Erika Hilton: 'Nós, travestis, somos a vanguarda da revolução que a … – Marie Claire Brasil
Por Camila Cetrone, Manuela Azenha e Natacha Cortêz
26/01/2023 05h01 Atualizado 26/01/2023
Erika Hilton apareceu pela primeira vez na política em 2018, aos 26 anos. Fez parte da Mandata Ativista, candidatura coletiva eleita para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Ali, já deixava sua inconfundível marca e oferecia seu prenúncio: quebraria padrões, barreiras e assumiria postos nunca antes ocupados por uma mulher trans.
Foi assim em 2020, quando além de eleita a primeira trans a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo, consagrou-se como a vereadora mais votada do país. Nas eleições de 2022, repetiu o ineditismo, tornando-se, ao lado de Duda Salabert (PDT), a primeira travesti a integrar o Congresso Nacional – mandato que inicia em 2 de fevereiro de 2023 junto de outras 90 deputadas federais, o quadro mais feminino da Câmara Federal até então. “Travesti preta eleita”, comemorou no Instagram o resultado do último pleito.
Certa de que sua presença em Brasília é um importante passo para uma nova política brasileira, Erika afirma a Marie Claire que representa a vanguarda de uma revolução “necessária” que cumpre um papel generoso de limpar os olhos da política acerca das identidades trans. “Não existe nada mais caro para nós do que o reconhecimento da nossa humanidade”, acrescenta.
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Nascida em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, Erika foi expulsa de casa aos 14 anos e chegou a se prostituir antes de se reconciliar com a mãe e retomar os estudos. Entrou para o ativismo organizando um abaixo-assinado pelo uso do nome social no cartão de transporte público de Itu (interior de SP).
Para o seu mandato, escolhe o combate à fome como pauta primordial e assegura: as questões das populações LGBT, negra e de mulheres atravessarão toda a sua atividade legislativa — Foto: LUFRÉ
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A Marie Claire, a parlamentar fala ainda da crise estética que torna inacessível o establishment nacional, de sua mais urgente pauta para o mandato, de como será seu posicionamento diante do governo Lula e como pretende trabalhar junto à bancada feminina na Câmara: “É necessário nos unirmos para darmos respostas às necessidades das mulheres brasileiras”.
MARIE CLAIRE A senhora costuma dizer que a política é “cafona”. Pode explicar por quê?
ERIKA HILTON A política é cafona, cinza, mal vestida, não tem preocupação estética. Ela se organiza de forma arcaica, ultrapassada, no sentido de manter a juventude e manifestações artísticas e culturais longe dela. A política é cafona porque não se adequa às mudanças do tempo, às transformações da sociedade e tenta se manter ali cristalizada, engessada, dura, num formato que não é mais o de fazer política em 2023.
Uso a moda, a arte, a cultura e a beleza para fazer política. Não à toa sou uma parlamentar conectada à juventude, aos movimentos sociais, aos debates que acontecem na sociedade. A partir disso, promovo a inserção desses grupos dentro do cenário político também.
MC Há uma frase da Michelle Bachelet: “Quando uma mulher entra na política, muda a mulher. Quando muitas mulheres entram na política, muda-se a política”. Temos pela primeira vez duas mulheres trans no Congresso. Isso vai mudar a política?
EH Olha, não sei se isso vai mudar a política porque somos as primeiras de um processo muito longo. Somos a vanguarda dessa revolução que se faz tão necessária. Mas isso começa a transformar a política, porque ela precisa se repensar a partir das perspectivas e projetos trazidos por esses corpos. A presença de duas de nós em um espaço tão conservador, cafona, difícil de enfrentar, como é o Congresso Nacional, não será capaz de mudá-la no sentido mais duro da palavra, mas tenho certeza que será um começo de provocação de transformação.
Estarmos ali já significa que as coisas estão sendo transformadas. Cumpre um papel generoso de limpar os olhos da política acerca das nossas identidades. Faz com que as pessoas que pensam a política agora possam ver a presença de travestis e transexuais, e passamos a ser mais humanizadas, a não ser mais vistas apenas como estatística, de quem vive nas esquinas de prostituicão, no cárcere. Não existe nada mais caro para nós do que o reconhecimento da nossa humanidade.
MC Qual será sua principal e mais urgente pauta?
EH Teremos muitas urgências no processo de refundação do país, devastado pelo bolsonarismo. Se destruiu tudo. Das coisas que atuei com mais vinco na cidade de São Paulo e que pretendo continuar é o enfrentamento à fome, que cresceu nos últimos anos. E ela atinge diretamente a população negra, as mulheres e a comunidade LGBTQIA +.
Quando pensam em meu projeto político, pensam que falarei de LGBTs, negritude, mulheres, a partir de uma vertente estereotipada. Minha atuação na Câmara Municipal de São Paulo tratou dessas pautas, mas não se falando do óbvio, do que era esperado. Tratamos de questões como trabalho análogo à escravidão, imigração, combate à fome, aumento da população em situação de rua, violência contra mulheres.
Fui proponente e consegui aprovar em São Paulo o primeiro fundo de combate à fome. E chegarei à Brasília olhando para a questão da fome, miséria e pobreza no Brasil. E claro, vamos também falar de transcidadania, meio ambiente, pesquisa, educação, tecnologia, todos os temas possíveis.
MC Quando eleita em 2020, era colocada, e se colocava, como extrema oposição a Bolsonaro. Com Lula presidente, qual será sua posição? Ainda haverá enfrentamento?
EH Vou a Brasília para ajudar o governo Lula refundar o Brasil, reconstruir esse país. Estar ao lado para inclusive pautar um governo cada vez mais à esquerda, que não se esqueça de quais agendas devem ser prioritárias. Não estou indo a Brasília para ser oposição, mas manterei minha independência enquanto PSOL. Sou parte de um partido que nasce de uma divisão entre o PT. Temos visões táticas diferentes e disso não abrirei mão. Vou me comportar como aliada do governo e serei crítica quando tiver que ser.
Terei uma postura conciliadora, colaborativa, mas independente. Não componho a base do governo, logo terei autonomia para votar contrário quando necessário.
Mas vou com a maior disposição do mundo para ajudar a ser o melhor governo que o Brasil já teve, porque daqui a 4 anos não podemos correr o risco de nos depararmos com outra extrema direita ocupando o poder. Apostei todas minhas fichas nesse governo. Terminei a campanha com começo de pneumonia do tanto que trabalhei.
MC Já conversou com Duda Salabert (PDT) sobre a presença de vocês no Congresso? Podemos esperar um trabalho de alguma forma alinhado entre as duas?
EH Não tive a oportunidade de conversar com a Duda ainda. Nos encontramos na posse, falamos brevemente, mas não sentamos com calma para conversar. Não somos amigas próximas, talvez agora a gente se aproxime. Mas podem esperar uma atuação conjunta, afinal somos as duas primeiras isoladas naquele lugar e temos que nos dar a mão.
O partido dela por vezes tem posicionamentos contraditórios e que fogem do que acredito ser papel de um grupo de esquerda ou centro esquerda. Mas talvez ela, enquanto parlamentar, seja muito mais coerente e a gente possa unir esforços em prol de um projeto comum e muito maior do que nós duas, que foi tudo o que nos levou àquele lugar.
O que pensa Erika Hilton sobre aborto, feminicídio, fome e as famílias chefiadas por mulheres
MC A atual lei de aborto no Brasil permite o procedimento apenas em casos de gravidez decorrente de estupro, anencefalia do bebê ou risco de vida para a mãe. Ainda assim, uma mulher morre a cada dois dias por aborto inseguro. Concorda com a lei como está?
EH Sou a favor da descriminalização do aborto, precisa ser acessível às pessoas que gestam – não só às mulheres. Os homens trans precisam ser lembrados nessa discussão. No Brasil já temos um aborto legalizado às pessoas ricas, e que retiram os filhos em boas clínicas. Precisamos legalizar o aborto porque é o corpo negro, pobre, vítima da violência que é obrigado a carregar a gestação durante 9 meses e ter uma criança que pode cair na criminalidade, viver esse cenário catastrófico no Brasil.
Os que se dizem pró-vida não se importam quando uma vida é colocada no mundo e ela vai para marginalidade, dormir debaixo dos viadutos. E isso que digo não é apologia ao aborto. Regulamentar o aborto não significa que todas as pessoas vão sair abortando por aí. É uma decisão dramática, o ápice de uma decisão. Precisamos legalizar pela vida das pessoas que gestam.
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MC Em 2021, uma mulher foi vítima de feminicídio a cada sete horas e uma menina ou mulher vítima de estupro a cada dez minutos, considerando apenas o que chega até as autoridades. O que irá propor para combater a violência contra a mulher?
EH Tínhamos um projeto de lei na Câmara, de minha autoria, que gerou um grande rebuceteio, sobre debate da violência de gênero nas escolas, de forma lúdica, pedagógica. Gostaria de levar esse projeto para Brasília, e com certeza enfrentarei as mesmas dificuldades.
Por um lado, a violência tem que ser discutida no âmbito da urgência: das políticas de segurança, como se preparam as delegacias, quais são as medidas de proteção para essas mulheres, em que espaço habitam essas mulheres. A Guarda Civil Metropolitana tem um trabalho incrível que é a guardiã Maria da Penha, uma espécie de patrulhamento específico na defesa da vida das mulheres. Temos que trabalhar a ampliação de delegacias das mulheres, tornar a lei mais rigorosa.
Mas a violência também deve ser enfrentada no âmbito da pedagogia. A violência contra a mulher só existe porque o patriarcado, o machismo ensina que mulheres são inferiores, objetos passíveis de serem agredidos. Isso é projeto de educação, a sociedade foi educada dessa forma, os homens e também nós, mulheres. Para combater isso, precisamos discutir violência de gênero nas escolas com as crianças, adolescentes, pais, avós, toda a sociedade.
Erika Hilton em ensaio para Marie Claire — Foto: LUFRÉ
MC Trinta e três vírgula um milhões de brasileiros passam fome. As famílias chefiadas por mulheres são especialmente atingidas: 63% desses lares apresentaram algum patamar de insegurança alimentar. O que irá propor para combater a fome?
EH A fome será uma das minhas prioridades. Vamos levar a discussão do fundo nacional de combate à fome, a disputa de um orçamento destinado à fome e à miséria. Vou defender a retomada de projetos como o Bom Prato, em que as pessoas pagam um valor mínimo para fazer uma refeição. Isso a nível de assistencialismo, mas discutir a fome também perpassa por emprego e renda. Temos que ampliar vagas de emprego. Precisamos que o indivíduo tenha autonomia, pegue um carrinho no supermercado e escolha o que quer comer.
Isso passa pelo debate da inflação, porque os altos preços dos alimentos geram fome. Não tem nada mais triste do que saber que não se pode colocar um prato de comida na mesa e depende do governo para assim fazê-lo.
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O que diz Erika Hilton sobre teto de gastos, pauta ambiental e desenvolvimento econômico, violência contra ativistas e o sistema de segurança pública
MC A PEC da Transição, válida por um ano, estipula que até o fim de agosto o governo Lula deve enviar ao Congresso um novo regime fiscal em substituição ao teto de gastos. A senhora é favorável à existência do teto de gastos, que proíbe o governo de aumentar despesas acima do que foi gasto no ano anterior, acrescido da inflação?
EH Não sou favorável ao Teto de Gastos. Isso foi colocado pelo governo Temer na tentativa de congelar recursos que iam para pautas tão importantes como educação, saúde e pautas sociais, enquanto tínhamos dinheiro que atendiam aos interesses das elites econômicas. Teto de gastos é uma política extremamente liberal que precisa ser derrubada. O recurso do povo, público, precisa ser investido. E isso não tem nada a ver com não ter responsabilidade fiscal.
O avanço e a desenvoltura de políticas públicas têm ligação direta com planejamento, superávit das contas públicas. Não estamos discutindo a derrubada do teto em detrimento da necessidade da responsabilidade fiscal. A direita e os liberais querem colocar o teto de gastos como fiel da balança da responsabilidade fiscal, quando é o fiel da balança dos interesses das elites econômicas. Apenas aquela casta econômica que é beneficiada. Não temos taxação de fortunas, mas temos congelamento de recursos para a saúde e educação. Qual a lógica?
Erika Hilton em ensaio para Marie Claire — Foto: LUFRÉ
MC Em 2021, o Brasil perdeu 16.557km² de cobertura de vegetação nativa, área equivalente a quase 11 vezes a cidade de São Paulo. A taxa representa um aumento de 20% em relação ao desmatado em 2020. A Amazônia liderou os registros de desmatamento, seguido pelo Cerrado e pela Caatinga, segundo dados do MapBiomas. Como conciliar a pauta ambiental e climática com o desenvolvimento econômico? Como a Câmara Federal pode trabalhar na pauta?
EH Vamos ter um trabalho duríssimo nesta pauta porque a Câmara é composta por uma bancada ruralista desenfreada, louca, que quer passar por cima de tudo. Vimos isso no governo Bolsonaro. Mas sem floresta, sem mata, oxigênio, ar puro, rios, não existe avanço, tecnologia, não existe vida. Precisamos fazer um debate com a sociedade, que tem que ser educada.
Não fomos educados a separar o lixo, reduzir o consumo, olhar para os bens da natureza da forma como deveria. Por isso fico tão feliz com a retomada do Ministério dos Indígenas, a eleição das deputadas Celia Xakriabá e agora ministra Sonia Guajajara.
Mas o maior desafio que teremos no Congresso são os interesses econômicos. Em detrimento da preservação ambiental, temos o que economicamente gera lucro aos que destroem a floresta. E não se dão conta de que o planeta não vai se recuperar na mesma velocidade em que está sendo destruído. Essa pauta é muito importante também porque dialoga com a discussão de raças. Nas enchentes de verão, morrem as famílias negras e pobres. Essa morte é ambientalmente racista. Da forma geográfica como a cidade se organiza, quem paga o preço são as populações negras, indígenas e ribeirinhos. É possível falar em desenvolvimento, ciência, sem abrir mão da preservação ambiental e defesa da vida, do futuro.
MC O Brasil é um dos países que mais mata ativistas no mundo e piora a cada ano. Em 2019, a Human Rights Watch mostrou que dos mais de 300 assassinatos que a Comissão Pastoral da Terra registrou de 2009 a 2019 na Amazônia, apenas 14 foram levados a julgamento. Como deputada, o que irá propor para combater essa violência? Essa é uma preocupação da senhora?
EH Não tenho uma proposta pronta para enfrentar essa violência, mas é uma preocupação minha e me atinge na primeira ordem do dia. Estou agora parlamentar mas sou ativista e constantemente ameaçada. O Brasil é o país que mais mata defensores de direitos humanos, transexuais e travestis. Precisamos nos reunir com organizações nacionais e internacionais para entender como enfrentar isso. Poderíamos propor uma legislação punitivista, que classifique como crime hediondo. Mas quais são os crimes, tratados como hediondos, que pararam de existir?
O punitivismo por si só não dá conta de resolver problemas tão severos. O racismo se tornou crime e tivemos aumento de práticas racistas. É preciso políticas mais profundas, ir até a raiz do problema. Para encontrar essa resposta, precisa de pesquisa e planejamento.
MC Estima-se que 6 mil pessoas morreram como resultado de violência policial em 2021. Defende alguma mudança no sistema de segurança pública? Como conciliar a proteção da população com uma polícia que não a extermina?
EH Defendo mudanças radicais no projeto de segurança pública do Brasil, extremamente falido, inclusive com relação às polícias militares. O Exército e a polícia da patrulha, do território, não deveriam estar conectados. Defendo a desmilitarização da polícia, porque entendo que a polícia militarizada da forma como ela está é uma polícia de guerra, de caos, de barbárie, e não pacificadora. A conciliação com a sociedade e os regimes de polícia é no exemplo do perfil das guardas civis metropolitanas. Gosto muito do código de conduta das guardas civis metropolitanas porque age como a polícia do bairro, que resolve conflito, faz uma conexão com a comunidade, está introjetada na comunidade. E não uma polícia munida de um equipamento extremamente ostensivo, que se organiza com os esquemas de seguranças públicas paralelo ao Estado.
O esquema de segurança pública do Brasil é profundamente racista. A polícia mata, encarcera e tortura jovens negros todos os dias, enxerga como alvo em especial homens e jovens negros.Quem está na linha de frente da polícia, matando e morrendo a serviço do Estado, são homens e mulheres negras que trabalham todos os dias.
O que diz Erika Hilton sobre política de encarceramento, bancada feminina na Câmara e violência política de gênero
MC A população carcerária bateu recorde e chegou a 919.000 presos, terceiro lugar no ranking internacional. Qual é a sua opinião sobre a política de encarceramento em massa e a chamada “guerra às drogas”? É favorável à legalização de alguma droga?
EH Sou favorável à legalização das drogas. A política de guerra às drogas, assim como a polícia, só serve para exterminar e encarcerar jovens negros no Brasil, que muitas vezes estão portando um baseado ou um pino de cocaína – enquanto famílias de narcotraficantes ocupam assentos no Congresso Nacional. Se pegarmos a maior parte dos processos de jovens encarcerados no Brasil, veremos que nem deveriam estar presos, inclusive pelo Código Penal, ou que estão ali porque portavam um número ínfimo de droga, uma quantidade de consumo. O grande traficante não é o jovem negro da perifieria, vendendo droga por um valor irrizório, para conseguir comprar um tênis ou colocar comida na sua mesa.
O próprio Estado rouba dele a oportunidade de estudo, de boa alimentação, de espaço de lazer e espaço cultural, de diversidade. A “guerra às drogas” nada mais é que uma política de extermínio, hipócrita e mentirosa, para colocar um caos na sociedade e continuar mantendo os interesses econômicos daqueles que se beneficiam com isso.
Erika Hilton — Foto: LUFRÉ
MC Como a bancada feminina deve se articular na Câmara em uma composição tão polarizada e com apenas 18% das cadeiras ocupadas por mulheres? Como conseguir votar as pautas que interessam à vida das brasileiras?
EH Ainda não conheço todas as minhas colegas mulheres do Parlamento. Estive lá e vi mulheres que fazem parte de outros espectros políticos, mas que achei que podem ser colegas. Não tenho a ingenuidade de achar que toda mulher defende os interesses de mulheres, assim como não dá pra dizer que todo negro defende os interesses dos negros, que todo LGBT defende os interesses dos LGBT’s. Mas espero que a grande maioria dessas mulheres possam deixar as diferenças partidárias de lado e se unir naquilo que seja importante e necessário para a agenda das mulheres.
As brasileiras foram muito sucateadas nestes últimos anos, inclusive com a extinção do Ministério das Mulheres, que agora volta a ganhar espaço no novo governo. Nós tivemos um governo que realmente odiava abertamente as mulheres, extremamente misógino. Diante de todo este rombo que foi deixado pelo último governo, espero que a bancada feminina – que não precisa ser feminista necessariamente, mas será feminina – entenda que podemos ser de partidos diferentes, mas é muito necessário nos unirmos para darmos respostas às necessidades das mulheres brasileiras.
MC De que forma o machismo se manifestou na sua trajetória política e como reagiu a ele?
EH Tenho uma postura dura dentro do cenário político porque é uma forma de me blindar da estrutura do Congresso e da Câmara de Vereadores. Isso me protegeu muito das gracinhas dos meus colegas. Por ser jovem e antenada com a moda, o que foge daquele padrão cafona do Parlamento, meu corpo é muitas vezes colocado em um lugar de sexualização. O tempo inteiro a minha beleza e a forma como me visto vai ser comentada pelos meus colegas, e não vejo isso como apenas um elogio. A grande maioria das vezes é uma hipersexualização daquele corpo jovem, feminino, travesti naquele espaço, e isso me incomoda muito. A forma como eles querem tocar em mim o tempo inteiro, me abraçar, construir uma intimidade que não existe e que não é cabível naquele ambiente, inclusive vindo de pessoas que a gente discorda e com quem não tem relação.
Outra coisa que é muito constante e me incomoda muito é a tentativa de diminuir nossa capacidade. Não querem nos ouvir ou nos deixar falar, querem nos silenciar e nos colocar em um lugar de “a jovenzinha que chegou aqui agora, bonitinha”. Fui a mulher mais bem votada do país, tenho a mesma legitimidade e até mais do que alguns deles para ocupar aquele espaço. A gente fica tão constrangida com a violência de um toque ou de um olhar, rasga a gente de uma tal forma que já aconteceu de não conseguir sequer dizer alguma coisa. O patriarcado e a misoginia é tão cruel que faz com que a gente se culpabilize o tempo inteiro.
MC E isso que você está descrevendo, esse assédio sexual, tem algum episódio em particular que você queira compartilhar?
EH A primeira vez que entrei para conversar com um colega na sala dele, na minha primeira chegada na Câmara. Esse dia me marcou muito porque ele não olhou no meu rosto em nenhum momento. Ficou debruçado diante dos meus seios o tempo inteiro, nitidamente, abertamente, sem menor constrangimento. Era minha primeira vez ali, então ele estava colocado em um espaço de autoridade, hierárquico, e aquilo me incomodou profundamente. Na hora que fui sair, me despedir, apertar a mão para agradecer, eme puxou e me deu um abraço, do nada, e fiquei muito mal, constrangida. Como essa foi a primeira vez que isso aconteceu, mas não a última, eu estava bastante assustada em estar sozinha naquela sala, com aquele homem que simplesmente me tratou como se não fosse uma parlamentar, uma mulher igual a ele ali naquele espaço, como se eu fosse um objeto sexual.
E ele demonstrou que estava muito excitado. Isso para mim é o mais chocante, a excitação dele era sentida no clima, na sala, e eu precisava falar e fiquei muito constrangida. E você não tem como rebater aquilo ou como falar para alguém, quando você conta para as pessoas inclusive elas eufemizam. Isso aconteceu outras vezes comigo, colegas não estarem tão atentos ao que estou dizendo e mais preocupados com o meu corpo.
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