Empresários veem falas de Lula sobre economia como "retórica" – Poder360
Na visão do setor e de economistas, há um ruído em declarações recentes do petista e nas ações do governo
Empresários e analistas do mercado financeiro ouvidos pelo Poder360 avaliam com cautela as declarações recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre temas relacionados à economia brasileira. Na visão deles, há um ruído sobre as falas recentes do petista e as ações do governo.
Na 2ª feira (23.jan), Lula afirmou que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) voltará a bancar obras em países vizinhos. Além disso, o presidente sugeriu mudanças na meta de inflação –de 3,25% em 2023, com intervalo de 1,5 ponto percentual– e definiu como “bobagem” a tese de que o BC (Banco Central) independente poderia “fazer mais” do que quando não havia mandatos definidos e aprovados pelo Senado para o comando da autarquia.
O presidente da Fiepe (Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco), Ricardo Essinger, afirma esperar que o governo use o “bom senso” nas decisões.
“Às vezes, determinadas declarações são ditas e as coisas não acontecem. Vamos ver o que vai sair de decreto, o que será operacionalizado. Às vezes, são balão de ensaio”, declarou.
“Nós temos uma pauta grande da indústria e esperamos que o novo ministério [em referência ao MDIC] tenha condições de implementar essa pauta para que a indústria brasileira progrida porque é a forma de o país se desenvolver”, acrescentou.
Ex-secretário da Fazenda de São Paulo e economista-chefe da Warren Renascença, Felipe Salto entende que a posição do presidente Lula sobre o BC faz parte de uma retórica.
“Há que separar as falas mais políticas das decisões e sinalizações de política econômica. O próprio presidente do Banco Central, corretamente, entendeu a fala do presidente como um reforço à não interferência no BC. Vale dizer, a política monetária guia-se por metas de inflação fixadas pelo Conselho Monetário Nacional. Nada impede que sejam ali discutidas. Não vejo motivo para alarme hoje”, declarou.
Salto afirma que há “incompreensão” na fala de Lula sobre a criação de uma moeda comum entre Brasil e Argentina para o comércio: “Sobre a tal moeda, vejo mais como uma iniciativa de ampliar a integração em contexto de fraqueza do peso argentino do que qualquer outra coisa. Há muita incompreensão na matéria, é muita gente falando bobagem”.
Paulo Guimarães, presidente da Afrac (Associação Brasileira de Tecnologia para o Comércio e Serviços), avalia que declarações dessa natureza “espantam os investidores”.
“O investidor gosta de um ambiente previsível, ponderado e de certa independência econômica. Os países se desenvolvem bastante à medida que a economia consegue se desvincular da política”, afirmou.
Guimarães, no entanto, observa que o setor privado “entende que muitas falas são feitas no calor do momento” e que há temas que não dependem apenas de Lula.
O assessor de economia da Fecomercio-SP, Fábio Pina, diz que não é simples a implantação de uma moeda comum. Ele também pontuou divergências entre falas de Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
“Isso é um começo de uma discussão que não sabemos se vai vingar. As declarações do presidente e do ministro não são a mesma coisa. Há uma enorme dificuldade em implementar”, declarou.
Segundo Pina, o Brasil não pode ficar restrito ao Mercosul: “O Brasil não pode desprezar o Mercosul, mas isso não pode ser um empecilho para não fazer outros acordos bilaterais. O país tem que olhar para todos os mercados. China e EUA são parceiros comerciais muito grandes. O que o Brasil tem de pensar é nos interesses do próprio Brasil”.
O economista questionou o anúncio de que o BNDES voltaria a financiar bens e serviços de exportação. “A ideia original é o desenvolvimento econômico e social do país. Essa era a ideia original do legislador. Esse desenvolvimento vai custar o dinheiro do nosso contribuinte, precisa ter muito cuidado. Os critérios têm que ser muito bem definidos”, disse Fábio Pina.
Já o diretor de gestão de recursos da Nova Futura Investimentos, Pedro Paulo Bandeira, classificou como uma operação de alto risco a possibilidade de o banco de fomento federal financiar obras de um gasoduto argentino.
“O BNDES atuar como financiador externo, mesmo que para empresas brasileiras, é um tema mais sensível no curto prazo e deve pesar nas avaliações acerca do risco do Tesouro e do próprio BNDES. Mais uma vez estamos falando de um governo que está em ‘default’, de um país em crise fiscal e de balanço de pagamentos. Ainda que os advogados da proposta coloquem as garantias como mitigadores do risco, as obras estão longe de ser entregues.”
Felipe Salto, por sua vez, não vê problema na retomada da política de financiamento à exportação. “O BNDES é um banco com tradição técnica reconhecida. A sua política de financiamento é plural, vai desde a atenção a projetos de vulto nos Estados, como em São Paulo, onde pude atestar como secretário, até projetos de empresas que possam de fato gerar boas externalidades, renda e emprego. As nuances disso, sob a nova gestão, veremos com o tempo”, afirmou.
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