Evangélicos pressionam para que Lula não saia de aliança ultraconservadora – UOL Confere
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Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Com passagens por mais de 70 países, o jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparência Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Vivendo na Suíça desde o ano 2000, Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti. Entre os prêmios recebidos, o jornalista foi eleito duas vezes como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se.
Colunista do UOL
19/11/2022 04h00
A bancada evangélica no Congresso e líderes de alguns dos movimentos neopentecostais querem que o Brasil não abandone o Consenso de Genebra, bloco ultraconservador que defende na ONU e OMS uma resistência contra qualquer referência à educação sexual e direitos reprodutivos na agenda internacional. A aliança ainda tem como bandeira a luta contra o aborto.
O UOL apurou que a pressão está sendo feita sobre integrantes da equipe de transição, ainda que os principais nomes que estão desenhando a nova política externa brasileira tenham já declarado internamente que são favoráveis ao abandono imediato da iniciativa por parte do governo Lula.
Mas os evangélicos querem convencer o presidente eleito que não seria produtivo romper com a aliança neste momento, já que uma decisão neste sentido poderia ser vista como um ato “brusco”.
Se a opção for por se retirar do bloco, o que se tenta é que isso não ocorra no primeiro dia de governo de Lula para evitar um mal-estar.
O temor das lideranças conservadoras é que o presidente eleito repita o gesto feito por Joe Biden que, nas primeiras horas de seu mandato, emitiu uma ordem para que a diplomacia americana se afastasse da aliança. Mais recentemente, uma decisão no mesmo sentido foi adotada pelo governo de Gustavo Petro ao assumir a presidência da Colômbia.
O que deve ocorrer é que, antes do final do ano, o governo brasileiro deixará de comandar a aliança. O bastão será passado para a Hungria, comandada pelo líder de extrema direta, Viktor Orban. Existe a possibilidade ainda de que um evento seja organizado ainda pelo governo de Jair Bolsonaro em dezembro, para marcar essa transição.
Procurado pela reportagem, o Itamaraty não deu respostas sobre essa transição e se ela já estava ou não prevista, antes de Bolsonaro perder as eleições.
Originalmente, a aliança foi costurada pelos governos de Donald Trump e de Jair Bolsonaro, com a então ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, e o então chanceler Ernesto Araújo no comando. A meta do grupo – que ganhou o nome de Consenso de Genebra – era o de impedir e até verter qualquer referência em organismos internacionais a temas sobre direitos reprodutivos e acesso à saúde sexual para meninas e mulheres.
Oficialmente, o objetivo era o de lutar contra uma suposta agenda dos organismos internacionais de promover o aborto. Em entidades como a OMS e outras agências da ONU, a insistência não é pelo aborto, mas por uma defesa da vida das mulheres, a descriminalização dos atos e o respeito pelas constituições nacionais.
A aliança, porém, reuniu governos com péssimos resultados em termos de defesa das mulheres, incluindo Arábia Saudita e Bahrein. O bloco ainda conta com governos de extrema direita da Hungria e da Polônia.
Derrotados nas urnas, membros do governo de Donald Trump mantiveram o ativismo para preservar a existência do grupo. Valerie Huber, subsecretaria para Assuntos de Família, passou a ser uma figura constante em debates entre partidos e movimentos de extrema direita pelo mundo.
Antes de deixar o cargo, porém, ela enviou um e-mail a apoiadores em todo o mundo para pedir que a agenda não fosse abandonada e recomendou que todos entrassem em contato com a embaixada do Brasil em Washington, que serviria como ponto focal da aliança.
Não por acaso, a notícia sobre uma possível saída do Brasil deixou membros da aliança preocupados com a capacidade de o grupo manter sua relevância. Para diplomatas do pacto, colocar o profissionalismo do Itamaraty para promover pautas ultraconservadoras teve um impacto real.
Além disso, o bloco contava com a diplomacia paralela de bolsonaristas que percorriam o mundo promovendo a agenda. Ângela Gandra, secretaria da Família na pasta liderada por Damares Alves, também atuou como ponte entre grupos ultraconservadores de diversos países e o governo Bolsonaro.
Na ONU, a vitória de Lula foi comemorada como um sinal de que a agenda que tentava minar direitos básicos seria enfraquecida.
Camilla Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, também defende um reposicionamento do Brasil. “Com a mudança de governo, um dos pontos fundamentais é o Brasil reconquistar uma posição de respeito e coerência no âmbito internacional”, disse.
Lembrando que tanto a Constituição como a campanha eleitoral de Lula têm os direitos humanos como foco, ela defende que o novo governo faça uma “revisão apurada dos atos de política externa que levaram o Brasil a ficar em uma posição tão isolada e sem prestígio”.
Uma delas, segundo Camila Asano, é o Consenso de Genebra. “Ela representa uma aliança de governos de extrema direita e outros governos de cunho democrático que vieram a substituir esses líderes extremistas já se retiraram”, disse ela, numa referência aos presidentes dos EUA e Colômbia.
“Seria mais que natural esperar que houvesse uma revisão imediata desse governo que assume em janeiro com relação à participação em alianças que foram construídas como forma de articulação da pela extrema direita, para retomar o prestígio e respeito internacional, que é um ponto marcante da história do Brasil e que nos últimos anos foi prejudicada”, completou.
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