Então é Natal: Vai chorar com Bolsonaro ou rir de esperança do Humor Negro? – UOL Confere
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
André Santana é jornalista, cofundador do Instituto Mídia Étnica e do portal Correio Nagô
Colunista do UOL Notícia
24/12/2022 04h00
Então é Natal, e o que você fez?
Tão difícil quanto escapar dessa música neste período natalino é fugir da avaliação dos atos e escolhas feitas ao longo do ano.
Há quem tenha muitos motivos de lágrimas de arrependimento, fracasso ou decepção diante das apostas feitas neste tumultuado e decisivo ano de 2022.
Tem sido um final de ano difícil para os negacionistas e os que preferiram o ódio, o fanatismo e a repulsa a qualquer possibilidade de diálogo ou demanda por direitos humanos fundamentais. Para vencer a qualquer custo, negociaram a fé e princípios cristãos e espalharam sem constrangimento mentiras e tentativas de pânico.
Também tem a turma cheia de motivos para celebrar os ventos de esperança que sopram no Brasil e que prometem um novo ano de reconstrução e retomada de valores fundamentais como a democracia e o respeito às diferenças.
São os que fizeram política a partir da afirmação de identidades étnicas e de gênero diversas, corpos e orientações sexuais dissidentes, religiosidades de outras matrizes e estéticas fora dos padrões eurocêntricos dominantes.
O ano no qual tanto se falou em ‘polarização’ termina com duas imagens bem opostas de um mesmo país:
Um lado representado pelo choro deprimente do atual presidente, derrotado nas urnas de forma democrática, que, em silêncio, nutre esperanças golpistas dos seguidores em vigílias. Do outro, o riso alegre e questionador de artistas que deram outro significado ao termo ‘humor negro’, fazendo comédia de qualidade, com enfoque político e representativo.
Então é Natal e com qual dos dois grupos você vai compartilhar sua ceia?
Para o primeiro grupo, a imagem mais representativa do fracasso é a do já ‘ex-presidente em exercício” Jair Bolsonaro, praticamente em silêncio desde o dia 30 de outubro, chorando diante de uma plateia de militares.
A cena de choro se repetiu em outra oportunidade, ainda mais dramática, com a esposa, Michele Bolsonaro, se ajoelhando de tristeza.
Quem diria que o casal teria tanto sentimento?
Quem acompanhou a frieza de Bolsonaro diante de tantas mortes de brasileiros em seus quatro anos de mandato não imaginava que existisse alguma sensibilidade no presidente.
Bolsonaro não chorou pelas vítimas da Covid, que ele menosprezou e até gozou dos sem ar para respirar; não chorou pelas famílias desabrigadas por enchentes e catástrofes naturais, como as que ocorreram no Sul da Bahia, enquanto ele preferia curtir férias em passeios de jet ski; nem se comoveu com os mortos pela violência urbana e pela fracassada política de segurança pública que vitima especialmente pretos e pobres das favelas, onde para Bolsonaro só moram marginais e traficantes
Aliás, nem os apoiadores do derrotado presidente, que insistem em aloprados atos antidemocráticos, receberam qualquer solidariedade de Bolsonaro. Não vimos nenhuma lágrima do futuro ex-presidente por aqueles que acampam em frente a quartéis, que fazem orações nas estradas ou que clamam pela intervenção alienígena no Brasil.
O choro parece ser mais uma ação do egoísmo e do apego ao poder a todo custo. Da frustação em ver reprovada sua gestão, marcada pelo acirramento da violência e do ódio político, além da miséria e da fome nos lares do país.
Deve ser mesmo difícil para Bolsonaro aceitar a derrota, diante de tudo que fez para permanecer presidente como, por exemplo, se comportar como candidato, em discursos no cercadinho, desde o primeiro dia de governo, ou nas estratégias populistas e golpistas tomadas nas eleições, com negociação de apoio com orçamento secreto, auxílio emergencial e invasão em templos religiosos.
Nada adiantou e, agora, o choro é livre. Quem quiser que acompanhe o derrotado, secando as lágrimas do perdedor.
Eu prefiro sorrir e me encher de esperança com as possibilidades que pulsam no Brasil neste finalzinho de 2022.
As notícias que chegam nestes dias de dezembro podem abrir nosso apetite para desfrutar da ceia natalina, tão castigada nos últimos anos, pela carestia e pelas desavenças familiares por conta da política.
Alguns dos motivos de confiança em um próximo ano melhor são as primeiras demonstrações de otimismo do mundo com a política brasileira expressas nos quase 20 chefes de estados que já confirmaram presença na posse de Luís Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro, incluindo uma comitiva da Casa Branca.
Quem vai perder a festança do melhor que há na música popular brasileira, que subirá no palco da posse, celebrando um Brasil de cultura rica, diversa e criativa?
Também do Judiciário e do Legislativo há expectativas de cerco ao tal orçamento secreto e de volta à transparência nas verbas públicas, inclusive com garantias de investimentos em programas de transferência de renda tão urgentes para a população. Não será fácil lidar com um congresso de crescimento da extrema-direita, mas que agora recebe mais mulheres, indígenas e, finalmente, pessoas trans.
O anuncio do ministério do próximo governo, com espaço, ainda que mínimo, para a diversidade, com mulheres, negras, nordestinas, podendo dar a sua contribuição para as políticas públicas de reconstrução do estado também são razões de confiança, mesmo sabendo do desafio de uma gestão de coalizão de tantos diferentes grupos políticos.
Para combinar com esse momento de esperança, as artes brasileiras nos oferecem produções cheias de alegria e humor, que parecem marcar a virada para um novo tempo.
Destacam-se as produções de artistas negros da comédia, ocupando o cinema, a televisão e as plataformas de streamings, espaços midiáticos ainda pouco receptivos à performance daqueles que sentem na pele as violências do racismo e ainda conseguem fazer graça, utilizando a ferramenta política do humor como discurso.
Um real sentido para o termo ‘humor negro’.
Indico àqueles que tem motivos para sorrir nesta expectativa do ano bom, pelo menos três produções protagonizadas por artistas negros, que fazem refletir sobre o nosso tempo, alertar para os desafios que ainda precisamos superar, e nos encher de entusiasmo e esperança para construir o futuro que queremos.
O filme Na Rédea Curta, dirigido pelos premiados Ary Rosa e Glenda Nicácio (Café com Canela e Ilha), que nos permite reencontrar, agora na tela grande do cinema, com os hilários personagens Mainha e Junior, criados por Sulivã Bispo e Thiago Almasy, que conquistaram mães e filhos com a websérie que faz sucesso desde 2018.
A dupla se une ao talento de outros artistas da cena negra, como Zezé Motta, Cássia Valle e Luciana Souza, entre outras, em uma divertida saga do filho mimado, que agora se tornará pai, em busca do seu próprio pai.
O longa nos leva de volta à cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, com cenários encantadores, personagens divertidos e muitas referências ao melhor do cinema brasileiro, em citações a filmes como Ó Paí Ó, do Bando de Teatro Olodum, e Central do Brasil, de Walter Salles.
Na Rédea Curta é um excelente motivo para levar toda a família ao cinema nestas férias.
Já as outras duas indicações podem ser assistidas em casa, por meio da plataforma Globoplay.
O especial “Humor Negro” estreou no Multishow e agora integra o canal de streaming da Globo. Trata-se de uma reunião de comediantes que fazem sucesso em espetáculos de stand-up comedy e em performances nas redes digitais.
A produção do especial é de Val Benvindo, que já havia produzido um festival de teatro em Salvador, com o mesmo nome. A direção é do competente ator e escritor Rodrigo França, e traz a sempre divertida e inteligente Tia Má (Maíra Azevedo), que na história resolve comprar um teatro para oportunizar a performance dos comediantes Sulivã Bispo (Koanza), João Pimenta, Jhordan Matheus, Niny Magalhães e Evaldo Macarrão.
Entre risos e gargalhadas, há denúncias sobre o racismo e a falta de oportunidade para os artistas negros, realidade que esses artistas tentam romper com riso e talento.
Por fim, a série “Encantado’s”, original da Globoplay que tenta reparar os anos de apagamento da genialidade de artistas negros nas produções da TV Globo.
Criada pelas roteiristas negras Renata Andrade e Thais Pontes, a série é protagonizada por Luís Miranda e Vilma Melo e conta com um elenco majoritariamente negro.
Os irmãos Eraldo e Olímpia precisam driblar com graça e engenhosidade as dificuldades de gerir um supermercado popular no Rio de Janeiro e não deixar morrer a paixão carnavalesca da família expressa na escola de samba Joia do Encantado, que divide o mesmo espaço com o estabelecimento comercial.
A ideia é criativa e dá margem para situações inusitadas, com garantia de riso graças ao bom texto e às interpretações do elenco.
A série traz artistas que, não fosse o racismo midiático, o Brasil teria o prazer de assistir muito mais, para se emocionar e se divertir. Entre eles estão Dhu Moraes, Neusa Borges, Ludmillah Anjos, Luellem de Castro, Dandara Mariana, Digão Ribeiro, Dhonata Augusto e Ramille. Completam o elenco, nomes já consagrados como Evelyn Castro, João Cortes, Augusto Madeira e o veterano Tony Ramos.
Em comum nas três produções, corpos negros fazendo rir e se emocionar, sem cenas de violência ou sexualização tão comuns nos estereotipados personagens relegados aos artistas negros no Brasil.
É de oportunidades e de valorização da diversidade o país que queremos construir a partir de 2023. O humor negro e o talento de artistas negros devem ter espaços garantidos nesta caminhada.
Como diz o samba do poeta Jorge Aragão,
“Podemos sorrir, nada mais nos impede”.
E para não esquecer da canção que não sai das nossas mentes nestes dias:
Então bom Natal
E um Ano Novo também
Que seja feliz quem
Souber o que é o bem
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Por favor, tente novamente mais tarde.
Não é possivel enviar novos comentários.
Apenas assinantes podem ler e comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia os termos de uso
André Santana
André Santana
André Santana
André Santana
André Santana
André Santana
André Santana
André Santana
André Santana
André Santana
André Santana