Falta papel higiênico em escola, mas sobram casos de corrupção na Educação – UOL Confere

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em países como Timor Leste e Angola e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). Diretor da ONG Repórter Brasil, foi conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão (2014-2020) e comissário da Liechtenstein Initiative – Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos (2018-2019). É autor de “Pequenos Contos Para Começar o Dia” (2012), “O que Aprendi Sendo Xingado na Internet” (2016), ?Escravidão Contemporânea? (2020), entre outros livros.
Colunista do UOL
07/10/2022 11h04
Novo capítulo da política de terra arrasada do governo Bolsonaro na área de Educação, o bloqueio de R$ 2,4 bilhões para o ensino superior levará a cortes na água, luz, comida para estudantes e até na manutenção de banheiros, segundo reitores. Ao final de quatro anos de gestão, o pessoal não vai encontrar papel higiênico na escola, mas denúncia de corrupção é o que não vai faltar.
Como esquecer o icônico áudio do então ministro da Educação Milton “Tiro Acidental” Ribeiro afirmando que “foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim” a demanda por acolher as necessidades do pastor Gilmar Santos e de seus “amigos” prefeitos, interessados em recursos públicos.

Santos e o pastor Arilton Moura integravam o “gabinete paralelo” montado no MEC, segundo revelou o jornal O Estado de S.Paulo. Para tanto, cobravam propina em dinheiro, bíblias e até barras de ouro. Ironicamente, parte do autointitulado povo de Deus continua recolhendo ouro para seus bezerros e falsos ídolos (Êxodo, capítulo 32), milhares de anos depois do episódio no monte Sinai.
Descoberto o esquema, o ministro caiu. Mas gravações de conversas telefônicas apontam que ele continuou sendo ajudado pelo presidente, que o avisou de que a Polícia Federal estava em sua cola, atrapalhando uma investigação. O presidente não combateu a corrupção, mas o combate à corrupção, como alertou o próprio ex-juiz Sergio Moro, antes de fazer as pazes com o antigo chefe para se eleger senador.
Não só Jair, mas a chapa inteira do PL tem suas digitais nesse escândalo. A Casa Civil da Presidência da República, então comandada pelo general Braga Netto, hoje candidato a vice de Bolsonaro, pediu para que o Ministério da Educação atendesse o pastor Arilton Moura, em janeiro de 2021, conforme e-mail revelado pela Folha de S.Paulo.
A relação do pastor com a família Bolsonaro, vale lembrar, é anterior à chegada de Milton Ribeiro ao ministério, em julho de 2020, como pode se constatar por declarações de gratidão do próprio senador Flávio Bolsonaro.
E os dois religiosos visitaram dezenas de vezes o Palácio do Planalto desde que Jair assumiu o cargo, como ficamos sabendo pelo pedido do jornal O Globo, via Lei de Acesso à Informação. Eram figurinhas fáceis na Vice-Presidência, na Secretaria de Governo, no Gabinete de Segurança Institucional, na Casa Civil. Uma festa da fruta.
Se você é professor, funcionário ou estudante e quer conseguir a atenção do Ministério da Educação para uma demanda justa (mais professores, reformas nas escolas, currículo decente, merenda, água, luz, papel higiênico), precisa juntar-se a outros milhares e irem protestar na rua sob o risco de levar borrachada da polícia, respirar gás lacrimogênio ou ser chamado de “massa de manobra” e de “vagabundo” pelo governo.
Há elementos mais do que suficientes para sustentar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para entender por que o MEC foi sequestrado por pastores evangélicos que cobravam propina e que eram próximos ao presidente da República. Mas também por que o então ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto, cobrou que o MEC atendesse os religiosos. E, claro, qual a razão de uma investigação assustar tanto Jair que, ao que tudo indica, baixou a mão peluda sobre a PF.
A CPI do MEC foi aberta, mas – por conta de acertos políticos – sua instalação deve acontecer apenas após as eleições. Não só porque uma parte do Congresso está defendendo Jair, mas porque está protegendo a si mesma. Sim, não só pastores se locupletaram usando o Ministério da Educação.
Por exemplo, municípios alagoanos com escolas precárias receberam R$ 26 milhões em emendas parlamentares para comprar kits de robótica de uma empresa de aliados de Arthur Lira, presidente da Câmara e fiador de Bolsonaro. A empresa lucrou 420% com cada unidade, adquirindo-a por R$ 2,7 mil e vendendo por R$ 14 mil. A investigação da Folha de S.Paulo aponta indícios de direcionamento na licitação, dificultando a entrada de concorrentes que poderiam cobrar mais barato.
Através do milagre da transmutação, licitações com sobrepreço historicamente se transformam em lucro fácil para empresários amigos da corte, mas também em cascalho para o bolso dos políticos que tornaram isso possível – que podem usá-lo em coquetéis de camarão ou em financiamento eleitoral.
A profusão de denúncias de desvios envolvendo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), dirigido por um ex-assessor do ministro-chefe da Casa Civil e líder do centrão, Ciro Nogueira (PP-PI), indica que teve muito parlamentar com grana não declarada para gastar nesta eleição.
Como esquecer a multimilionária licitação de quatro mil ônibus escolares que, se não fosse por denúncia do jornal O Estado de S.Paulo, teriam feito a alegria de muita gente.
Não sou eu quem diz isso, mas o procurador Lucas Rocha Furtado, que atua junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), que alertou que casos como o dos ônibus com sobrepreço podem se converter em um “prejuízo à democracia, a depender da destinação que esses recursos venham a ter, como, por exemplo, a composição do chamado ‘caixa 2 de campanha”.
Privilegiar bases de políticos por critérios eleitorais, ignorando decisões técnicas, atrasa a vida de quem realmente precisa de recursos para a educação. Isso seria um problema se o governo, que controla a bufunfa, se importasse.
A pior sacanagem é que toda essa promiscuidade ocorre após uma pandemia que afastou, por quase dois anos estudantes das salas de aula gerando uma defasagem em escolas públicas que já seria difícil de ser corrigida sob um governo e um Congresso funcionais que destinassem o dinheiro da educação para a educação. Imagine então com os que a gente tem.
Os recursos públicos poderiam ir para recuperar o tempo perdido. Poderiam. Mas isso qualquer gestor honesto faria. O que vemos hoje pelas mãos der pastores e parlamentares é ver a grana que seria usada para garantir carteiras, água encanada, energia elétrica, internet e banheiros nas escolas se transmutar em emendas ou em caixa 2.
Enquanto isso, parte do eleitorado radical de Bolsonaro bate palmas para o bloqueio de verbas para universidades, que eles veem como “cracolândias comunistas” e não como locais que desenvolvem vacinas e respiradores a baixo custo que salvaram vidas da covid-19.
No dia 23 de junho, Bolsonaro sancionou o projeto de lei que limita o ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte. Mas vetou a compensação que o Congresso Nacional tinha aprovado para que estados e municípios pudessem manter os mesmos valores que desembolsavam em educação e saúde públicas antes da nova lei. Ou seja, tirou da educação para botar no tanque de combustível para delírio da “carrocracia” brasileira, onde veículos têm mais direitos que gente.
Ao negar a recomposição de recursos, o presidente tenta mostrar resultados econômicos no curto prazo para as eleições rifando a qualidade de vida futura da população que não pode pagar uma escola particular. Tirar orçamento da educação fará com que a qualidade desses serviços caia. Alguma escola continuará sem água encanada e luz elétrica, outras não terão internet e ainda há aquelas que permanecerão sem laboratórios.
A questão é de timing. Não tem importância tungar o povão, desde que ele só perceba isso quando for tarde demais, ou seja, depois de 30 de outubro.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
Leonardo Sakamoto
Leonardo Sakamoto
Daniel Camargos, Hélen Freitas e Poliana Dallabrida*
Leonardo Sakamoto
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