eSports podem ser considerados como esportes? – Migalhas

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MIGALHAS DE PESO
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quarta-feira, 25 de janeiro de 2023
Atualizado às 07:39
Recentemente, a discussão sobre esportes eletrônicos serem considerados esportes ou não voltou a repercutir no país após a atual ministra do Esporte, Ana Moser, declarar que vê os eSports como um produto da indústria do entretenimento e não está nos seus planos investir nesse tipo de modalidade.
“A meu ver o esporte eletrônico é uma indústria de entretenimento, não é esporte. Então você se diverte jogando videogame, você se divertiu. O atleta de eSports treina, mas a Ivete Sangalo também treina para dar show e ele não é atleta, ela é uma artista que trabalha com entretenimento. O jogo eletrônico não é imprevisível, ele é desenhado por uma programação digital, cibernética. É uma programação, ela é fechada, diferente do esporte”, afirmou a ex-atleta em entrevista ao UOL.
A declaração polêmica de Ana Moser revoltou a comunidade gamer brasileira. O streamer Casimiro Miguel criticou a ministra em seu canal no YouTube: “O comentário foi grotesco e grosseiro, porque parecia que ela não sabia do que estava falando. O que me desagrada é que é um comentário arcaico”.
As afirmações da ministra denotam uma clara desinformação quanto à prática e suas regras. As competições são organizadas, existem regras, pessoas dedicadas à modalidade, disputas intensas e o resultado é sim imprevisível, basta que se aprofunde um pouco no assunto para perceber que não há nada de diferente entre a prática do eSport e qualquer outra modalidade esportiva. Felizmente o eSport vem se desenvolvendo como prática esportiva independentemente do apoio do estado.
A disputa de eSports contém todos os elementos para a caracterização como “desporto”, onde o conceito ganhou novos contornos e interpretações com o passar dos anos. Na década de 1950, o célebre João Lyra Filho já considerava o xadrez como modalidade do desporto da mente já que a prática envolve destreza, competição e obediência ao regulamento.
A Carta Europeia do Desporto, de 1992, define que “todas as formas de atividades físicas que, através de uma participação organizada, ou não, têm por objetivo a expressão ou melhoramento da condição física e psíquica, o desenvolvimento das relações sociais ou a obtenção de resultados na competição a todos os níveis”.
O reconhecimento como prática desportiva traz mais segurança para os praticantes, tendo em vista que muitos deles ficam alojados durante vários dias, sendo necessária a observância da carga horária, intervalos de descanso, períodos de concentração, saber se há trabalho de menores de idade. Além disso, os espectadores passariam a ser tratados como torcedores e regidos pelo Estatuto do Torcedor.
Atualmente, não há nenhum tipo de lei no país que traz a definição do que é esporte. Segundo a Lei Pelé (lei 9.615, de 24 de março de 1998), o desporto brasileiro abrange práticas formais e não-formais que podem pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:
I – Educacional: praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer;
II – Participação: de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente;
III – Rendimento: praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.
Após a polêmica, Ana Moser se envolveu novamente em discussão sobre o assunto na internet. O ex-jogador do eSports Gustavo Gomes compartilhou uma matéria sobre a França ter anunciado a criação de um visto especial para atletas de eSports. A medida do governo francês tem como objetivo auxiliar a contratação de estrangeiros em equipes francesas.
Logo em seguida, a ministra afirmou que esse tipo de decisão como na França deve acontecer de forma conjunta e não partir apenas do Ministério dos Esportes. “Porque não posso falar em nome do todo, alguns processos precisam caminhar antes. Ruim por um lado, mas o debate está rolando solto no meio do esporte e no meio dos gamers. Acho saudável. Quando tivermos novidades iremos anunciar”, disse Ana Moser antes de dizer que entende haver falhas com questões trabalhistas relacionadas aos eSports.
Tais lacunas trabalhistas poderiam ser preenchidas com a regulamentação da atividade e o reconhecimento como desporto. Tem que haver respeito ao limite de jornada de 8 horas diárias, intervalo interjornada, bem como a regulamentação dos períodos de concentração. Esses atletas são submetidos a condições nem sempre saudáveis e o lazer e períodos de descanso devem ser observados. É fundamental que haja um seguro de vida e acidentes pessoais, nos moldes que é assegurado ao atleta profissional. A questão previdenciária não pode ser deixada de lado. Na qualidade de atletas, mesmo que autônomos, há o reconhecimento de direitos que atualmente não são assegurados.
Desporto e entretenimento estão cada vez mais próximos e associados. O entretenimento passou a fazer parte do desporto. Por fim, prefiro utilizar a terminologia desporto e não esporte, pois este é o vocábulo prescrito pela Constituição da República Federativa do Brasil, que tem sido tão maltratada nos últimos tempos.
Sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados; doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL); membro da Academia Brasiliense de Direito do Trabalho (ABRADT); membro do IAB.
Advogado. Graduado pela Universidade Federal da Bahia. Professor de Direito Autoral. Autor de artigos jurídicos. Palestrante. Perito judicial em propriedade intelectual. Foi assessor de técnica legislativa na Câmara dos Deputados, diretor adjunto da Escola Superior da Advocacia da OAB/DF e vice-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Brasil/DF.
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ISSN 1983-392X

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