judiciário. Foi em 1988 que o país escolheu ser mais governado pelos togados que pelos eleitos. Goste-se ou não, é o que se escreveu na carta.
Ainda é cedo para rescaldo dos fatos recentes. Mas é possível falar algo sobre o legado de Jair Bolsonaro. Foi graças a ele que o Congresso se revitalizou e, pela primeira vez na história, legislou mais que o Executivo. Também no papel de inimigo comum, o capitão expulso do Exército uniu um STF que, pouco tempo atrás, vivia em pé de guerra. Não é pouco para alguém tão despreparado, ainda que sua intenção fosse outra.
Ao desafiar o sistema, Bolsonaro tirou o STF da sua zona de conforto. Alexandre de Moraes à frente — munido da coragem física que anos de tatame dão a quem não tem medo de ser golpeado sem reagir —, com o respaldo de outros ministros, o tribunal preencheu o vácuo de poder deixado pela inaptidão do presidente. Algo que Ricardo Lewandowski fizera antes, na crise sanitária, e Gilmar Mendes ao desmascarar a farsa lavajatista, o comitê que elegeu o descabelado e sua turma.
O Executivo sempre foi o poder absoluto no Brasil. Legislativo e Judiciário, coadjuvantes sem importância — órgãos atrofiados. O país deve à inação e nulidade de Jair Bolsonaro o inédito equilíbrio entre os poderes. Diz-se que não há vácuo no poder, mas no Brasil ele teve nome e sobrenome.
Mas o legado bolsonarista foi além. Coadjuvado pelos piores oficiais-generais da história do Brasil, Bolsonaro jogou luzes sobre a inutilidade das forças militares, como estão organizadas hoje. No dilema clássico que é a escolha entre um efetivo operacional grande e menos preparado; ou um contingente enxuto, mas eficiente, o país fez a pior das escolhas: uma tropa deficitária em tamanho, armamentos e preparo.
Não é preciso ser leitor do Military Balance, do Instituto de Estudos Estratégicos de Londres, para chegar a essa conclusão. O desfile de tanques enfumaçados e a deprimente experiência do Exército no combate ao tráfico na Rocinha já haviam sido suficientemente elucidativas. Graças a Bolsonaro e os palermas que o ajudaram, nenhuma dúvida restou de que o importante setor militar, hoje, só tem custo e benefício algum. 
Ironia trágica: não foram os inimigos das forças armadas que as expuseram em sua infecção lesiva e perniciosa. Foram seus próprios chefes. Um crime de responsabilidade, de lesa pátria. A mais eficiente arma estratégica de uma força militar, o poder de dissuasão, pelo qual se evita confrontos com a simples exibição de musculatura e poder de guerra, foi jogada fora. Justamente quem a deveria cultivar expôs a vulnerabilidade que todo Exército, Marinha ou Aeronáutica têm por obrigação camuflar.
No campo jurídico, isso tem impacto. O país, agora, tem o ambiente para rever o rombo na previdência provocado por esse latifúndio improdutivo. A falta de ambiente para prender a família Bolsonaro e seus fanáticos foi suprida. É questão de tempo até que a Orcrim se junte aos "patriotas" já enjaulados.
 é diretor da revista Consultor Jurídico e assessor de imprensa.
Revista Consultor Jurídico, 11 de janeiro de 2023, 20h23
11 comentários
olhovivo (Outros)
12 de janeiro de 2023, 17h22
Basta você emitir opinião contrária ao efeito manada provocado pelo bolsonarismo para os bucéfalos acharem que você é petralha. Bucéfalos.
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Wagner Morroni de Paiva (Advogado Sócio de Escritório – Civil)
12 de janeiro de 2023, 11h11
Excelente artigo!!!!
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Alexandre Serwy (Funcionário público)
12 de janeiro de 2023, 9h15
Palavras que fazem sentido. Parabéns pelo lúcido e ótimo texto!
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