Europa e África lutam contra a corrupção e o Brasil liberta um ex-governador corrupto – Jornal Opção
01/01/2023
01 janeiro 2023 às 00h00
Vejo, nos jornais, algumas notícias alvissareiras com respeito à luta anticorrupção. Mas, antes que o leitor se anime e se alegre, esclareço que estou em Portugal, e me refiro a jornais portugueses e de outros países da Europa.
Do Brasil, o que leio, por mais irreal que pareça, é o contrário. Um empenho, nos mais altos escalões, para que a desonestidade viceje. A Operação Lava-Jato, a única batalha efetuada com êxito (inicial) contra ladrões poderosos, está desmontada.
Prende-se um cacique inimputável, prende-se um pastor religioso, que no fundo protestavam – e só isso – contra a prevalência da corrupção, ao mesmo tempo em que se liberta um ex-governador, que foi condenado a quatro séculos de prisão… por corrupção.
Um excelente artigo do experimentado jornalista J. R. Guzzo, no “Estadão” da semana passada, traz afirmações como essa: “Todas as decisões do Supremo, atualmente, absolvem, favorecem ou tiram acusados de corrupção da cadeia… a propósito, acabam de soltar o ex-governador Sérgio Cabral, condenado a 425 anos por corrupção confessa; votar nele, disse Lula da Silva, era um dever moral”. Não há como não concordar com Guzzo, e nem me atrevo a comentar essas coisas por aqui.
A prisão de Eva Kaili, lobista do Qatar
As manchetes dos principais jornais da Europa falam da vice-presidente do Parlamento Europeu, Eva Kaili e seus, digamos assim, escorregões éticos. Que consistiram em receber suborno do Qatar, para exercer lobby em benefício do país no euro-parlamento.
A bela deputada grega (as mulheres bonitas fazem as notícias ficarem mais atrativas), cujo comportamento muito protetor para com o Qatar já vinha despertando suspeitas, foi flagrada transportando uma mala de dinheiro quando saía do país, cuja origem não soube explicar.
Investigações preliminares já apontaram suborno e “branqueamento de capitais” (lavagem de dinheiro, aqui) envolvendo o marido da deputada e assessor do Parlamento Europeu, o italiano Francesco Giorgi, um ex-deputado italiano, Antonio Panzeri, o líder sindical, também italiano Luca Visentini e o pai de Eva Kaili.
A justiça belga (Bruxelas é a sede do Parlamento Europeu) e o Parlamento agiram rápido e com energia. Deveriam servir de exemplo para … deixa para lá! Todos estão presos, à exceção do pai da deputada. Eva perdeu o cargo de vice-presidente e o mandato de deputada do Parlamento Europeu, teve todos os seus bens bloqueados, e segue presa, enquanto prossegue o inquérito.
São também investigados dirigentes de duas ONGs (sempre elas), a Fight Impunity, presidida pelo ex-deputado Panzeri e a No Peace Without Justice, pretensamente defensoras de Direitos Humanos e Transparência Governamental na África e no Oriente Médio.
Eva Kaili vinha defendendo por demais ardorosamente os interesses do Qatar no Parlamento, inclusive na escolha do país para sede da Copa do Mundo e na venda de gás para a Europa. Já havia elogiado as leis trabalhistas do país, o que causou estranheza, pois, na construção dos estádios para a Copa, teriam morrido cerca de 3 mil operários, por deficiência de segurança. Explica-se a razão de tanto empenho.
O professor que combate a corrupção em Portugal
Outro fato que é notícia por aqui:
André Correa d’Almeida, embora conhecido em Portugal, não se tornou figura famosa fora daqui. Deveria ter se tornado, e já digo o porquê.
No Brasil, acostumamo-nos a identificar o termo ONG (Organização Não Governamental) com malandragem. Principalmente nos últimos tempos, essas entidades pertencem a duas categorias, com raríssimas exceções: ou são, embora não-governamentais, ávidas aproveitadoras de dinheiro público, o que é um contrassenso, além de malandragem. Ou são entidades financiadas por outras entidades, estas estrangeiras, cuja atividade pouco ou nada tem a ver com os interesses nacionais. O que também é contrassenso e malandragem.
Aqui entra o português André Correa d’Almeida. Formado em economia pela Universidade de Lisboa e doutorado nos EUA pela universidade de Denver, Colorado, André é hoje professor na prestigiada Universidade de Columbia. Mas não se desligou de sua terrinha natal.
Preocupado com a corrupção em Portugal, fundou em 2020, ainda nos EUA uma ONG, mas uma ONG verdadeiramente edificante. Chamou-a All4Integrity (Tudo pela integridade). E através dela busca meios de combater a corrupção em Portugal. Conseguiu alguns patrocínios e criou um prêmio para distinguir figuras ou entidades que se destaquem pelo combate ao desvio de dinheiro público. “A corrupção é a principal causa da pobreza de milhões de portugueses”, afirma André. Verdade, André, e não só para portugueses.
Pelo segundo ano consecutivo, a ONG de André premia figuras que se destacaram no combate à corrupção em Portugal, sejam estudantes, empresários, advogados, repórteres investigativos ou outros. Tem apoio de várias áreas públicas e privadas, inclusive da Presidência da República portuguesa.
André denominou a medalha que criou como Prêmio Tágides, numa evocação à tradição lusitana. Vai aqui a curiosidade histórica: em 1545, o poeta André de Rezende criou o termo Tágides. As Tágides seriam a versão portuguesa das nereidas, as ninfas das águas da mitologia grega. As Tágides habitavam o Rio Tejo e dirigiam seus encantos e proteções exclusivamente para as terras portuguesas e seus habitantes. Camões, ao início dos Lusíadas, invoca as Tágides para que lhe deem inspiração. Essa invocação aparece logo no início do poema e é retratada num belíssimo quadro do pintor realista português Columbano Bordalo (1857-1929), quadro que hoje está no Museu de Vizeu, 300 km ao norte de Lisboa.
Vivendo nossa terra um ambiente quase que de cleptocracia, é com admiração, mas com inveja, que vejo, como brasileiro, essa iniciativa portuguesa. A inveja cresce, ao ver que se somam a ela, os esforços de políticos, como o próprio presidente da República, da imprensa e do empresariado portugueses, entes que no Brasil, em boa parte, lavam as mãos, quando não se acumpliciam. Num bom sentido, claro, quanta inveja.
Isabel dos Santos tem bens arrestados em Angola
E a CNN portuguesa acaba de anunciar o arresto dos bens de Isabel dos Santos, a “mulher mais rica da África e de Portugal”, a filha do ex-ditador de Angola por quase 40 anos, recentemente falecido, José Eduardo dos Santos.
Já falei dela aqui, em outras ocasiões. O arresto vem da Suprema Corte de Angola e atinge contas bancárias e participações empresariais de Isabel dos Santos no país africano, em Portugal, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Isabel, desde que seu pai saiu do governo, em 2017, está foragida em Dubai. O arresto chega a 1 bilhão de dólares. O STF angolano está de parabéns.
Alexandra Reis, diretora da TAP
E mais uma derrota da corrupção, em Portugal: Alexandra Reis, uma diretora da TAP, a companhia aérea portuguesa, que é estatal, reformou-se e recebeu uma indenização de meio milhão de euros.
A repercussão foi enorme, com a TAP e o governo sendo cobrados em todos os jornais e televisões pelo abuso do dinheiro público (aqui a imprensa não compactua com esse tipo de coisa). Até o presidente Marcelo Rebelo de Souza foi publicamente cobrado por manifestantes, para que anule o ato.
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