Equipe de Lula avalia pacote ambiental com revogação de 120 decretos – VEJA
Em sua agenda de estreia como presidente eleito, na COP27, a conferência ambiental promovida pela ONU no Egito, em novembro, Luiz Inácio Lula da Silva deu ao mundo um de seus recados preferidos no retorno ao poder: o de que o Brasil voltará a ser protagonista na agenda ambiental e que ele combaterá sem trégua o legado negativo construído por Jair Bolsonaro. “O Brasil está pronto para se juntar novamente aos esforços para a construção de um planeta mais saudável”, discursou a representantes de governos estrangeiros e ambientalistas de todo o planeta. Agora, a três semanas de assumir de fato o país, a sua equipe de transição prepara um pacote para mostrar dentro de casa, logo na largada, que o governo terá outra postura em relação ao tema. O plano inclui a revogação de 120 decretos — 25 deles logo no dia 2 de janeiro —, a retomada urgente da demarcação de terras indígenas e de áreas florestais protegidas, a recuperação do aparato de fiscalização desmontado nos últimos anos, o cerco ao desmatamento crescente com a utilização de tecnologia, asfixia financeira e nova força policial e o combate a grupos criminosos armados que atuam na Amazônia.
A estrela da companhia do novo pacote é a anulação de boa parte do arcabouço legal construído por Bolsonaro. Serão revogados de imediato os textos que dificultam a aplicação de multas e a apreensão de máquinas em infrações ambientais e o decreto que instituiu o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal — que, na prática, facilita o garimpo e o comércio de ouro ilegais. Outra ação envolve a anulação do aval a centenas de agrotóxicos com forte restrição internacional, uma polêmica certa com o agronegócio, que ganhou força nos anos Bolsonaro. Também está no pacote a retomada da composição dos órgãos responsáveis pelo Fundo Amazônia e Fundo Clima, destinados a captar recursos, inclusive de governos estrangeiros. Outra medida será o desmonte de estruturas administrativas criadas pelo governo atual, como o Conselho da Amazônia, formado por militares e liderado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Na visão do futuro governo, eles teriam enfraquecido o papel do Ibama. “A ideia de revogar medidas é no sentido de trazer de volta a estrutura que o Estado precisa ter para intervir”, afirma Jorge Viana, ex-governador do Acre e coordenador do grupo de transição do PT na área ambiental.
Para começar a tentar tirar do papel a promessa de Lula de zerar a destruição da Amazônia, a equipe tem dispensado atenção especial ao tema. Dados divulgados pelo Inpe na última semana mostram que a área desmatada foi em média de 11 396 quilômetros quadrados por ano na era Bolsonaro, 59% acima da taxa deixada pelo seu antecessor, Michel Temer. Além de mandar os fiscais de volta ao campo — a estimativa é que apenas 300 dos 1 800 estejam atuando —, o futuro governo prepara medidas inovadoras, como o embargo remoto. A ideia é usar dois sistemas baseados em imagens de satélite, o Deter e o Prodes, para reconhecer áreas desmatadas, identificar a propriedade, promover a sua interdição e pedir aos bancos o bloqueio de linhas de crédito.
O cerco aos infratores não deve parar por aí. Encontra-se em discussão a proposta de criar a Guarda Nacional Ambiental, com agentes cedidos pelas polícias estaduais e treinados pelo Ibama e pelo ICMBio. “Temos de mostrar a perenidade da presença do Estado. O que se percebe hoje na Amazônia é uma ausência imensa”, afirma o delegado Alexandre Saraiva, da Polícia Federal, que ficou célebre ao pedir a investigação do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por ter atuado a favor da liberação de madeira apreendida e que atua na equipe de transição. O ex-ministro Carlos Minc, também do grupo de trabalho, afirma que isso não impede o uso das Forças Armadas, como na ideia de retirar 20 000 garimpeiros da terra ianomâmi. “Se no meu tempo de ministro tinha de ter gente do Exército para fazer as grandes operações, imagine agora que os criminosos estão muito mais armados e articulados”, diz.
A criminalidade, de fato, preocupa. O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, em junho, por pescadores ilegais, mostrou como o crime se diversificou e se expandiu na Amazônia. Uma das iniciativas em estudo é implantar câmeras em rios e estradas para flagrar invasores de terra, pescadores, caçadores, madeireiros, traficantes de drogas e garimpeiros ilegais, que usam basicamente as mesmas rotas e muitas vezes interagem.
Os primeiros passos de Lula mostram a conjugação de boas intenções, mensagens que encontram ressonância positiva na comunidade internacional, a reunião acertada de gente com um histórico respeitável no setor, como os ex-ministros Marina Silva e Minc, e um plano de ação que contempla a urgência de uma guinada nessa área. A tarefa, como se sabe, não é pequena, incluindo o esforço para conjugar as ações de sustentabilidade com a dinâmica e as necessidades do agronegócio. Todos concordam que essa harmonia é cada vez mais necessária, mas a prática tem demonstrado que o diálogo nem sempre é fácil, sobretudo quando entram em campo as parcelas mais retrógradas dos empresários do mercado rural. Apesar desse e de outros desafios imensos que estão pela frente, não deixa de ser um ótimo sinal a disposição do novo governo de enfrentá-los desde o primeiro dia.
Publicado em VEJA de 14 de dezembro de 2022, edição nº 2819
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